Tese de que intelectuais repudiaram obra de Chico Xavier por rancor é absurda

Tomados de fascinação obsessiva e dominados por paixões religiosas, os partidários de Francisco Cândido Xavier apostam na tese de que a reação de intelectuais contra a "psicografia" do suposto médium seria uma manifestação de ódio e rancor contra o "trabalho do bem" e a "missão dos ensinamentos do Cristo". Essa tese inspirou até peça de teatro sobre o "médium"!
Com base nessa tese, que aposta num maniqueísmo ridículo, os simpatizantes e seguidores, alguns não-sectários, de Chico Xavier, o colocam em posição de vítima, o que faz sentido numa retórica em que prevalecem os apelos religiosos, mas não possuem sustentação lógica nem fundamento teórico algum quando se trata de analisar a realidade.
Temos que parar para pensar e, neste caso, compararmos as posturas dos que defendem Chico Xavier em suas "psicografias literárias" e os críticos literários que se indignam com a mediocridade das supostas obras espirituais. Os argumentos lógicos sempre sinalizam em favor dos críticos literários, porque sua indignação é justa e bastante fundamentada.
Afinal, eles leem muito e possuem exata consciência das diferenças de estilos literários e de estilos pessoais de cada autor. São pessoas muito cultas, e sabem discernir um Olavo Bilac original do suposto espírito. Não há como colocar os escritores como "vilões", só pela postura indignada dos mesmos. Eles os fazem com argumentação bastante farta e consistente.
Se tivéssemos que dar razão a Chico Xavier, que é defendido por pessoas que leem obras literárias às pressas e os livros do "médium" da mesma forma, teríamos que aceitar falhas lógicas que criam sérios problemas de compreensão.
Afinal, na tese que favorece Chico Xavier, teríamos que deixar pendentes problemas sérios como a queda de qualidade das "obras literárias espirituais" e outros problemas que envolvem indícios de fraudes, desonestidades, atuação de outras pessoas encarnadas (como os diretores da FEB), entre diversas complicações. A fé religiosa criaria uma prevalência do contrassenso e daria validade a um contexto de muita confusão e contradições.
A tese que prejudica Chico Xavier em favor dos críticos literários, todavia, é provida de muita lógica e bom senso. Não se pode atribuir à indignação dos literatos uma manifestação de ódio, porque o ódio sempre traz alguma confusão mental, por mais que se usem argumentos lógicos. Não é este o caso e os argumentos são tomados de muita coerência e surpreendente veracidade, o que, em sociedades menos ingênuas, teriam desqualificado, em definitivo, um ídolo religioso como Chico Xavier.
Com toda certeza, seríamos idiotas se déssemos razão a Chico Xavier, se sua suposta psicografia apresenta irregularidades tão sérias que desmerecem por completo qualquer possibilidade de autenticidade. Também não pode deixar a coisa "em aberto" e deixar suas "psicografias" circularem livremente sob o pretexto da "liberdade da fé" porque isso é, na verdade, uma ofensa e uma galhofa com a memória dos mortos.
Seguem as argumentações que se tornaram famosas, de parte de diversos críticos literários e até escritores, dadas quando Chico Xavier causou muita confusão nos meios literários por conta de obras como Parnaso de Além-Túmulo e os livros atribuídos a Humberto de Campos:
"É um pastiche grosseiro. Sobram lugares comuns e pululam incorreções que Humberto não cometeria. Aliás, tentando impedir tais mistificações, apresentei à Sociedade Brasileira de Escritores um projeto de lei, proibindo a publicação dessa espécie de obras, sem a autorização expressa do autor, dada quando em vida. Trata-se de uma exploração da obra de um escritor. Livros como esses viriam comprometer o valor do conjunto, pois não há exemplo de uma obra desse gênero à altura do escritor durante a vida.
Os médiuns escolhem estilos inconfundíveis e facilmente imitáveis como os de Humberto, Augusto dos Anjos etc. Aliás, já surpreendi uma conversa na qual dois deles discutiam as desencarnações mais proveitosas, e, entre outros, incluíam Marques Rebelo, Catulo da Paixão Cearense, Olegário Mariano, Álvaro Moreyra e este seu criado... Não discuto da doutrina espírita, mas todas as sessões a que assisti, aqui no Rio, como em Minas, S. Paulo e na Bahia, me pareceram mistificações".
