Agrippino Grieco se arrependeu de ter acreditado em Chico Xavier



O caso Agrippino Grieco deve ser entendido como um episódio no qual, inicialmente, se acreditou nas supostas psicografias de Francisco Cândido Xavier, sem no entanto haver muita convicção. A credulidade era hesitante e motivada por muito deslumbramento.

Tratava-se de um processo de fascinação obsessiva. Chico Xavier, se aproveitando da saudade de vários brasileiros, sobretudo escritores e intelectuais, lançou obras usando o nome de Humberto de Campos para seduzir estes e desnortear outros que adotaram uma postura mais leiga. As supostas psicografias literárias de Chico Xavier tiveram como objetivo promover essa confusão às custas do sensacionalismo mistificador.

Agrippino, que viveu entre 1888 e 1973 e era famoso crítico literário e escritor, inicialmente viu "semelhanças" na obra "psicográfica" sob o nome de Humberto com as obras originais do autor maranhense. Depois que foi informado de aspectos estranhos da obra "mediúnica" pelo jornalista e pesquisador Attila Paes Barreto, que lançava, em 1944, o livro O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, Agrippino depois se arrependeu de tamanha credulidade.

Mostramos então os textos, o primeiro mostrando o deslumbramento de Agrippino manifesto em matéria do Diário da Noite de 21 de setembro de 1939, outra com explicações de Attila no no Diário de Notícias de 20 de julho de 1944 e o comentário arrependido de Agrippino no Diário da Noite de 26 de junho de 1944. Seguem os referidos textos:

DEBATE PÚBLICO SOBRE O ESPIRITISMO

A mensagem de Humberto de Campos apreciada por Agrippino Grieco

O CONHECIDO CRÍTICO LITERÁRIO CONFESSA ATURDIDO COM O FENÔMENO ESPÍRITA

Do Diário da Noite - Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1939.

A mensagem do saudoso escritor Humberto de Campos, psicografada em Belo Horizonte por Chico Xavier, o médium famoso de Pedro Leopoldo, causou sensação.

Agrippino Grieco, o conhecido crítico literário, testemunha do fato, não escondeu o seu espanto diante do que lhe foi dado assistir. Na ocasião, tivemos oportunidade de, ligeiramente, registrar suas impressões transmitidas, então, à imprensa mineira.

Aguardávamos que o literato regressasse a esta capital, após a "tournée" intelectual que realizou por várias cidades do interior, para ouvi-lo sobre o estranho comunicando do além, que testemunhara.

FALA-NOS AGRIPPINO GRIECO

Uma das caraterísticas principais da personalidade do festejado crítico nacional é a coragem intelectual e moral com que se lança à apreciação de tudo. Por isso, ontem, quando o encontramos, ao ser abordado não vacilou assim, se expressando inicialmente:

- Pouco tenho a acrescentar ao que os "Diários Associados" divulgaram, aliás numa reportagem brilhante e variada, sobre o meu encontro póstumo com a literatura de Humberto de Campos.
Estava eu em Belo Horizonte e, por mero acidente, cabei indo assistir a uma sessão espírita. Aí falaram em levar-me à estação de Pedro Leopoldo para ver trabalhar o médium Chico Xavier. Mas, já havendo tantas complicações no plano terrestre, quis furtar-me a outras tantas do plano astral, e lá não fui. Resultado: Chico Xavier resolveu ir a Belo Horizonte.

O CRÍTICO INSPECIONA O "MÉDIUM"

E prossegue:

- Na noite marcada para o nosso encontro, fui em vez de ir ao sítio aprazado, jantar tranquilamente num restaurante onde não costumava fazer refeições e onde não sei como conseguiram descobrir-me. Mas o caso é que me descobriram junto a um frango com ervilhas e me conduziram à agre - fui. Resultado: Chico Xavier reaguardava.
Salão repleto, uma das grandes noites do kardecismo local... Aboletei-me à mesa da diretoria, junto ao Chico, que não me deu, assim inspecionado sumariamente, a impressão de nenhuma inteligência fora do comum. Um mestiço magro, meão de altura, com os cabelos bastante crespos e uma ligeira mancha esbranquiçada num dos olhos.

