Chico Xavier não é uma massa de modelar para o pessoal fazer o que quiser



Uma grande advertência que se deve ter é que não se pode tratar um "médium espírita" como se fosse uma massa de modelar, moldando conforme a ideia que cada um achar mais agradável. O "médium" já é uma figura pitoresca, da forma que se desenvolveu no Brasil, se afastando da função intermediária dos médiuns que atuaram nos tempos de Allan Kardec, o codificador do Espiritismo.

Os "médiuns" brasileiros - as aspas demonstram o caráter duvidoso da função - já se tornaram os "sacerdotes" de um estranho Espiritismo feito no Brasil, bem mais próximo do Catolicismo jesuíta e medieval que prevaleceu na fase colonial do que da Doutrina Espírita propriamente dita. Para complicar as coisas, os "médiuns", para alimentar sua popularidade, se passavam por dublês de ativistas, pensadores, conselheiros e até pretensos cientistas e supostos profetas.

O caso de Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, é aberrante. Se as pessoas tiverem um pouco de cautela e vasculharem sua trajetória, verá que existem pontos muito obscuros e preocupantes, que envolvem, sobretudo, pretensa psicografia de valor muito duvidoso - mas oficialmente aceita devido às paixões religiosas que ela simboliza para um povo incauto que é o brasileiro - e divulgação de valores do mais retrógrado ultraconservadorismo.

Chico Xavier, infelizmente, é, no entanto, encarado como se fosse uma espécie de "fada-madrinha" para gente grande, com seus livros mostrando também "contos de fadas" para adultos, calcados na Teologia do Sofrimento - corrente católica-medieval que faz apologia da desgraça humana como um suposto atalho para as bênçãos de Deus - , e isso faz com que ele seja o único pelo qual a fantasia se sobrepõe à realidade.

Esquecemos que Chico Xavier foi um deturpador traiçoeiro da Doutrina Espírita, que ao mesmo tempo arruinou o legado trabalhoso de Allan Kardec como usou os nomes dos mortos para se promover e para inserir moralismo conservador e mistificação medieval atribuindo as opiniões pessoais do "médium" às supostas "vozes do além". Os mortos não estão aí para reclamar, enquanto o povo tolamente imagina que eles passaram a "pensar como Chico Xavier".

Chico Xavier foi beneficiado pela impunidade, no caso do escritor Humberto de Campos, a pessoa mais lesada pela pretensa mediunidade do mineiro. E, depois, passou a ser beneficiado pelo pensamento desejoso, sob o pretexto da "liberdade de crença" na qual se atribuem a ele qualidades antagônicas que variam entre o mais modesto e o mais pitoresco.

Isso é mal. E o pior que até aqueles que querem que Chico Xavier fosse visto como um "ser humano simples e imperfeito" não estão aí para realismos. Pelo contrário, reforçam ainda mais o mito que querem desfazer, porque mesmo como "humano imperfeito" Chico Xavier é encarado pelos devaneios das paixões religiosas e da fascinação obsessiva que o envolvem. Para desfazer um mito, cria-se outro mito.

O que vamos observar, analisando a trajetória de Chico Xavier, é que ele foi um sujeito ultraconservador, nos níveis de, para desespero de muitos, se compara a Jair Bolsonaro. Sua "mediunidade" também se revela duvidosa, porque há muitas irregularidades nas mensagens atribuídas aos mortos, das quais frequentemente há aspectos que contrariam as naturezas pessoais dos supostos autores falecidos.

Além disso, como espírita, reconhecemos que Chico Xavier foi um completo desastre, porque suas ideias estão muito mais próximas do igrejismo do deturpador pioneiro Jean-Baptiste Roustaing, a ponto de Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho ser uma resposta brasileira a Os Quatro Evangelhos.

Não podemos tratar Chico Xavier como massa de modelar, mas também não podemos confiná-lo em qualidades que, mesmo imperfeitas, sempre soam desagradáveis. Como deturpador do Espiritismo, Chico Xavier mais merece repúdio do que admiração, pelo desserviço que fez ao substituir a lógica e o bom senso pela mistificação igrejista e medieval. Muitos querem tirar Chico Xavier do pedestal, mas continuam sempre arrumando um altar para ele, na sua idolatria mal-disfarçada.