MALBA TAHAN (pseudônimo de úlio César de Melo e Souza), Revista da Semana, 08.07.1944.
"Esse homem (Olavo Bilac) que eu seu estágio de imperfeição nunca assinou um verso imperfeito, depois de morto teria ditado ao Sr. Xavier sonetos interinos abaixo de medíocres, cheios de versos mal medidos, mal rimados e, sobretudo, numa língua que Bilac absolutamente não escrevia!"
JOÃO DORNAS FILHO, escritor e jornalista, em entrevista à Folha da Manhã, 19.04.1945.
"Levo anos e anos pesquisando. Catei inúmeros defeitos de várias espécies, essenciais ou de forma. A conclusão de minha perícia é totalmente negativa. Aqueles escritos ‘mediúnicos’, por quem quer que conheça alguma coisa de poesia ou literatura, não podem ser tidos como de autoria dos grandes poetas e escritores a quem são atribuídos. Autores de linguagem impecável em vida aparecem ‘assinando’ coisas imperfeitíssimas como linguagem e técnica poética. Os poetas ‘desencarnados’ se repetem e se parodiam, a todo o momento, nos trabalhos que lhes atribuem ‘mediunicamente’. Por exemplo, Antero de Quental plagiando (!) em ideia e até em detalhes, literalmente um soneto de Augusto dos Anjos. Tudo isso está exaustivamente documentado, através de um sem número de citações e confrontos.
As pessoas que se impressionam pela ‘semelhança’ dos escritos ‘mediúnicos’ de Chico Xavier com os deixados pelos seus indigitados autores, ou são inteiramente leigas sem maior discernimento em matéria de literatura, ou deixaram-se levar ligeiramente por uma primeira impressão. Se examinarem corretamente a literatura psicográfica verão que tal semelhança é de pastiche, mais precisamente, de caricatura. O pensamento das psicografias (de Chico Xavier) é absolutamente indigno do pensamento dos autores a quem são imputados, e a forma em geral e a técnica poética, ainda piores. E há inúmeros casos de parodia e repetição de temas, frases inteiras, versos, além dos plágios.
Por exemplo, Bilac aparece com sonetos verdadeiramente reles, e incorretos, pensamento primário, péssima linguagem, péssima técnica poética, que qualquer ‘Caixa de Malho’ recusaria. De Augusto dos Anjos, os poemas ‘mediúnicos’ repetem assuntos, pensamentos, versos e frases. Etc".
OSÓRIO BORBA, jornalista e escritor, para Diário de Minas, 10.08.1958.
"Uma coisa é clara: Quando o ‘espírito’ sobe, sua qualidade desce. É inconcebível que grandes criadores de nossa língua, depois da morte fiquem por aí gargarejando o tatibitate espírita".
LÉO GILSON RIBEIRO, escritor, depois um dos fundadores da Caros Amigos, juntamente com jornalistas da revista Realidade, que publicou este depoimento em novembro de 1971.
"Eu insisto que a escrita automática é o produto do inconsciente do senhor (Chico Xavier), não de mediunidade. Na França foi publicada uma coleção de livros com o título genérico ‘A maneira de...’ em que algumas pessoas fazem a imitação de vários autores. Se o senhor ler, não distinguirá ainda que tenha profundo conhecimento do estilo do autor imitado. E trata-se de uma imitação consciente. O senhor imita autores dirigidos pelo inconsciente (?). Em nada supera as faculdades naturais.
Além de jornalismo, eu também tenho a carreira de Filosofia. E não foram psicografados conteúdos profundos e complexos como a obra (à maneira de) Platão, a de Aristóteles, a de Santo Agostinho, a de Santo Tomás de Aquino, a de Descartes, a de Kant, e a de outros filósofos e pensadores. Não será porque o senhor, Chico Xavier, não tem esses conhecimentos?".
JOÃO DE SCANTIMBURGO, jornalista e crítico literário, Diário de São Paulo, 08.08.1971.