A preocupante ingenuidade dos "espíritas de esquerda"


FRANKLIN FÉLIX, TEÓRICO DO "MOVIMENTO ESPÍRITA".

É muito preocupante a atitude de membros do "movimento espírita" que dizem adotar uma posição de esquerda. Embora haja quem agisse por má-fé, a maioria atua com boa-fé, com uma certa ingenuidade que os faz desconhecerem que o Espiritismo é deturpado no Brasil.

Há poucas exceções. Recentemente, Sérgio Aleixo e Dora Incontri estão entre os pouquíssimos com alguma visão realista sobre Espiritismo. Eles se situam numa postura progressista, e procuram se aproximar do nível de compreensão que o hoje injustiçado Afonso Angeli Torteroli, um dos enérgicos críticos da deturpação espírita da qual poucos admitem a participação, na época, do médico Adolfo Bezerra de Menezes.

Nessa época, Torteroli integrava os "científicos", grupo que pregava o respeito à Razão e à Lógica das ideias originais de Allan Kardec, que se opunham aos "místicos" - representados por Bezerra de Menezes - , que acolhiam "concessões" igrejistas trazidas por Jean-Baptiste Roustaing.

A desinformação e a ingenuidade reinantes entre os chamados "espíritas", comprometidos ou não com a deturpação, causa uma infinidade de distorções que fazem com que a única coisa que se faz é a blindagem da figura suspeita de Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier e cuja trajetória é marcada por vergonhosas irregularidades, como se ele tivesse sido uma espécie de "Sérgio Moro do Cristianismo".

É aí que os chamados "espíritas de esquerda" sucumbem à complacência fácil a um mito. E eles ainda contam com o respaldo de certos fanáticos por Chico Xavier que também se dizem "de esquerda" ou "de centro", mas agem com profunda má-fé, espalhando falácias como meio de enganar as esquerdas e deixá-las distraídas com falsas polêmicas de caráter religioso.

Uma delas é a risível tese de que a suposta colônia espiritual de Nosso Lar seria uma "comunidade socialista". Além de isso não fazer o menor sentido, já que a obra literária que tem o nome da colônia é um receituário moralista conservador, a solidariedade de grupos não significa necessariamente que expressem um ideal socialista. Até porque as elites ultraconservadoras também são solidárias entre si, o que não indica socialismo nem comunismo algum.

Quem espalha esses factoides e "planta" virtudes extraordinárias em Chico Xavier são internautas que adotam um discurso pseudo-intelectual, na pretensão de serem "donos da verdade", embora sem admitir isso no discurso. São pessoas dotadas do argumento falacioso da pós-verdade, com argumentação falha, mas mesmo assim persistente, não pelo esforço de buscar um sentido lógico às suas teses, mas pela obsessão de impor o seu ponto de vista.

Já as esquerdas "espíritas" que agem em boa-fé veem Chico Xavier através de uma visão mitificadora produzida pelo poder midiático durante a ditadura militar. Imaginam que o "médium" simboliza um suposto "Espiritismo de contos de fadas" que, em tese, representaria a fusão do Espiritismo original francês com a Teologia da Libertação católica, algo que não encontra prática na realidade.

CHICO XAVIER ESTARIA NO LADO DIREITISTA E APOIARIA ATÉ JAIR BOLSONARO

O grande problema que transforma o Espiritismo feito no Brasil numa doutrina viciada que age como um cachorro correndo atrás do seu rabo é o conflito que a doutrina brasileira apresenta entre embalagem e conteúdo.

Sua embalagem apresenta uma doutrina moderna, racional, progressista, futurista e altruísta. Daí a falsa impressão de que a "catolicização" do Espiritismo é "inocente e saudável" e que representaria a fusão do Espiritismo de Kardec com a Teologia da Libertação católica, o que é um contrassenso que, no entanto, consegue enganar os leigos que começam a conhecer a doutrina brasileira.

Isso porque essa embalagem é apenas uma fachada, embora ela seja alvo de defesas desesperadas dos "espíritas", que mesmo com uma argumentação confusa tentam fazer prevalecer esse jogo de aparências que mantém essa imagem enganosa de um "espiritismo" que não condiz à realidade.

