Uma das mais antigas 'fake news' foi corroborada por Chico Xavier e pelo "movimento espírita"



Uma das maiores farsas historiográficas ligadas ao Cristianismo é apoiada pelo "movimento espírita" a partir do próprio "bom exemplo" de Francisco Cândido Xavier. Uma carta apócrifa, intitulada Epístola Lentuli, considerada fraudulenta e conhecida como uma das maiores fake news produzidas pela Idade Média, chegou até a virar livro, através do amigo de Chico Xavier e suposto estudioso "espírita", o jornalista e "médium" Pedro de Campos.

Ela se refere ao suposto senador Públio Lentulus, que oficialmente teria sido, segundo os "espíritas", a encarnação de Emmanuel, espírito que teria sido mentor de Chico Xavier, segundo o enredo do livro Há Dois Mil Anos, de 1939, uma obra cheia de profundas falhas historiográficas, o que o desqualifica como referência para compreender corretamente os fatos históricos da Antiguidade.

Pedro de Campos, no livro que corrobora teses de Chico Xavier, descreve supostos estudos científicos sobre a Epístola Lentuli, que no entanto se revela uma farsa, com um sério agravante que diremos depois. Sabemos que Espiritismo, da forma que é feita no Brasil, é inspirado no Catolicismo medieval, que chegou aos brasileiros através da Companhia de Jesus no século XVI e tinha uma mentalidade profundamente medieval. 

Só para se ter uma ideia, Portugal, que sustentava os jesuítas na então colônia brasileira, praticava inquisições e punições sangrentas, como queimadas em praça pública, como punição mortal aos hereges da "Santa Igreja". O famoso ator, escritor e dramaturgo Antônio José da Silva, brasileiro radicado em Portugal (nasceu na atual cidade de São João do Meriti, na Baixada Fluminense), conhecido como "O Judeu", morreu queimado em Lisboa, em 1739, aos 34 anos.

Então o agravante é que nem a Igreja Católica Apostólica Romana, como se denomina a religião do Catolicismo medieval, aceita a Epístola Lentuli, um documento lançado por volta do século XIV ou XV, portanto, um panfleto apócrifo originário da Idade Média.


Consta-se que o verbete produzido na nossa era relacionado à Epístola Lentuli está no verbete "Publio Lentulus" da enciclopédia intitulada La Grande Enciclopaedia Espanhola. Publio Lentulus (ou Publius Lentulus e Públio Lêntulo) teria sido um senador que supostamente governou a Judeia, região do Império Romano localizada no Oriente Médio e onde Jesus Cristo teria vivido em quase toda sua vida.

Outras fontes, disponíveis na Biblioteca Nacional, são o Dictionnaire de La Bible, de F. Vigouroux, e a Enciclopédia Universal Ilustrada, da Editora Calpe, que citam o duvidoso documento. Em Há Dois Mil Anos, Chico Xavier fez acréscimos, alegando que "Lentulus" teria tido uma filha chamada Flávia, contrariando as nomenclaturas familiares - uma regra na aristocracia romana - , pois sua esposa se chamava Lívia e a filha deveria ter nome derivado de seus genitores ou, pelo menos, um deles.

Na obra "espírita", Públio e Flávia teriam morrido em Pompeia, vítima da explosão do vulcão Vesúvio que atingiu esta cidade romana e a vizinha Herculano, na região do atual Sul da Itália, causando milhares de mortes, no ano 79 de nossa era. E houve rumores, por sinal bem risíveis, de que Flávia Lentulia teria sido uma antiga encarnação de Chico Xavier!

Um longo trabalho traz uma série de fontes que levam em conta esse documento apócrifo. O historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Lair Amaro, também enumerou falhas historiográficas que desqualificam livros como Há Dois Mil Anos e põem em xeque a sua credibilidade para os brasileiros entenderem como foi a época do Império Romano. Outro texto revela mais falhas históricas do livro chiquista.

