Exclusivo: Chico Xavier foi excomungado pela Igreja Católica por ser desonesto


O ESCRITOR CATÓLICO ALCEU AMOROSO LIMA FOI UM DOS QUE DENUNCIARAM AS IRREGULARIDADES DA OBRA DE CHICO XAVIER.

Há uma visão oficial de que Francisco Cândido Xavier foi excomungado pela Igreja Católica porque ele era "médium" ou porque era um católico heterodoxo que aderiu ao Espiritismo. Embora essa visão seja dominante, sustentando uma tese que poucos têm coragem de contestar, ela é bastante falsa, se observarmos os fatos do passado.

Infelizmente, no Brasil, as narrativas são falsificadas com muita habilidade e um enorme grau de adesões. Sendo ultimamente um paraíso da desinformação e da mentira, onde pessoas estranhamente manifestam seu orgulho de errarem muito na vida e serem ignorantes (embora sob os eufemismos de "uma nova inteligência" e "faculdade das ruas"), no Brasil, as mentiras escancaradas podem, dependendo do caso, serem tidas como "verdades indiscutíveis".

Dependendo do prestígio do mentiroso, ele pode ser considerado "dono da verdade", não com essa expressão, mas dentro das manobras na qual o falacioso fica sempre com a palavra final, com o esforço vão de rebater argumentos com falácias das mais habilidosas. A palavra mente, e o Brasil é um dos países pouco preparados para as armadilhas que se usam por meio da falácia.

Quem conhece Chico Xavier através da narrativa adocicada, feita ao modo de um roteiro de novela, se esquece da trajetória arrivista e escandalosa que ele desenvolveu no passado. Ele cometeu erros graves e que não podem ser subestimados, e seus atos revelam uma desonestidade profunda, porque suas "psicografias" sempre apresentam problemas de aspectos pessoais dos supostos autores mortos, em que pese um grau maior ou menor de semelhanças existentes diante das obras originais.

Se observarmos o que os escritores católicos criticavam de Chico Xavier, veremos que não era o fato dele, em tese, "falar com os mortos", pelo menos o espírito de sua mãe, Maria João de Deus, e o de um padre jesuíta, Manuel da Nóbrega, renomeado Emmanuel. A Igreja Católica passou por uma evolução que a fez tolerante com os fenômenos da paranormalidade.

Nomes como Alceu Amoroso Lima (conhecido também pelo pseudônimo Tristão de Athayde), Gustavo Corção e o espanhol Oscar Quevedo, este um estudioso em paranormalidade - injustiçado por conta de um sotaque que o fazia pronunciar "isso non ecziste" - questionaram Chico Xavier por conta dos indícios de desonestidade existentes na dita "obra mediúnica".

Entre o escândalo de Parnaso de Além-Túmulo, no qual se suspeita de haver tantos poetas de diferentes procedências escolher um caipira de Pedro Leopoldo para "ditar mensagens", e as denúncias do sobrinho do "médium", Amauri Xavier, o que se viu foram católicos desconfiando das "psicografias" de Chico Xavier, apontando fraudes em tais atividades, com argumentação surpreendentemente farta e consistente.

Vale lembrar que, depois das denúncias de Amauri - vítima de uma estranha campanha difamatória promovida por adeptos de Chico Xavier e com uma morte suspeita, por provável envenenamento (ameaça alertada em matéria da revista Manchete, de 09 de agosto de 1958) - , o "médium" deixou Pedro Leopoldo "só com a roupa no corpo" e foi morar em Uberaba, onde eventualmente já visitava para participar de reuniões "espíritas".

ACREDITAR EM REENCARNAÇÃO NÃO É GARANTIA DE HETERODOXIA

O que muitos se confundem é quando o assunto é a suposição de acreditar em reencarnação e vida após a morte como elementos que possam tornar um católico "heterodoxo". No caso de Chico Xavier, isso não procede, porque sua formação católica é tão ultraconservadora quanto foi a dos católicos propriamente ditos Alceu Amoroso Lima, discípulo de Jackson de Figueiredo, fundador do Centro Dom Vital, instituição católica conservadora, e Gustavo Corção.

