Tese da "data-limite" de Chico Xavier é rejeitada por Allan Kardec, que define práticas assim como "levianas"

Hoje é o dia em que a suposta profecia de Francisco Cândido Xavier encontra seu prazo final. Consta-se, através de testemunhos de Geraldo Lemos Neto, que conversou com Chico Xavier em 1986, que o "médium" lhe havia revelado um sonho que teve em 1969, logo após a conhecida viagem de astronautas estadunidenses à Lua, em 20 de julho de 1969.
Geraldo Lemos Neto e a jornalista "espírita" Marlene Nobre - esposa do político Freitas Nobre -
Vamos dar um síntese de como foi o sonho e como foi a "profecia", dividindo-os em poucos parágrafos:
No sonho, Chico Xavier estava presente em uma reunião com Emmanuel, Jesus Cristo e outros indivíduos que, segundo o "médium", eram autoridades de vários planetas do Sistema Solar. Eles estavam preocupados com a Guerra Fria, que poderia causar a Terceira Guerra Mundial, e, por isso, resolveram dar uma chance à humanidade.
A humanidade teria um prazo de 50 anos, a se expirar em 1969, para promover a paz mundial. Caso contrário, haverá eventos catastróficos promovidos tanto por ações terroristas ou belicistas quanto pelos cataclismos da Natureza, que tornariam o Hemisfério Norte uma região "inabitável", provocando migrações em massa para o Hemisfério Sul, do qual o Brasil se destacaria pela sua supremacia religiosa com base na ideia do "coração do mundo" e da "pátria do Evangelho".
A previsão é controversa, em diversos aspectos:
1) Há erros graves no âmbito da Geologia, da Sociologia e da Antropologia, com base numa abordagem binária das posições dos mapas cartográficos. A saber os principais deles:
a) O Chile seria poupado diante de catástrofes vulcânicas e sísmicas. Visão absurda, pois, se áreas do Hemisfério Norte como os Estados da Califórnia e do Havaí (EUA), o Japão, a Islândia e a Itália desapareceriam destruídas por terremotos, maremotos e lavas e pedras vulcânicas, o Chile teria o mesmo destino, por fazer parte do mesmo Círculo de Fogo do Pacífico.
O Chile tem quase uma centena de vulcões ativos em seu pequeno território e eventualmente ocorrem explosões vulcânicas e terremotos, às vezes com tsunamis. Um episódio famoso, de consequências trágicas fortes, foi o terremoto e maremoto ocorridos em maio de 1960.
b) Os eslavos migrariam para o Nordeste brasileiro. Visão absurda no sentido de que as diferenças climáticas iriam causar a morte dos eslavos devido ao choque térmico. Além disso, o próprio Chico Xavier se esqueceu que, na época de seu nascimento, 1910, os povos eslavos já estavam migrando para o Brasil, e se dirigiam à Região Sul e em áreas frias do Estado de São Paulo.
c) Os estadunidenses migrariam para a Região Amazônica. Isso não faz sentido, porque em perspectivas sociológicas e antropológicas, os estadunidenses migrariam, em maioria, para o Sudeste brasileiro, principalmente o eixo Rio-São Paulo, mas em parte iriam para Minas Gerais, Belo Horizonte e os Estados do Sul.
É plausível que moradores da Flórida migrassem para o Nordeste brasileiro, como Bahia e Pernambuco, mas a Amazônia não é uma opção de moradia para os norte-americanos, sejam os estadunidenses ou, por associação, os canadenses. Estes, por sua vez, migrariam para o Sul do Brasil.
2) A tese não é compartilhada por todos os seguidores de Chico Xavier. Há correntes que se revolta com o teor catastrofista que acreditam ser impróprio do "médium". A principal corrente que contesta a "data-limite" é defendida pelo suposto médium Ariston Teles, baiano radicado em Brasília, que diz receber o espírito de Chico Xavier e, para compensar a rejeição ao absurdo da "profecia", defende uma outra tese absurda: a de que o "médium" é Allan Kardec reencarnado, o que é ilógico.
3) A narrativa catastrofista é feita ao longo da "profecia", até que, no final, Chico Xavier revela uma mensagem que atribui a Emmanuel dizendo que essas "previsões" não irão acontecer e que elas foram ditas para forçar as pessoas a refletir sobre a "necessidade de promover a fraternidade". Em outras palavras, a "profecia" foi uma grande pegadinha, um trote para assustar as pessoas, e isso tornou-se uma brincadeira de muito mau gosto.
A REPROVAÇÃO DE ALLAN KARDEC
Em sua obra, Kardec havia dito que prever datas determinadas para acontecimentos futuros é indício de mistificação e obra de espíritos de natureza moral inferior e reconhecidamente zombeteiros. Em muitos momentos, o pedagogo francês parece alertar para a "profecia da data-limite", um perigoso repertório de mistificações travestida de pretensa ciência que Chico Xavier havia dito, também, em algumas de suas obras e nos depoimentos do programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971.
Uma amostra desse questionamento severo, que desagrada os "espíritas" brasileiros que, desesperadamente, tentam relativizar e interpretar, de maneira leviana e tendenciosa, o texto kardeciano para que ele não se dirija a seus ídolos, os chamados "médiuns", está em O Livro dos Médiuns, no Capítulo 26 - Perguntas Que Se Podem Fazer. O assunto também aparece em O Livro dos Espíritos, nos itens 868 e 869, "Conhecimento do Futuro".
O conteúdo é contundente e a atribuição de espíritos levianos que se divertem com a credulidade, o terror e a alegria que causam pode ser direcionado para Chico Xavier, sobretudo com mensagens atribuídas a Emmanuel. A "profecia da data-limite" é um desses trotes nos quais se nota a "diversão pelo terror" através da narrativa catastrofista. O item 13 do referido capítulo de O Livro dos Médiuns é bastante explícito nessa atribuição negativa ao "médium" e seu mentor espiritual.