O texto da Epístola Lentuli descreve, em tradução do estudioso José Carlos Ferreira Fernandes, publicado no blog Obras Psicografadas:

"Lêntulo, chefe dos cidadãos de Jerusalém, ao Senado e ao Povo Romano, saudações.  Nestes tempos apareceu, e ainda encontra-se entre nós, um homem de grande virtude [ou: de grande poder], que se chama Cristo Jesus, o qual é considerado pelas pessoas [ou: pelos não-judeus?] como profeta da verdade, e que seus discípulos [ou: seguidores] chamam de Filho de Deus, pois ele se mostra capaz de ressuscitar os mortos e de curar as doenças.  É um homem de estatura alta, de aspecto digno [ou: venerável], e que inspira a quem o observa tanto o amor quanto o temor.  Seus cabelos são dum tom entre o acobreado e o acastanhado, levemente ondulados até à altura de suas orelhas, mas, a partir daí, mais escuros, encrespados e brilhantes, até à altura dos ombros; tem-nos divididos ao meio, no estilo dos Nazarenos [ou: dos Nazareus].  Seu rosto é bem conformado, e de aspecto sereno; não possui nem rugas e nem cicatrizes na face, que um rubor moderado torna ainda mais bela, sem nenhuma imperfeição nem em seu nariz, nem em sua boca.  Possui barba espessa, da cor dos cabelos, não longa, mas bifurcada na altura do queixo.  Sua expressão é simples e natural, e seus olhos, de tom acinzentado, são brilhantes e claros [ou: marcantes].  Quando [em suas pregações] reprova [ou: condena] [alguma atitude] exibe um comportamento assustador [ou: extremamente severo]; quando aconselha, seus modos são serenos e amáveis, até mesmo quase alegres, mas sem perder sua dignidade, já que ninguém jamais o viu rir, embora o tenham visto chorar muitas vezes.  Seu talhe corporal é de tipo esbelto, com mãos e braços proporcionais; seu modo de falar é grave, reservado e modesto, que se pode comparar de modo bastante favorável ao da maioria das pessoas, em geral.  Passai bem".

Um Públio Lentulus realmente existiu, mas ele não foi contemporâneo de Jesus, e seu histórico, inclusive sua tragédia, foi muito diferente do relatado pelo protagonista de Há Dois Mil Anos. Segue o texto de José Carlos:

Públio Cornélio Lêntulo Sura (114 – 63 aC), com certeza neto do Públio Cornélio Lêntulo (cônsul sufeta em 162 aC), foi qüestor em 81 aC, pretor em 74 aC e cônsul em 71 aC.  Sua carreira iniciou-se com algum atraso, mas isso deveu-se ao fato de estar, entre 86 aC e 82 aC, servindo sob as ordens de Sila, o Ditador, que alias o fez avançar nos cargos públicos, permitindo-lhe obter a qüestura em 81 aC; nessa ocasião, ao que se diz, comportou-se de modo extremamente corrupto, a ponto de ter sido chamado à atenção pelo próprio Sila –  mas isso, aparentemente, não interferiu com seu progresso político posterior.

Apesar de ter atingido o consulado, e de sua carreira parecer estar consolidada, os ventos políticos mudaram, e ele, bem como inúmeros outros, foi enfim expelido do Senado pelos censores de 70 aC (Gneu Cornélio Lêntulo Clodiano e Lúcio Gélio Publícola), alegadamente por conduta imoral.  A partir daí, a fim de recuperar-se, optou por posturas políticas mais “radicais”.  Ligou-se ao grupo de descontentes que girava em torno de Lúcio Sérgio Catilina, que em 63 aC concorreu (sem sucesso) para o consulado.  Mas Sura teve mais sorte, nesse ano foi eleito pretor pela 2a vez, podendo assim reassumir sua cadeira no Senado.