ESCREVEU COM UMA CELERIDADE ESPANTOSA

A seguir, o sr. Grieco descreve sem esconder a grande impressão que o domina ainda o fenômeno que presenciou:

Nisto, o orientador dos trabalhos pedia-me que rubricasse vinte folhas de papel, destinadas à escrita do médium. Tratava-se de afastar qualquer suspeita de substituição de texto. Rubriquei-as e Xico Xavier, com uma celeridade vertiginosa, deixando correr o lápis com uma agilidade que não teria o mais desenvoltos dos rasistas de cartório, foi enchendo tudo aquilo. À proporção que uma folha se completava, sempre em grafia bem legível, ia eu verificando o que ali fixara o lápis do Chico.
Primeiro, um soneto atribuído a Augusto dos Anjos. A seguir, percebi que estavam em jogo, bem patentes, a linguagem e o meneio de ideias peculiares a Humberto de Campos. Dirão tratar-se de um "à-la maniére de", como os de Paul Reboux e Charles Muller.

FIQUEI ATURDIDO!

Por fim, apreciando o texto das comunicações, diz concluindo:

- Será uma interpretação digna de respeito. Quanto a mim, não podendo aceitar sem maior exame a certeza de um "pastiche", de uma paródia, tive, como crítico literário que há trinta anos estuda a mecânica dos estilos, a sensação instantânea de percorrer um manuscrito inédito retirado do espólio do memorialista glorioso.
Eram em tudo os processos de Humberto de Campos, a sua amenidade, a sua vontade de parecer austero, o seu tom entre ligeiro e conselheiral. Alusões à Grécia e ao Egito, à Acrópole, a Tiresias, ao voo de Ísis muito ao agrado do autor dos "Carvalhos e Roseiras". Uma referência a Sainte-Beuve, crítico predileto de nós ambos, mestre de gosto e clareza que Humberto não se cansava de exaltar em suas palestras, que não me canso de exaltar em minhas palestras. Conjunto bem articulado. Uma crônica, em suma que, dada a ler a qualquer leitor de mediana instrução, lhe arrancaria este comentário: "É Humberto puro!".
Fiquei naturalmente aturdido...
Depois disso já muitos dias decorreram e não sei como elucidar o caso. Fenômeno nervoso? Intervenção extra-humana? Faltam-me estudos especializados para concluir. Além do mais, recebi educação católica e sou um entusiasta dos gênios e heróis que tanto prestígio asseguram à religião que produziu um Santo Antônio de Pádua e um Bossuet. Meu livro "São Francisco de Assis e a Poesia Cristã" aí se encontra a testemunhar quanto venero a ética e a estética da Igreja. Mas, repito-o com a maior lealdade - a mensagem subscrita por Humberto de Campos profundamente me impressionou...

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O sr. Agrippino Grieco e a ‘psicografia’ de Chico Xavier 

Por Attila Paes Barreto - Ineditoriais - Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 20 de julho de 1944.

De um dos capítulos do meu livro “O enigma Chico Xavier posto à clara luz do dia”, ora no prelo: 

Neles (espíritas) não pensei quando me avistei novamente com o sr. Agrippino Grieco, desta vez na sua residência, no Méier, onde o autor de “Evolução da poesia brasileira” e de “Evolução da prosa brasileira”, risonho e simples, me recebeu e me conduziu ao seu gabinete de trabalho.

Abordei imediatamente o assunto mostrando-lhe os originais de meus dois artigos anteriores com o título acima de “O enigma Chico Xavier posto à clara, luz do dia”.

Ele os tomou, sentou-se e passou a lê-los.

Enquanto lia, comentava o que lia e me ia contando que ele Agrippino Grieco, tinha recebido várias obras “psicografadas” por Chico Xavier (obras que naturalmente lhe foram enviadas para que ele as comentasse nos seus artigos de crítica literária).

A princípio, começou a lê-las.

Mas não pôde ir adiante.

Alguma coisa passável, é verdade, mas muita bobagem também.

Numa delas, tinham até situado o Coliseu no tempo de Cristo.

