Chico Xavier plagiou texto apócrifo atribuído erroneamente a Sócrates

Sabemos que Francisco Cândido Xavier não "psicografou" filósofos porque o trabalho dele era "com o Evangelho", em que pese ele ter usado os nomes de escritores laicos, brasileiros e portugueses, para tamanha empreitada.
No entanto, a pergunta de João de Scantimburgo feita no programa Pinga Fogo da TV Tupi em 1971 acabou, aparentemente, criando uma "dívida" para Chico Xavier, que, dez anos depois, "psicografou" um texto sobre um suposto episódio com o filósofo Sócrates.
Ele se baseou num texto apócrifo que apareceu duas vezes. Um foi em 1914, através do livro A Course in Citizenship, de Ella Lyman Cabot e depois pela publicação The Children's Story Garden, de 1920, publicado pelo Committee of the Philadelphia Yearly Meeting of Friends, organizado por Anna Petit Broomell e outras autoras.
Embora o livro de Ella Cabot fosse o mais antigo, é provável que a fonte usada por Chico Xavier tenha partido de uma tradução do livro de 1920, possivelmente intitulada O Jardim da História das Crianças, por ter sido ele o mais popular no contexto brasileiro. A obra traduzida não tem informação divulgada na Internet, mas é possível que ela tenha sido publicada.
Nesses dois livros há um conto, "As Três Peneiras", que no entanto parece um diálogo fictício em que Sócrates, o famoso filósofo grego, é um personagem. A linguagem em nada lembra a dos antigos livros de Platão - o principal escritor que registrou testemunhos da vida de Sócrates - e mais parece um texto moralista contemporâneo.
Chama a atenção o fato de que o plágio feito por Chico Xavier data de 1981, com o "médium" tendo 71 anos de idade, muito idoso para tamanhas traquinagens que quase lhe puseram na prisão. E ainda mais usando o nome de "Humberto de Campos", mascarado pelo pseudônimo de Irmão X.
OS TRÊS CRIVOS
De Francisco Cândido Xavier - atribuído a Irmão X (suposto Humberto de Campos)
Livro Aulas da Vida - 1981 - atribuído a diversos autores espirituais
... Certa feita, um homem esbaforido achegou-se a Sócrates e sussurrou-lhe aos ouvidos:
- Escuta, na condição de teu amigo, tenho alguma coisa muito grave para dizer-te em particular...
- Espera!... ajuntou o sábio prudente. Já passaste o que me vais dizer pelos três crivos?
- Três crivos? – perguntou o visitante, espantado.
- Sim, meu caro amigo, três crivos. Observemos se tua confidência passou por eles. O primeiro é o crivo da verdade.
Guardas absoluta certeza, quanto aquilo que pretendes comunicar?
- Bem ponderou o interlocutor, - assegurar mesmo, não posso... Mas ouvi dizer e ... então...
- Exato. Decerto peneiraste o assunto pelo segundo crivo, o da bondade. Ainda que não seja real o que julga saber, será pelo menos bom o que queres me contar?
Hesitando, o homem replicou:
- Isso não... Muito pelo contrário...
- Ah! – tornou o sábio – então recorramos ao terceiro crivo, o da utilidade, e notemos o proveito do que tanto te aflige.
- Útil?!... – aduziu o visitante ainda agitado. – Útil não é...
- Bem – rematou o filósofo num sorriso, - se o que tens a confiar não é Verdadeiro, nem Bom e nem Útil, esqueçamos o problema e não te preocupes com ele, já que nada valem casos sem edificação para nós...
Aí está, meu amigo, a lição de Sócrates, em questões de maledicência...
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AS TRÊS PENEIRAS
Texto apócrifo - Provavelmente traduzido de A Children's Story Garden, do Committee of the Philadelphia Yearly Meeting of Friends, lançado originalmente em 1920 e possivelmente extraído de uma suposta tradução brasileira, ainda não revelada na Internet.
Augustus procurou Sócrates e disse-lhe:
- Sócrates, preciso contar-lhe sobre alguém! Você não imagina o que me contaram a respeito de...
Nem chegou a terminar a frase, quando Sócrates ergueu os olhos do livro que lia e perguntou:
- Espere um pouco, Augustus. O que vai me contar já passou pelo crivo das três peneiras?
- Peneiras? Que peneiras?
- Sim. A primeira, Augustus, é a da verdade. Você tem certeza de que o que vai me contar é absolutamente verdadeiro?
- Não. Como posso saber? O que sei foi o que me contaram!
- Então suas palavras já vazaram a primeira peneira. Vamos então para a segunda peneira: a bondade. O que vai me contar, gostaria que os outros também dissessem a seu respeito?
- Não, Sócrates! Absolutamente, não!
- Então suas palavras vazaram também a segunda peneira. Vamos agora para a terceira peneira: a necessidade. Você acha mesmo necessário contar-me esse fato, ou mesmo passá-lo adiante? Resolve alguma coisa? Ajuda alguém? Melhora alguma coisa?
- Não, Sócrates... Passando pelo crivo das três peneiras, compreendi que nada me resta do que iria contar.
E Sócrates conclui:
- Se passar pelas peneiras, conte! Tanto eu, quanto você e os outros iremos nos beneficiar. Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma fofoca a menos para envenenar o ambiente e fomentar a discórdia entre irmãos. Devemos ser a estação de qualquer comentário infeliz! Da próxima vez que ouvir algo, antes de ceder ao impulso de passá-lo adiante, submeta-o ao crivo das três peneiras, porque:
Pessoas sábias falam sobre ideias.
Pessoas comuns falam sobre coisas.
Pessoas medíocres falam sobre pessoas.