            O grupo de Catilina advogava medidas bastante ousadas, como o cancelamento das dívidas dos pobres e o assentamento dos veteranos em lotes de terras públicas (terras essas que, muitas vezes, haviam sido apropriadas pelos grandes latifundiários).  Era quase certo que as medidas não visavam o bem da população, mas serviriam apenas como trampolim para o poder; qualquer que fosse o caso, a violenta oposição dos “situacionistas”, comandados por Cícero, cônsul em 63 aC, parecia frustrar os planos de Catilina.  Após um discurso bombástico contra Catilina (21 de outubro de 63 aC), no qual o acusou abertamente de conspirar contra a República, Cícero conseguiu que o Senado aprovasse a “lei marcial” (senatus consultum ultimum); diante dos fatos, e percebendo que uma tomada do poder em linhas mais ou menos legais estava agora fora de cogitação, Catilina resolveu sair de Roma (8 de novembro), e reuniu seus partidários (basicamente veteranos sem terras e proletários) em Fésulas, na Etrúria (atual Fiesole).  A situação quedou-se inconclusa em Roma, já que Catilina e seu grupo possuíam muitos contatos entre os senadores, e nem todos estavam certos da existência duma conspiração.  Mas isso mudaria no dia 3 de dezembro, quando documentos comprometedores chegaram às mãos de Cícero.  De fato, os partidários de Catilina em Roma (entre os quais Lêntulo Sura) haviam solicitado, por escrito, apoio dos embaixadores dos gauleses alóbragos, então presentes na cidade, para um eventual levante – e essas solicitações acabaram caindo nas mãos de Cícero, o qual, enfim, pôde mostrá-las a um Senado aterrorizado como provas indiscutíveis de conspiração[4].  Aproveitando-se do calor do momento, e da lei marcial ainda em vigor, Cícero prendeu todos os implicados (entre os quais Sura), e os fez executar (5 de dezembro).  Ao saber do ocorrido, Catilina e seu exército tentaram sair da Itália, rumando para o norte, em direção à Gália.  Não obstante, interceptados por forças senatoriais muito mais numerosas em Pistória (atual Pistóia), comandadas por Gaio Antônio Híbrida, o outro cônsul (tio de Marco Antônio), foram derrotados e quase todos mortos, incluindo-se o próprio Catilina, depois de renhida batalha (janeiro de 62 aC).

            Essa, em resumo, é a famosa conspiração catilinária, por causa da qual Lêntulo Sura perdeu a vida.  Sendo membro do “partido derrotado”, sobre ele caiu toda a espécie de acusação de vida desregrada, viciada e imoral.  Obviamente, ele não era nenhum exemplo de virtude, mas praticamente nenhum político da época (talvez nem o próprio Cícero) era, e seu maior pecado, sem dúvida, foi o de ter sido derrotado.  A questão que aqui se coloca, porém, é: teve Lêntulo Sura descendentes em linha masculina? Porque, segundo “Emanuel”, Públio Lêntulo, o senador contemporâneo de Cristo (e autor do “relatório” a Tibério) era bisneto de Lêntulo Sura.

            Há toda a probabilidade de que Lêntulo Sura não tenha tido herdeiros masculinos que a ele sobrevivessem.  Da vida pessoal de Sura, sabe-se que casou-se com Júlia, a viúva de Marco Antônio Crético (o pai do famoso Marco Antônio, o triúnviro, futuro marido da rainha Cleópatra do Egito).

            Essa Júlia, filha de Lúcio Júlio César (cônsul 90 aC), havia se casado inicialmente com o já citado Marco Antônio Crético, que foi pretor em 74 aC e logo depois foi nomeado propretor com poderes extraordinários para combater os piratas orientais, de Creta e da Cilícia, entre 73 e 71 aC (daí retirou seu cognome “Crético”, ou seja, “Cretense”).  Contudo, não foi bem sucedido, e morreu em campanha, deixando Júlia viúva com três filhos: o famoso Marco Antônio (o filho mais velho, nascido em 82 ou 81 aC), Gaio Antônio e Lúcio Antônio.  A fim de assegurar tanto a sua sobrevivência quanto o futuro político de seus três filhos, Júlia fez o que qualquer viúva romana em sua situação faria: procurou um novo marido, politicamente conectado, que estivesse disposto a se casar com ela – e encontrou essa pessoa em Públio Cornélio Lêntulo Sura.

