Ideia de Chico Xavier sobre trabalho exaustivo contraria lições de Allan Kardec



O "espiritismo" brasileiro diz condenar a escravidão e um de seus primeiros dirigentes, o médico Adolfo Bezerra de Menezes, lançou um livro, apenas correto, chamado A Escravidão no Brasil e as Medidas que Convém tomar para Extingui-la Sem Dano para a Nação, em 1869.

Chegam os "espíritas" a superestimar o papel da Princesa Isabel ao assinar a Lei Áurea, como se isso fosse libertar os escravos e promover sua melhoria de vida, algo que a realidade desmentiu por completo. E chegam a inventar que Dom Pedro II era militante abolicionista, quando a História registra que o imperador adotava uma postura hesitante em torno da escravidão.

Francisco Cândido Xavier, sendo um religioso conservador, defendia o trabalho exaustivo, a submissão aos patrões, a aceitação das limitações. Ele seria um dos mais entusiasmados propagandistas da reforma trabalhista dos governos golpistas. Uma amostra disso está num texto que defende a servidão, cujas palavras dóceis enganam muita gente, que não percebem o caráter perverso da mensagem.

Essa mensagem foi publicada no livro Doutrina Escola, publicado em 1996, pela editora IDE. O tom dócil esconde o apelo moralista para a pessoa ser obediente e subserviente, e as pessoas, mesmo progressistas, são seduzidas pelo mel das palavras, conforme vemos a seguir:

"RECOMEÇO

Quando o teu próprio trabalho te pareça impossível ...
Quando a dificuldade e sofrimento te surjam a cada passo ...
Quando te sintas à porta de extremo cansaço ...
Quando a crítica de vários amigos te incitem ao abatimento e à solidão ...
Quando adversários de teus ideais e tarefas te apontem por vítima do azar ...
Quando as sombras em torno se te afigurem mais densas ...
Quando companheiros de ontem te acreditem incapaz a fim de assumir compromissos novos ...
Quando te inclines à tristeza e à solidão ...
Levanta-te, trabalha e segue adiante.

Quando tudo reponte no caminho das horas, não te desanimes, porque terás chegado ao dia de mais servir e recomeçar."

Só que essa mensagem, ao defender a servidão, a conformação e a continuidade do trabalho impossível, da constante dificuldade e do extremo cansaço, vai contra os ensinamentos de Allan Kardec, que em O Livro dos Espíritos, Livro III, Capítulo 03, Lei do Trabalho, itens 682 a 685, além do comentário do próprio mestre francês, rejeitam a defesa do trabalho exaustivo feita pelo "médium", em palavras contundentes:

II – Limite do Trabalho – Repouso
      
682. Sendo o repouso uma necessidade após o trabalho, não é uma lei da natureza?
     
 — Sem duvida o repouso serve para reparar as forças do corpo. E também necessário para deixar um pouco mais de liberdade à inteligência, que deve elevar-se acima da matéria.

683. Qual é o limite do trabalho?

— O limite das forças; não obstante, Deus dá liberdade ao homem.

684. Que pensar dos que abusam da autoridade para impor aos seus  inferiores um excesso de trabalho?

— É uma das piores ações. Todo homem que tem o poder de dirigir é responsável pelo excesso de trabalho que impõe aos seus inferiores, porque  transgride a lei de Deus. (Ver item 273.)

685. O homem tem direito ao repouso na sua velhice?

— Sim, pois não está obrigado a nada, senão na proporção de suas forças.

685 – a) Mas o que fará o velho que precisa trabalhar para viver e não pode?

— O forte deve trabalhar para o fraco: na falta da família, a sociedade deve ampará-lo: é a lei da caridade.

Comentário de Kardec: Não basta dizer ao homem que ele deve trabalhar, é necessário também que o que vive do seu trabalho encontre ocupação, e isso nem sempre acontece. Quando a falta de trabalho se generaliza, toma as proporções de um flagelo, como a escassez. A ciência econômica procura o remédio no equilíbrio entre a produção e o consumo, mas esse equilíbrio, supondo-se que seja possível, sofrerá sempre intermitências e durante essas fases o trabalhador tem necessidade de viver. Há um elemento que não se ponderou bastante, e sem o qual a ciência econômica não passa de teoria: a educação. Não a educação intelectual, mas a moral, e nem ainda a educação moral pelos livros, mas a que consiste na arte de formar caracteres, aquela que cria os hábitos, porque educação é conjunto de hábitos adquiridos.

Quando se pensa na massa de indivíduos diariamente lançados na corrente da população, sem princípios, sem freios, entregues aos próprios instintos, deve-se admirar das conseqüências desastrosas desse fato? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem seguirá no mundo os hábitos de ordem e previdência para si mesmo e para os seus, de respeito pelo que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar de maneira menos penosa os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que somente uma educação bem compreendida pode curar. Nisso está o ponto de partida, o elemento real do bem- estar, a garantia da segurança de todos.