E, no meio de tudo (o sr. Agrippino Grieco não gosta do padres e, pelo que dele ouvi, tem suas dúvidas quanto à sobrevivência) e no meio de tudo, um certo despeito para com a igreja católica, que, afinal, tinha sua tradição e um belo patrimônio moral e artístico.

Ergueu-se, foi até uma pequena mesa próxima e mostrou-me, empilhadas sobre ela, as tais obras. E voltando a sentar-se:

—   Acabei largando isso tudo pra lá.

E retomou a leitura dos originais.

Ao chegar até onde eu digo que livros e artigos que atribuem ora a um certo espírito Emmanuel, ora a Humberto de Campos, espírito, são escritos no estilo todo pessoal do sr. Francisco Cândido Xavier, atirou, na minha direção, seu olhar perscrutador:

—   Os assuntos é que variam, não? — perguntou.

—   Nem sempre. Passa-se, por exemplo, de “Há dois mil anos”, obra que se atribui ao espírito Emmanuel ou Publius Leniulus (ex-senador romano que não sabe latim) para “Boa Nova”, que se atribui a Humberto de Campos, espírito, e vice-versa, sem que se sinta a menor diferença quer quanto ao estilo, quer quanto aos assuntos. Numa e noutra dessas duas obras, o leitor tem diante de si o sr. Francisco Cândido Xavier escrevendo no seu estilo todo pessoal e abordando assuntos de sua preferência toda pessoal.

Ao concluir o sr. Agrippino Grieco a leitura de meus originais, disse-lhe eu:

— Sr. Agrippino, há aí, uma ou outra referência feita ao sr, que eu podia cortar (caso o sr. delas discordasse)…

—   Não! — atalhou ele, prontamente, devolvendo-me os papéis — E pode acrescentar aí que estou de ple/no acordo com o sr.

Antes quisera saber se eu tinha lido seus últimos artigos para “O Jornal”.

E como eu respondesse que não:

—   Oh, precisa ler. Ando de novo a meter o pau nesse povo.

E, juntando o dedo polegar ao “maior de todos”, fez, com a mão, um rápido gesto de quem desfere uma rija lambada.

Eu estava satisfeito.

Quis despedir-me.

O sr. Agrippino, porem, risonho e simples como sempre, me reteve e me conduziu à sua biblioteca, à sua “cidade dos livros”.

Estantes repletas de volumes das mais variadas cores o tamanhos subiam até o teto.

Eu aqui tenho do tudo, — foi logo dizendo. — estética, arte literatura, e tudo acumulado com vagar e muito carinho.

Deixando a biblioteca, atravessamos o Jardim que lhe ladeia a residência e eis que um cãozinho do sua estimação investe brava r furiosamente contra mim.

O sr. Agrippino açode.

Eu intervenho em favor do bichinho.

E o Sr. Agrippino:

—   Não. Ele é um salafrário. Já lá p’ra dentro.

No portão, nos despedimos.

—   Bem sr. Agrippino, boa tarde.

—   Aqui sempre às ordens. Quando quiser, apareça.

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DEPOIMENTO DE AGRIPPINO GRIECO DESILUDIDO COM AS "PSICOGRAFIAS" SOB O NOME DE HUMBERTO DE CAMPOS

Diário da Noite - 26 de junho de 1944.

A Humberto de Campos, entretanto, penso que já bastariam os livros por ele escritos ainda em vida, para que sua glória se tornasse imperecível. Os livros póstumos ou pretensamente póstumos nada lhe acrescentam à glória, sendo mesmo bastante inferiores aos escritos em vida. Interessante: de todos os livros que conheço como sendo psicografados, escritos por intermédio da mão ligeira de um médium, nenhum se equipara aos produzidos quando era o escritor que fazia a pena deslizar sobre o papel. O mesmo sucede com as obras do espírito de Vítor Hugo, "apanhadas" aqui no Brasil e em português. Parecem-me todas de um Vítor Hugo em plena caducidade, com uma catarreira senil das mais alarmantes... Outra coisa: em geral esses livros só se reportam a coisas terrestres: não são livros do além, mas simplesmente do aquém, retrospectivos, autobiográficos, de um mundo que já conhecemos miudamente...