            Todas as evidências históricas disponíveis são claras: foi Lêntulo Sura quem criou, com Júlia, os três filhos que ela tivera com Marco Antônio Crético.  Isso é confirmado por Cícero, que, vários anos depois, num de seus famosos discursos contra Marco Antônio[5], explicitamente declara, a fim de ter mais uma arma com que acusar seu inimigo, haver sido ele criado pelo conspirador catilinário.  Muito da ira de Marco Antônio contra Cícero veio do fato de este último haver condenado à morte o seu padrasto de modo sumário, sem o benefício dum julgamento.  Mas há mais: por ocasião da morte de Sura, foi Marco Antônio que reclamou o seu corpo e providenciou o seu enterro, como narra Plutarco no início de sua biografia de Antônio:

[I].[01] O avô de Antônio foi o famoso orador, morto por Mário por ser partidário de Sila.  Seu pai foi Antônio, cognominado Crético, de fama moderada e que não se distinguiu sobremaneira na vida pública, mas, no consenso geral, um bom homem, particularmente notável por sua liberalidade, como o exemplo a seguir mostrará.  [02] Ele nunca tinha sido muito rico, e, por essa razão, sempre teve sua tendência às liberalidades combatida por sua esposa; tendo, certo dia, um amigo necessitado lhe solicitado um empréstimo, e não tendo Antônio dinheiro para lhe ceder, mandou um escravo trazer-lhe água numa bacia de prata; lavou o rosto na água, como se fosse a seguir barbear-se; [03] despedindo o escravo, a pretexto de um ou outro afazer, deu a bacia ao amigo, para que a usasse conforme suas necessidades.  E quando, depois, instalou-se um grande rebuliço na casa por causa da bacia desaparecida, e sua esposa estava já prestes a convocar todos os domésticos para uma busca rigorosa à peça faltante, Antônio finalmente confessou o que havia feito, pedindo-lhe perdão.

[II].[01] Sua esposa era Júlia, da família dos Césares, que, por sua prudência e comportamento honrado, não era em absoluto inferior a nenhuma das grandes matronas de seu tempo.  Sob sua guarda, o jovem Antônio recebeu sua educação, tendo ela se casado novamente, após a morte do marido, com Cornélio Lêntulo, aquele que foi executado por Cícero por sua participação na conspiração de Catilina.  [02] A morte do padrasto esteve, provavelmente, na origem do clima de inimizade e desconfiança que sempre imperou no relacionamento entre Cícero e Antônio.  Com efeito, Antônio afirmou, mais tarde, que ao corpo de Lêntulo fora negado o enterro, e que somente por intermédio duma súplica sua dirigida à esposa de Cícero foram os restos de seu padrasto devolvidos a Júlia.  [03] Isso, contudo, parece inverídico, já que a ninguém dentre aqueles executados sob o consulado de Cícero foi negada a sepultura.

(Plutarco de Queronéia, “Vidas Paralelas”, “Vida de Antônio”, capítulos I (inteiro) e II (seções 1 a 3)

            Ora, essa tarefa caberia aos filhos; se o enteado, com menos de 20 anos na ocasião (Antônio nasceu em 82 ou 81 aC, e a execução de Sura deu-se nos finais de 63 aC), a tomou para si, a conclusão lógica é a de que Sura não tinha filhos vivos que pudessem assumir essa sagrada responsabilidade.  Portanto, ou ele não se casou (sendo Júlia sua primeira esposa)[6], ou, se se casou antes, não teve filhos, ou, se os teve, eles não sobreviveram à idade adulta.  Portanto, torna-se bastante difícil sustentar que Públio Lêntulo, o senador romano da época de Cristo (se é que de fato existiu), pudesse vir a ser bisneto de Lêntulo Sura, o conspirador catilinário.



