Estranhamente, 'Crônicas de Além-Túmulo' demorou demais para ser lançado


IMAGEM DA ÁUDIO-LEITURA DO LIVRO CRÔNICAS DE ALÉM-TÚMULO, AO LADO DE UMA IMAGEM PIEGAS DE ANJOS ACOLHENDO JESUS MORTO.

Um dado muito estranho a considerar, nos primeiros momentos em que Francisco Cândido Xavier passou a usar o nome de Humberto de Campos para supostas psicografias, se aproveitando da morte do autor maranhense, ocorrida em 1934, é que um dos dois primeiros livros atribuídos ao falecido escritor levou muito tempo para ser produzido.

Dois primeiros livros foram atribuídos ao nome de Humberto de Campos: Palavras do Infinito, de 1936, e Crônicas de Além-Túmulo, de 1937. O conteúdo teve uma demora considerável para ser produzido, pois as duas obras foram "psicografadas" em 1935, o que poderia ter rendido uma publicação quase simultânea ao primeiro livro pós-Parnaso, Cartas de uma Morta, que Chico atribuiu à mãe dele, Maria João de Deus.

Isso traz uma desconfiança muito forte, e fortalece as suspeitas de fraude, aumentando os indícios de revanchismo de Chico Xavier contra Humberto de Campos, por causa de uma resenha de Parnaso de Além-Túmulo que não agradou o "médium". As obras demoraram para serem publicadas, acompanhando a outra estranheza, que é do próprio Parnaso ter também sofrido reparações editoriais sucessivas, contrariando sua natureza de "obra acabada dos benfeitores espirituais".

A medida traz, portanto, uma desconfiança de que os trabalhos sofriam revisões diversas, nas quais as datas atribuídas aos dias de 1935 e 1936 dos capítulos dos dois primeiros livros atribuídos ao "espírito Humberto de Campos" se referem à primeira redação. Antes de cada livro ser publicado, um em 1936 e outro em 1937, Chico Xavier contava com a ajuda, para sua tarefa, não de espíritos do além-túmulo, mas de gente encarnada na Terra, os editores da "Federação Espírita Brasileira".

E por que Palavras do Infinito foi lançado antes de Crônicas de Além-Túmulo, se eles foram produzidos praticamente na mesma época? É porque a temática de Palavras do Infinito, mais religiosa, pôde ser trabalhada com mais facilidade e rapidez, pois Chico Xavier adiantaria mais o trabalho inserindo suas opiniões religiosas na suposta psicografia.

Crônicas de Alem-Túmulo é mais autobiográfico. Não que o livro anterior não o fosse, afinal era a "estreia" de um suposto "Humberto de Campos" narrando sua volta ao mundo espiritual, mas o segundo livro era mais complexo, ainda que fosse uma continuação do anterior.

Isso significa que a revisão se tornou mais apurada, e o pastiche literário, mais verossímil. Em todo caso, os dois livros são os únicos em que a verossimilhança em relação ao estilo de Humberto de Campos se aproximou do estilo original do autor.

Mas essa verossimilhança não significa que o estilo original de Humberto de Campos era imitado com quase perfeição. Até porque os textos eruditos, no caso da suposta psicografia, poderiam ser atribuídos a outros autores, e tanto faz Palavras do Infinito e Crônicas de Além-Túmulo serem atribuídos a Humberto de Campos quanto a Machado de Assis ou Coelho Neto, por exemplo.

Para o leitor médio, isso pouca diferença faz. A linguagem erudita torna-se, aos olhos desse público superficialmente inclinado à leitura, uma coisa "qualquer nota", um amontoado de palavras difíceis que são até identificáveis, mas não garantem uma leitura crítica e analítica de forma a ver diferenças estilísticas aqui e ali.

O que se pode inferir é que os dois primeiros livros foram um esforço da falsificação literária em parecer "igual à original", embora não houvesse a preocupação em imitar completamente o estilo de Humberto, que nas supostas psicografias "aparece" mais "melancólico" que o original. E isso também contradiz a natureza do espírito, por uma simples razão.

A razão é a de que o retorno à orbe espiritual pudesse supor ao espírito de Humberto de Campos uma relativa alegria, que não existiu na obra "mediúnica", não digo uma felicidade por ter morrido cedo, mas a manutenção de um senso de humor própria do escritor, mesmo diante da dor da morte prematura. Não há aquela prosa descontraída de Humberto, por mais que a "psicografia" imitasse a linguagem culta. O que se vê é uma obra sisuda, solene e igrejista.

Desse modo, podemos constatar que a obra "psicográfica" atribuída a Humberto de Campos é falsa. Há vários indícios dessa falsidade. Cabe aos leitores reconhecerem isso e terem a humildade de admitir que o prestígio religioso não pode servir de pretexto para legitimar a mentira e a fraude, por mais que as pessoas adorem uma figura como Chico Xavier.

Desonestidade é desonestidade e supostos médiuns também podem mentir, como havia prevenido a literatura de Allan Kardec, que sempre alertou sobre os inimigos internos do Espiritismo, que usariam os mais belos apelos para manipular as mentes das pessoas, principalmente falando de "amor, Deus, caridade e fraternidade". Muitos acreditaram ser possível a fraternidade da verdade com a mentira e saíram enganados e iludidos com Chico Xavier.