Lendo com muita atenção as obras de Chico Xavier, as pessoas que imaginam que ele representaria tudo o que há de moderno, futurista e progressista em termos de religiosidade ficam chocadas com seu ultraconservadorismo. As ideias, de maneira surpreendente, se identificam justamente com a Teologia do Sofrimento, corrente que levava o medievalismo católico às últimas consequências.

Ninguém do "movimento espírita" foi tomar satisfações e dizer que acolhe a Teologia do Sofrimento. Dissimulados, os "espíritas" vestem a capa de "progressistas" e tentam se vender como a "última palavra em modernidade religiosa", apostando num cientificismo que nunca defendem mas do qual dizem ser "a sua razão na vida".

Eles não vão dizer, na cara dura, que apoiam a Teologia do Sofrimento. Mas em muitos momentos, Chico Xavier deixa claro que, sob o pretexto da "vida futura" (jargão que corresponde à "vida eterna" dos católicos), a pessoa deve aceitar o sofrimento, as adversidades e as perdas com silêncio e resignação, "sem contestar" nem "dar queixumes".

O depoimento de Chico Xavier, registrado pelo discípulo Carlos Baccelli no livro As Bênçãos de Chico Xavier, são explícitos de sua ligação com a Teologia do Sofrimento:

"Diz o Evangelho que as nossas provas são um ínício, não um fim… Estamos, dentro delas fazendo um vestibular de promoção espiritual ou ficamos sob determinadas dependências…

O nosso espírito tem que estar ajustado às Leis de Deus. Paciência operosa, esperança ativa não são simples palavras… Podemos estar sofrendo, estar aflitos, mas, se estamos desesperados, criando problemas para os outros com os nossos problemas nós não estaremos atravessando os nossos problemas com as nossas almas ligadas às Leis de Deus… Não estamos liberados só porque sofremos; depende de nossa atitude a vitória que desejamos alcançar. Estejamos com o nosso pensamento em Deus, com a nossa alma a doar de si, sem pensar em si… Vamos podar o sofrimento daqueles que Deus nos deu à convivência, para que eles sejam mais felizes; calar as nossas dores, pacificar o nosso próprio espírito quando tudo nos induz ao desespero (…) Existe algo que nós podemos dar sem termos: é a felicidade! Precisamos aprender a sofrer sem mostrar sofrimento, atravessar dificuldade sem colocá-la na pauta dos outros… Estamos matriculados na prova; vamos ver qual será a nota".

Em outras palavras, Chico Xavier expressava o seu mais profundo ultraconservadorismo, a ponto de dizer aos sofredores para fingirem que tudo está bem. Ele chega a dizer para as pessoas "darem felicidade" sem tê-la, sofrendo amarguras sem mostrar o sofrimento para os outros.

Imagine se essa frase fosse aplicada a um holocausto nazista. Os judeus aprisionados, escravizados e condenados à câmara de gás poderiam ser felizes? Pela Teologia do Sofrimento, pasmem, sim. Isso é um desrespeito ao sofrimento humano. E Chico Xavier tornou-se até mais ortodoxo do que os católicos ortodoxos, porque o "moderno médium", ao dizer esse depoimento, demonstrou que continuou sendo, no século XX, um "homem do Século XII".

Portanto, não foi a heterodoxia católica que fez Chico Xavier ser excomungado pelos católicos, até porque, se houve alguma mudança de postura, não foi a do "médium", que, em 1971, demonstrou continuar apoiando a ditadura militar, com declarações explícitas no Pinga Fogo da TV Tupi, e reforçou esse apoio comparecendo a homenagens de políticos e militares ligados a esse triste cenário político.

Evidentemente, os seguidores de Chico Xavier, tomados de paixões obsessivas pelo "médium" e dotados do pensamento desejoso que tenta relativizar fatos com suas convicções - eles precisam manter o "médium" em abordagens bastante agradáveis, ocultando aspectos negativos - , vão tentar negar esse apoio, mas nenhum dublê de humanista sequer se encorajaria a ir longe no apoio aos opressores, comparecendo às homenagens que eles lhe fariam.