II.2.2) Os Lêntulos da Época Imperial:

            Assim, torna-se problemático ligar “Públio Lêntulo”, o pretenso contemporâneo de Cristo, e autor do famoso “relatório” a Tibério, à progênie de Lêntulo Sura.  Mas afinal haveria alguma referência, entre os Lêntulos da primeira época imperial, a algum “Públio Lêntulo” que pudesse vir a ser o autor da carta? É isso que agora se há de investigar.

            A ligação entre os Lêntulos da época final da República e os Lêntulos da primeira época imperial nem sempre é tarefa fácil, mas esse problema não será abordado aqui.  O pretenso bisneto de Lêntulo Sura, Públio Cornélio Lêntulo, a mais famosa encarnação de “Emanuel”, é apresentado como contemporâneo de Cristo – assim, deve ter nascido por volta do início da era cristã; com certeza (segundo a psicografia “Há Dois Mil Anos”), morreu na erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia no início do império de Tito, ou seja, no ano 79 dC.  Por conseguinte, grosso modo, Lêntulo/“Emanuel” nasceu entre, diga-se, 5 aC e 5 dC, e morreu em 79 dC.  Portanto, a questão que se põe é bem simples: haveria alguma referência a um Públio Cornélio Lêntulo, entre o início da era cristã e o final do período júlio-cláudio, diga-se, entre os anos  1 e 68 dC, que possa vir a ser o famoso Públio Lêntulo contemporâneo de Cristo?

            Os membros da família mais facilmente atestáveis (e identificáveis) foram aqueles que conseguiram obter a máxima honra da carreira pública, o consulado, quer o consulado ordinário, quer o consulado sufeta (substituto).  A partir de 18 aC (ano em que reentraram novamente nas graças políticas, em “grande estilo”), são os seguintes os Lêntulos que foram cônsules:

·        18 aC: Públio Cornélio Lêntulo Marcelino, filho de Públio, e Gneu Cornélio Lêntulo, filho de Lúcio (no ano 18 aC, ambos os cônsules foram Lêntulos – o ano é comumente designado como “ano do consulado dos Lêntulos”)

·        16 aC: Públio Cornélio (Lêntulo) Cipião, filho de Públio, neto de Públio

·        14 aC: Gneu Cornélio Lêntulo, o Áugure, filho de Gneu

·        3 aC: Lúcio Cornélio Lêntulo, filho de Lúcio (neto de Lúcio)

·        1 aC: Cosso Cornélio Lêntulo, filho de Gneu (neto de Gneu), dito Getúlico

·        2 dC: (sufeta): Públio Cornélio Lêntulo Cipião, filho de Gneu, neto de Gneu

·        10 dC (sufeta): Sérvio Cornélio Lêntulo Maluginense, filho de Gneu, neto de Gneu

·        24 dC: Sérvio Cornélio (Lêntulo) Cétego, filho de Sérvio, neto de Gneu

·                   (sufeta) Públio Cornélio Lêntulo Cipião, filho de Públio, neto de Gneu

·        25 dC: Cosso Cornélio Lêntulo Getúlico, filho de Cosso, neto de Gneu

·        26 dC: Gneu Cornélio Lêntulo Getúlico, filho de Cosso, neto de Gneu

·        27 dC: Lúcio Cornélio Lêntulo Cipião, filho de Públio, neto de Gneu

·        51 dC: Sérvio Cornélio (Lêntulo Cétego Cipião) Salvidieno Orfito, filho de Sérvio, neto de Sérvio

·        55 dC (sufeta): Gneu Cornélio Lêntulo Getúlico, filho de Gneu, neto de Cosso

·        56 dC: Públio Cornélio (Lêntulo) Cipião, filho de Lúcio, neto de Públio

·        60 dC: Cosso Cornélio Lêntulo Getúlico, filho de Cosso, neto de Cosso

·        68 dC (sufeta): Públio Cornélio (Lêntulo) Cipião Asiático, filho de Públio, neto de Públio

Públio Cornélio (Lêntulo) Cipião Asiático, nomeado por Galba nos finais de 68 dC, foi o último dos Lêntulos a obter o consulado (embora não tenha sido, em absoluto, o último Lêntulo “de sangue” atestado, como se verá).  Para todos os efeitos práticos, a estirpe dos Lêntulos chegou enfim à extinção, ao menos nas linhas masculinas.

