Até que ponto escândalos como a Vaza Jato podem chegar a Chico Xavier?

Estão em andamento as revelações de um vastíssimo conteúdo de escândalos, expressos em documentos, áudios, mensagens digitais etc, trazidos pelo jornal The Intercept, através da equipe do jornalista estadunidense Glenn Greenwald.
Com parcerias que envolvem a Band News FM, a Folha de São Paulo e a revista Veja, a série investigativa, já apelidada de "Escândalo da Vaza Jato", já mostrou conversas suspeitas envolvendo, principalmente, o ex-juiz e hoje ministro da Justiça Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, ou este e seus colegas procuradores.
Entre várias descobertas, destaca-se a relação de promiscuidade e tendenciosismo político entre os envolvidos, algo que vai contra a Constituição e os princípios do Direito. Elas nos fazem refletir sobre como Sérgio Moro contrariou suas promessas, antes dadas com firmeza irredutível, de recusar cargos políticos, ou de como Deltan Dallagnol tinha ambições financeiras ao planejar sua Fundação Lava Jato e sua "indústria" de palestras "contra a corrupção".
Ultimamente, escândalos diversos desafiam a opinião pública, acostumada com a divinização dos ídolos em questão. Desde o fim de 2018, denúncias envolvendo o "médium" João de Deus, o ídolo estadunidense Michael Jackson (dadas postumamente) e o craque de futebol Neymar mostram o quanto o Olimpo construído pelos pobres mortais nos últimos 40 anos está ardendo em chamas, por estar fundamentado em bases sociais confusas e contraditórias.
Todos os casos envolvem valores confusos que mostram o conflito entre a imperfeição humana e a imagem divinizada, a natureza dos erros humanos e a forma como toleramos erros graves porque medimos o erro humano não pela natureza de seus efeitos, mas pelo prestígio de quem errou.
Muitos se revoltam quando corruptos saem da cadeia. Muitos querem o fechamento do Congresso Nacional e a extinção do Legislativo por causa da corrupção de alguns envolvidos. E a obra de Francisco Cândido Xavier? Não seria ela dotada de corrupção? Alguém acredita mesmo que Parnaso de Além-Túmulo é uma obra autenticamente espiritual?
Apresentaremos argumentos a respeito desse estranho livro em outra oportunidade, mas adiantamos que é bom demais para ser verdade que grandes nomes da literatura brasileira e portuguesa, de diferentes procedências, se reunissem em torno de um matuto de uma comunidade rural em Minas Gerais para divulgar "mensagens cristãs". Parando para pensar, isso é completamente impossível e até como hipótese cogitável indica baixa possibilidade desse livro ter alguma veracidade.
Além do mais, sendo Parnaso de Além-Túmulo o primeiro livro de Chico Xavier, a pretensão de apresentar uma "plêiade de grandes escritores" manifesta, com toda certeza, um sensacionalismo extremamente suspeito. Mas como a sociedade brasileira era desinformada, e a "Federação Espírita Brasileira" estabeleceu, tão cedo, um lobby fortíssimo com o mercado literário, tudo isso se deixou passar e, de uma obra fake, se fez do seu autor um "semi-deus".
COMPLEXO DE VIRA-LATA TEM SEU "CRISTO" EM CHICO XAVIER
A idolatria a Chico Xavier demonstra o quanto o povo brasileiro é dissimulado. Esconde seus vícios, suas omissões, suas debilidades, e se contradiz a si mesmo. O fanatismo ao "médium" nunca é admitido no discurso, mas é só haver uma contestação ao mito dele que seus seguidores e simpatizantes - uns não se declarando "espíritas" - se explodem em ódio ou paranoia, mesmo quando os chiquistas, sectários ou não, adotem uma roupagem pseudo-intelectual para seus argumentos.
É um grande complexo de vira-lata, essa ideologia que marca a mediocridade humana, permitindo a resignação com os defeitos humanos, com os retrocessos sociais, com as limitações cotidianas. No fundo, é uma ideologia que permite arrivismos, covardias e ilegalidades, e faz com que as pessoas ficassem confusas no seu pragmatismo de achar que é possível viver com esses "pequenos" desastres cotidianos, sob a desculpa de um "futuro melhor" que achamos que virá diante de nossos braços cruzados.
Chico Xavier é o pretenso Cristo desse Brasil medíocre que assiste, passivo, às catástrofes causadas por Jair Bolsonaro - que, no fundo, não é uma pessoa muito diferente de Chico Xavier, embora os seus respectivos mitos lhes separassem, mas essencialmente suas pessoas reais são quase que totalmente semelhantes, tipo o que muitos entendem como "almas gêmeas" - , e se encaixa perfeitamente nesse contexto bastante confuso de uma sociedade que aceita retrocessos e erros graves.
Esquecemos que o mito de Chico Xavier foi uma narrativa fabricada pela ditadura militar para abafar a revolta popular e obrigá-la a aceitar os retrocessos humanos. Chico Xavier era o "AI-5 do bem", poderia ter feito ritos de extrema-unção nos porões do DOI-CODI, a serviço do Coronel Brilhante Ustra, que deveria adorar as ideias do "médium" sobre o sofrimento humano.
Chico Xavier era reacionário convicto, fato que se comprova por suas origens e contextos sociais de sua vida. A imagem falsamente progressista que muitos insistem em acreditar nele não se sustenta com argumentos lógicos. Essa pretensa imagem pode ser mantida por argumentação persistente, que tenta a qualquer preço rebater teses lógicas, com muita falácia e até xingações, mas é só apresentar mais argumentos lógicos que essa imagem "progressista" de Chico Xavier se desfaz como pó.