O conteúdo se revela extremamente oposto. Ele é deturpado, distanciado do Espiritismo original, acolhendo a deturpação de Roustaing (devidamente adaptada ao contexto brasileiro pela obra de Chico Xavier) e dotado de um moralismo ultraconservador, mas, na melhor das hipóteses, avança apenas para os padrões ideológicos da centro-direita.

A suposta ideia de "caridade", tão alardeada pelo "espiritismo à brasileira", embora se venda como um pretenso consenso até entre seus críticos, não mostra provas de sua eficácia e, além disso, lembra muito mais o Assistencialismo de valor duvidoso presente em quadros do gênero no Caldeirão do Huck (cujo apresentador, Luciano Huck, é admirador assumido de Chico Xavier).

Essa "caridade", que tanto blinda o "médium", consiste tão somente em ações paliativas, feitas sem ameaçar os privilégios dos mais ricos e com o objetivo de promover mais o suposto benfeitor - no caso Chico Xavier - , criando uma ideia viciada em que o sentido da "caridade" está no protagonismo do seu suposto realizador, e não no atendimento aos necessitados, que se reduzem a meros coadjuvantes ou até figurantes desse espetáculo "filantrópico".

Que a centro-direita pode difundir esses valores, isso faz sentido. Mas o problema é que as esquerdas caem nessa armadilha e, no "movimento espírita", temos um teórico como Franklin Félix que adota uma visão bastante confusa e cheia de contradições.

No que se refere ao "espiritismo de direita", rótulo criado para definir os membros do "movimento espírita" que em 2016 passaram a defender as passeatas do "Fora Dilma", a Operação Lava Jato e os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, muita gente se esquece que a quase totalidade do "movimento espírita" brasileiro se consolidou em valores ultraconservadores inspirados no Catolicismo jesuíta medieval.

Hoje o "movimento espírita" parece viver um período em que perde lideranças e, por outro lado, vê também reputações sendo abaladas seriamente. Dois "médiuns" que se destacavam, Divaldo Franco e João Teixeira de Faria, o João de Deus, se desgastaram, o primeiro com comentários direitistas, o segundo, acusado de crimes diversos.

Franklin Félix até admite que setores do "movimento espírita" estão apoiando o governo de Jair Bolsonaro. Mas Félix, que admira Chico Xavier, se esquece que este defendeu a ditadura militar no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971, a ponto de julgar "necessários" a tortura e o AI-5, através dos seguintes termos:

"Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5 em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, seqüestros de embaixadores e mortes de inocentes".

Isso é verídico e é muito chocante para quem acredita que Chico Xavier era progressista. Infelizmente, o pensamento desejoso prevalece e Franklin tenta isolar Chico Xavier do direitismo do "movimento espírita", como se o "médium" pudesse ser acolhido pelas forças progressistas, o que é um outro contrassenso.

Chico Xavier teria apoiado, ainda que com reservas, o golpe político-jurídico dos últimos anos. Em 1990, o "médium" apoiou Fernando Collor em detrimento de Lula e, no final da vida, sinalizava apoio ao PSDB. Seu medo de ver Lula presidindo o Brasil era notório e explícito, daí a lamentável postura com que petistas hoje sinalizam respaldo ingênuo ao "médium" que nunca apoiaria a causa destes.

Chico Xavier teria apoiado Jair Bolsonaro, uma postura que causa revolta em muitos seguidores. Mas se nomes como Djavan e Toquinho manifestaram apoio a Bolsonaro, por que o "médium", bem mais explicitamente conservador e moralista, não iria apoiar? O direitismo de Chico Xavier não é uma ideia gerada por opiniões, mas por fatos. Está nas raízes familiares e na formação social do "médium". Ainda explicaremos isso em outra oportunidade.

O que podemos afirmar é que Chico Xavier sempre foi um sujeito conservador, e não é a imagem glamourizada de sua pessoa, montada pela Rede Globo durante a ditadura militar, que fará com que esse conservadorismo seja relativizado, minimizado ou desmentido.

As circunstâncias provam que a imagem conservadora e até reacionária do "médium" se apoiam em fatos e argumentos lógicos contundentes, enquando o mito "progressista" de Chico Xavier é apenas fragilmente sustentado por ideias soltas e sem nexo e por apelos meramente emocionais, aos quais são desmontados por argumentos lógicos.