Houve outros "Públio Lentulus" descendentes, mas nenhum deles se encaixa nos relatos da Epístola Lentuli, e nem teve influência forte na forma como descreve Há Dois Mil Anos com base na referida carta apócrifa.

José Carlos também elaborou uma tabela com a lista de governadores da Judeia, que reproduzimos abaixo. Em nenhuma delas, se observa o nome de Públio Lentulus. E mesmo o Wikipedia, portal que costuma ser complacente com Chico Xavier, cita essa lista sem o nome daquele que teria sido a "encarnação" de Emmanuel no tempo de Jesus:



LIVRINHO DIDÁTICO MEDÍOCRE

A verdade em torno da "reveladora" trajetória de Emmanuel como "Públio Lentulus" veio de uma fonte presente na biblioteca pessoal de Chico Xavier, um medíocre livro didático intitulado Crestomatia, de Radagásio Taborda, lançado no mesmo ano da primeira edição de Parnaso de Além-Túmulo, 1932. O subtítulo de Crestomatia é "Excertos Escolhidos em Prosa e Verso". Eis o que o livro de Taborda citou a respeito do "Públio Lentulus" da Epístola Lentuli:

RETRATO DE CRISTO



Públio Lêntulo, nobre romano que governava a Judéia no tempo do Jesus Cristo, em uma carta que dirigiu ao Senado do grande Império e até hoje incontestada, faz da pessoa do Homem Deus a descrição que abaixo reproduzimos:

“No momento em que vos escrevo, existe aqui um homem de singular virtude, que se chama Jesus.

“Os bárbaros o têm em conta de profeta, mas os seus sectários[1] o adoram como filho dos deuses imortais. Ressuscita os mortos e cura os enfermos, falando-lhes e tocando-os.

“É de estatura elevada e bem conformada, de aspecto ingênuo e venerável. Seus cabelos de uma cor indefinível caem-lhe em anéis até abaixo das orelhas e espalham-se pelos ombros[2] com uma graça infinita, trazendo-os ele repartidos, à moda dos Nazarenos.”[3]

“Tem fronte larga e espaçosa, e as faces coloridas de amável rubor. O nariz e a boca, de uma admirável regularidade. A barba, da mesma cor dos cabelos, desce-lhe espessa até os peitos, bipartida, à semelhança de forquilha. Os olhos brilhantes, claros e pequenos.

“Prega com majestade;[4] e suas exortações são cheias de brandura. Fala com muita eloqüência e gravidade. Ninguém jamais o viu rir: muitos porém o têm visto chorar, não poucas vezes. É sobremodo sábio, moderado e modesto, um homem, enfim, que, por suas divinas perfeições, eleva-se acima de todos os filhos dos homens”.


[1] Sectário: aquele que professa as doutrinas de uma seita, ou religião; assecla.

[2] A grafia hombros não se justifica.

[3] Seita religiosa antiga entre os hebreus.

[4] A grafia majestade não é abonada pela etimologia (do acusativo majestatens em latim).

Fora esses dados que Chico Xavier pegou do livro de Taborda, aspectos do suposto Emmanuel eram criados pela imaginação fértil não só do "médium" como da equipe editorial da FEB. O verdadeiro paradeiro do "Públio Lentulus" de Há Dois Mil Anos, que corroborou as fake news medievais da Epístola Lentuli, está na mente de Chico Xavier, com a ajuda de seu protetor Antônio Wantuil de Freitas e outros membros da "Federação Espírita Brasileira".