O "médium" também foi arrivista. Sua "literatura mediúnica" apresenta irregularidades que só a cegueira emocional de seus admiradores permite legitimar e deixar livremente publicado. Em países menos imperfeitos, Chico Xavier teria sido condenado por falsidade ideológica, até porque ele usava outros autores para "corroborar" com as opiniões pessoais do "médium", de um conservadorismo extremo com apetite tipicamente bolsonarista.
INVESTIGAR MITOS RELIGIOSOS NÃO É INTOLERÂNCIA
Devemos sempre chamar a atenção que qualquer ação de repúdio e crítica à deturpação do Espiritismo não significa atos de intolerância. Atos de intolerância consistem em atos de vandalismo, ódios, ofensas e outras barbaridades. Mas a contestação enérgica à deturpação espírita não é um ato de intolerância religiosa, mas intolerância, sim, à falsidade que se esconde sob a máscara da fé e da caridade.
E isto é o mais deplorável e, isso sim, mostra a avacalhação que certos movimentos religiosos fazem com o sentido original do termo "religião", que remetia à necessidade do homem buscar sua aproximação ao suposto criador, Deus, algo que ainda é muito discutível, mas dentro de limites éticos e culturais, é até bastante saudável.
Surgido nos moldes do Catolicismo medieval, o que vemos é que o Espiritismo no Brasil está se aproximando do obscurantismo das seitas evangélicas "neopentecostais". Na verdade, desde Chico Xavier é que a Doutrina Espírita foi desfigurada e destituída do progressismo kardeciano, recuperando aspectos esquecidos do Catolicismo jesuíta do período colonial, e isso vale um ideário moralista extremamente conservador.
Por isso é que o "movimento espírita" brasileiro apoiou o golpe militar de 1964 e a ditadura em todo seu período. Os "espíritas" nunca se empenharam de verdade pela redemocratização do país. A ditadura preferiu os "espíritas" aos católicos porque estes atuaram, em maioria, contra a repressão militar e os "espíritas" adotavam um aparato "sóbrio" que permitia forjar ecumenismo e até secularidade (não demonstrar relações de vínculo entre Estado e Religião).
Os "espíritas" apoiaram a Operação Lava Jato e tentavam fazer o povo entender que as pessoas de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, entre outros, eram "enviados de benfeitores espirituais", promovidos, segundo a ótica "espírita", a "humildades cidadãos de bem" que estariam "combatendo a corrupção e a impunidade que afligiram seriamente o povo brasileiro".
Essa atribuição divinizada à Lava Jato foi dada até mesmo pelo discípulo de Chico Xavier, Divaldo Franco, contrariando a tese de que os "médiuns" seriam minimamente intuitivos. Muito provavelmente Chico Xavier também concordaria com a mesma visão, ele que estaria apoiando todo o processo político pós-2016, do impeachment de Dilma Rousseff à vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
Isso contradiz o caráter supostamente intuitivo porque, diante das denúncias que, com provas robustas, envolvem Moro e Dallagnol, atuando muitas vezes contra os princípios do Direito, forjando provas contra supostos acusados, criando uma relação juridicamente promíscua entre juiz e procuradores, era para os "médiuns", por mais imperfeitos que possam parecer aos olhos de muitos, terem um mínimo de intuição para estranhar todo o estardalhaço de pretensos heróis.
Ultimamente, o jornalismo investigativo ainda tem medo de investigar Chico Xavier, cuja trajetória envolve uma série de incidentes terríveis por parte de sua pessoa, das quais até uma suspeita de "queima de arquivo" está incluída, a que atingiu o sobrinho Amauri Xavier.
Essa "queima de arquivo" ocorreu em 1958, 14 anos após a vergonhosa impunidade que beneficiou Chico Xavier, em que pese a contundência do livro de Attila Paes Barreto, o hoje esquecido O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia, lançado em 1944.
Vestígios de jornalismo investigativo envolvendo Chico Xavier são observados até 1971, quando o jornalista José Hamilton Ribeiro - famoso por ser repórter do programa Globo Rural, por ironia da mesma Rede Globo que blinda o "médium" - , em reportagem para a revista Realidade, fez um trote de um "espírito inexistente" que fez o "médium" forjar uma pretensa psicografia, desmontando a farsa.
A ditadura militar e sua censura impediram que os trabalhos fossem adiante e Chico Xavier tornou-se ídolo religioso sob o mesmo método em que o inglês Malcolm Muggeridge (reacionário e acusado de colaborar com a CIA) fez para promover Madre Teresa de Calcutá, acusada de corrupção e maus tratos. Não houve um contraponto à abordagem "divinizada" de Chico Xavier e isso criou dificuldades para desconstruir seu mito, até agora respaldado pela cegueira emotiva de muitos.
Daí que o trabalho do Intercept poderia encorajar futuros jornalistas investigativos que devem se desapegar de paixões religiosas e investigar os lados sombrios de Chico Xavier, convidando órgãos de imprensa, sobretudo progressistas mas também parte da mídia hegemônica, para também investigar. Afinal, a figura sinistra de Xavier apresenta problemas de extrema gravidade, que deveriam ser expostos ao público, mesmo que seja sob o preço de derrubar um ídolo religioso.
Afinal, é como ensinou, com muita sabedoria, Allan Kardec, que recomendava que era melhor que um homem caísse do que caísse uma multidão. E a trajetória de Chico Xavier, a exemplo de Sérgio Moro em relação ao Direito, sempre foi baseada no repúdio à Lógica e o Bom Senso, colocando o "médium" em posição antagônica ao professor lionês de quem muitos acreditam ser discípulo. Cabe desmontar tudo isso, com o coração frio e a firmeza de buscar a Verdade e não o apego à Fé Cega.