O que surpreende é que a mudança veio justamente de Alceu Amoroso Lima, que em 1971 já se manifestava desiludido com a ditadura militar, e decidiu se opor ao regime, se mostrando um conservador moderado que faleceu no ano em que começavam os movimentos pela redemocratização do Brasil, em 1983, iniciativas que não tiveram o apoio do "movimento espírita".

DESONESTIDADES

São muitos exemplos de que as queixas dos católicos eram quanto à desonestidade paranormal de Chico Xavier. As reclamações envolviam acusações de pastiches literários - aos quais Alceu sabia que Chico não iria fazer sozinho, mas com a colaboração de uma grande equipe na "Federação Espírita Brasileira", além de consultores literários de fora da instituição - e provas confirmam disparates terríveis em obras "psicografadas".

Os partidários de Chico Xavier exageram, em leituras apressadas e acríticas, que as obras "mediúnicas" que levavam os nomes dos grandes escritores brasileiros "mantinha o estilo inconfundível" dos mesmos. Isso é um equívoco, porque se toma por base as semelhanças existentes entre as obras "psicografadas" e as obras dos supostos autores correspondentes publicadas em vida, que uma leitura superficial deixaria passar, ainda mais sob a cegueira emotiva da fé religiosa.

No entanto, uma segunda leitura começaria a identificar problemas, alguns deles bastante sutis, mas que são suficientes para derrubar qualquer chance de autenticidade. O estilo atribuído a Humberto de Campos é diferente do original, e nele não se vê sequer o senso de humor habitual do autor maranhense. A "obra espiritual" também mostra uma qualidade de linguagem muito inferior ao que Humberto teria escrito em vida.

Além disso, ninguém tem a coragem de questionar, com base naquele ditado "bom demais para ser verdade", sobre a fraude de Parnaso de Além-Túmulo, além dos católicos e dos críticos literários que viram vários problemas poéticos e trouxeram provas a respeito.

Em vez disso, as pessoas são movidas pela fascinação obsessiva e por sentimentos "mágicos" que os fazem definir os poemas e prosas "espirituais" como "autênticos" ou, de maneira covarde - como no caso do acadêmico Alexandre Caroli Rocha - , deixar questões pendentes sob a desculpa de que "é preciso estudar melhor a questão da mediunidade e da manifestação dos espíritos".

CONCLUSÃO

Diante dessas informações, que podem ser conferidas através de vários depoimentos de Alceu Amoroso Lima e Padre Quevedo e o volume Vozes em Defesa da Fé, da Editora Vozes, com o volume dedicado a analisar a "psicografia" de Chico Xavier, nota-se que a excomungação do "médium" pela Igreja Católica não se deu porque o "médium" teria sido um heterodoxo, mas porque ele foi desonesto em sua atividade "mediúnica".

Além disso, devemos ver que o Catolicismo evoluiu do Século XIX para o Século XX e a vertente medieval da Igreja Católica foi justamente reaparecer na religião aqui conhecida como Espiritismo. Apesar da fachada "moderna", a suposta forma brasileira da Doutrina Espírita é mais retrógrada que o Catolicismo propriamente dito, até pela evocação de Chico Xavier a um espírito de um padre jesuíta, Manuel da Nóbrega, o Emmanuel.

Por isso, não há como atribuir heterodoxia como o fator da excomungação. Ela se deu porque a desonestidade de Chico Xavier nas atividades "psicográficas" se mostra evidente e, diante do escândalo provocado por Amauri Xavier, seu tio teve que ir embora correndo de sua própria terra natal, onde passou a ser visto como um terrível charlatão.

Por mais conservadores que tivessem sido os católicos que rejeitaram Chico Xavier, eles não o fizeram por intolerância religiosa nem para defender sua ortodoxia - já que o "médium", como católico, era tão ou mais ortodoxo em ideias do que os católicos ortodoxos propriamente ditos - , mas sim porque a promessa de trazer "algo diferente" (a paranormalidade) demonstrou resultados medíocres e de credibilidade bastante duvidosa.