Retratação "espírita" dos céticos lembra a conversão dos hereges ao Catolicismo medieval



Há casos preocupantes de rendição dos céticos à mistificação do "espiritismo" brasileiro, que tem como base original os valores repaginados do Catolicismo medieval. Ateus, céticos e pessoas de profundo rigor intelectual, de repente, por conta de um apelo "amoroso" de algum "espírita", principalmente se for Francisco Cândido Xavier, se rendem, dominados por essa suposta "força do amor".

Oficialmente, essa rendição é vista como um "exemplo de misericórdia e fraternidade" e "um reconhecimento da força do trabalho do bem" atribuídos à dominação do "espiritismo" brasileiro. Muitos vão para a cama dormir o sonho dos anjos, diante de tais atribuições, e todos vivem um aparente clima de sorrisos intensos, choros de comoção e uma suposta paz de concórdia aos dogmas religiosos dominantes.

Tudo isso é mistificação. A Fé que domina a Razão já era um dado negativo trazido por Allan Kardec, conforme vamos ver em outra oportunidade. Só no Brasil, ainda submisso às paixões religiosas, se entende a submissão à fé como algo positivo, quando sabemos que ele é bastante traiçoeiro, expresso pela tática do "bombardeio de amor", que explicaremos em outro momento.

A verdade é que a retratação "espírita" é um processo traiçoeiro de dominação, semelhante ao que a Igreja Católica, na Idade Média, fez com os hereges. A forma apenas deixa de ser, ao menos explicitamente, coercitiva, pois os "novos cristãos" se rendiam ao jugo católico intimidadas por ameaças de morte na forca, por fuzilamento, pela fogueira em praça pública ou por outra condenação igualmente mortal.

No "espiritismo", o jugo é movido por manobras próprias do soft power dessa religião: o "bombardeio de amor" que explora os instintos emocionais adormecidos da vítima, forçando-a a chorar copiosamente, um processo ainda muito traiçoeiro porque, em vez da ameaça explícita da morte violenta, há a exploração hipnótica da emotividade do dominado, que, comovido, se rende ao seu dominador, a ele se submetendo, muitas vezes sem ter consciência disso.

O caso de Humberto de Campos Filho, cujo pai foi um escritor usurpado pela suposta mediunidade de Chico Xavier, e cujo caso ainda falaremos depois. Vítima da dominação hipnótica do "médium", o filho do escritor, que atuava, em 1957, como jornalista e produtor de TV, foi atraído para a "emboscada do bem" de Chico Xavier, um evento que incluiu doutrinária (a missa dos "espíritas") comandada pelo "médium" e amostras de Assistencialismo, incluindo passeio em caravana por Uberaba.

Vamos comparar duas posições de Humberto de Campos Filho, uma manifesta em 1944, quando entrevistado pela Revista da Semana, em função do processo judicial contra Chico Xavier e a FEB, e uma declaração em 1977 dada a Luciano da Costa e Silva para o livro Nosso Amigo Chico Xavier.

Em 1944, Humberto de Campos Filho duvidava das "psicografias":

- Querem fazer o espírito trabalhar mais do que o corpo. - Gracejo ou evasiva, quem sabe?

- Mas, encarando a questão seriamente - insistimos - acha concebível que aqueles livros tenham sido escritos pelo seu pai?

- Claro que não - é a resposta categórica. - Tanto assim que evitamos tocar no assunto e nunca demos a nossa permissão para a publicação desses livros atribuídos a meu pai. Frequentemente apareciam delegações espíritas ou padres católicos e até representantes de outras religiões, todos querendo convertê-lo. Ele a todos recebia e ouvia com a devida consideração, mas era só. Nunca foi espírita.

Já em 1977, a posição era outra, conforme narrou Luciano da Costa e Silva, mostrando um Humberto de Campos Filho tomado de fascinação obsessiva por Chico Xavier, que, aproveitando o clímax da conversa, teria investido num falsete que desnorteou o interlocutor:

"De início, envolvido por aquela atmosfera de paz e bondade que sua presença transmite, conversamos sobre o passado e sobre as coisas que julgávamos importantes, em relação ao momento em que vivíamos. De repente, sem as bufadas ou contorções tão comuns para quem frequenta reuniões desse tipo, notei que o Chico deixava de ser o Chico para ser, talvez, alguém que identifiquei como meu pai. Pelas coisas que dizia e pela forma que as dizia".

Em suas narrativas pós-1957, Humberto de Campos Filho, dominado por Chico Xavier, se comportou como o antigo herege da Idade Média que se submeteu ao jugo católico, só que num contexto próprio de nossos tempos, numa manobra mais dissimulada, quanto à dominação, e sem a prática e nem o anúncio da coerção física. Uma dominação na qual são exploradas as fraquezas emocionais da vítima, dentro de uma simbologia trabalhada de maneira perigosa, forçando os prantos e a fascinação.

A dominação é tal que Humberto de Campos Filho, como iremos ver brevemente, chegou a comparar Uberaba com as paisagens do Cristianismo primitivo que ele acreditava ter em sua mente. Ele participou de práticas de Assistencialismo, que o deslumbraram pelo simulacro de amorosidade e paz do ambiente, como a produção de sopas e a doação de mantimentos e roupas. Nada que um Luciano Huck não teria feito em seus quadros no Caldeirão do Huck.

Esse aspecto é um dos tantos que foram adaptados pelo "espiritismo" brasileiro quando ele decidiu repaginar o Catolicismo medieval, processo que tornou-se conhecido como a "catolicização do Espiritismo". E mostra, pelo exemplo de um deslumbrado Humberto de Campos Filho, o quanto a tática do "bombardeio de amor" é muitíssimo perigosa, fazendo com que pessoas céticas e de firme decisão em suas vidas fossem transformadas, por um simples apelo de "beleza" e "afetividade", em pessoas perigosamente submissas e obedientes.