Diante disso, o próprio produtor do documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, Juliano Pozati, ao lançar o livro homônimo co-escrito com Rebeca Casagrande, eliminou a narrativa catastrofista e só falou dos aspectos "fraternos" da suposta profecia.
Devemos lembrar também que, contrariando Allan Kardec, as ideias de Chico Xavier pregavam a negligenciação do presente, por enfatizarem demais a "vida futura" através de conceitos importados da Teologia do Sofrimento, corrente radical do Catolicismo medieval, que pregam a aceitação da desgraça humana na vida presente. Esta corrente defendia que a pessoa teria que aguentar desgraças sob a desculpa de que, no futuro, obterá bênçãos divinas e encurtará o caminho para se chegar a Deus.
Vamos então às questões presentes em O Livro dos Médiuns:
289 – PERGUNTAS SOBRE O FUTURO
7. Os Espíritos podem nos desvendar o futuro?
— Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente. É esse um problema sobre o qual sempre insistis para obter resposta precisa. Trata-se de um grave erro, porque a manifestação dos Espíritos não é meio de adivinhação. Se insistirdes numa resposta ela vos será dada por um Espírito leviano. Temos dito isso a todo instante.
8. À vezes, entretanto, alguns acontecimentos futuros não são anunciados espontaneamente pelos Espíritos de maneira verídica?
— Pode acontecer que o Espírito preveja coisas que considera conveniente dar a conhecer, ou que tenha por missão revelar-vos. Mas é nesses casos que mais devemos temer os Espíritos mistificadores, que se divertem fazendo predições. É somente pelo conjunto das circunstâncias que podemos julgar o grau de confiança que elas merecem.
9. De que espécie de predições devemos mais desconfiar?
— De todas as que não forem de utilidade geral. As predições pessoais podem, quase sempre, ser consideradas falsas.
10. Com que fim os Espíritos anunciam espontaneamente acontecimentos que não se realizam?
— Na maioria das vezes para se divertirem com a credulidade, com o terror ou a alegria que causam, pois riem do desapontamento. Entretanto, essas predições mentirosas têm às vezes um fim mais sério: o de experimentar as pessoas a que são dirigidas, verificando a maneira por que as recebe, a natureza dos sentimentos bons ou maus que despertam.
Observação de Kardec: Tal seria, por exemplo, o anúncio do que pode excitar a cupidez ou a ambição, com a morte de uma pessoa, a perspectiva de uma herança etc.
11.Por que os Espíritos sérios, quando fazem pressentir um acontecimento, geralmente não marcam a data? Por que não podem ou não querem?
— Por uma e outra razão. Eles podem, em certos casos, fazer pressentir um acontecimento: é então um aviso que vos dão. Quanto a precisar a época, muitas vezes não o devem fazer; muitas vezes também não o podem, porque eles mesmos não sabem. O Espírito pode prever um fato, mas o momento preciso pode depender de acontecimentos que ainda não se deram e só Deus o conhece. Os Espíritos levianos, que não têm escrúpulos de vos enganar, indicam os dias e as horas sem se importarem com a verdade. É por isso que toda predição circunstanciada deve ser considerada suspeita.
Ainda uma vez nossa missão é a de vos fazer progredir e vos ajudamos quanto podemos. Os que pedem aos Espíritos superiores a sabedoria jamais serão enganados. Mas não penseis que perdemos o nosso tempo com as vossas futilidades e a vos ler a sorte. Deixamos isso a cargo dos Espíritos levianos, que se divertem com isso como moleques travessos.
A Providência pôs limites às revelações que podem ser feitas aos homens. Os Espíritos sérios guardam silêncio sobre tudo o que lhes é proibido revelar. Quem insiste para obter uma resposta se expõe às mistificações dos Espíritos inferiores, sempre prontos a aproveitar as oportunidades de explorar a vossa credulidade.
Observação de Kardec: Os Espíritos vêem ou pressentem por indução os acontecimentos futuros. Vêem que se realizam num tempo que não medem como nós. Para precisar a época da ocorrência teriam de identificar-se com a nossa maneira de calcular a duração, o que nem sempre julgam necessários. Essa, quase sempre, a causa dos erros aparentes.
12. Não existem homens dotados de faculdade especial para ver o futuro?
— Sim, aqueles cuja alma se desprende da matéria. E nesse caso é o Espírito que vê. Quando convém, Deus lhes permite revelar algumas coisas para o bem. Mas ainda existem mais impostores e charlatões.
Essa faculdade se tornará mais comum no futuro.
13. Que pensar dos Espíritos que se divertem predizendo a alguém a sua morte, com dia e hora fixados?
— São brincalhões de mau gosto, de excessivo mau gosto, que só querem divertir-se com o susto que pregam. Nunca se deve preocupar com isso.
Agora, o que diz o Capítulo 10 Lei de Liberdade, no item VII - Conhecimento do Futuro:
VII – Conhecimento do Futuro
868. O futuro pode ser revelado ao homem?
— Em princípio o futuro lhe é oculto e só em casos raros e excepcionais Deus lhe permite a sua revelação.
869. Com que fim o futuro é oculto ao homem?
— Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente e não agiria com a mesma liberdade de agora, pois seria dominado pelo pensamento de que, se alguma coisa deve acontecer, não adianta ocupar-se dela, ou então procuraria impedi-la. Deus não quis que assim fosse, afim de que cada um pudesse concorrer para a realização das coisas, mesmo daquelas a que desejaria opor-se. Assim é que tu mesmo, sem o saber, quase sempre preparas os acontecimentos que sobrevirão no curso da tua vida.