Como inferimos que Chico Xavier teria apoiado Jair Bolsonaro?

Muitos brasileiros que apreciam Francisco Cândido Xavier se sentiram chocados quando se falou que o "médium" mineiro teria apoiado a campanha presidencial de Jair Bolsonaro. Reagem, baseados na imagem idealizada que possuem sobre Chico Xavier, que isso seria "um absurdo" e que o "médium" teria apoiado Fernando Haddad, pelo fato do candidato de centro-esquerda ser um professor.

Quanto engano têm esses chiquistas de mentalidade aparentemente progressista, os quais sonham ainda que seu ídolo religioso, em espírito, ainda vai sobrevoar a sede da Polícia Federal em Curitiba, obsediar o carcereiro, libertar Lula e colocá-lo para ser presidente do Brasil, sob as condições que se permitirem.

O pensamento desejoso, combustível para os devaneios da fé, não pode autorizar que se brigue com os fatos, por mais que se protejam ideias que soam muito agradáveis. É extremamente fácil se apegar a fantasias, porque elas fazem as pessoas dormirem tranquilas, trazem esperanças e as fazem muito alegres e felizes.

Mas a realidade é dura e podemos comparar as duas visões sobre Chico Xavier, as que admitem seu perfil rigorosamente conservador e as que tentam "esquerdizá-lo", e verificamos que esta última, apesar de alegações profundamente positivas (como a associação que se atribui oficialmente ao "médium" quanto à ideia de "caridade"), carece de todo tipo de fundamentação.

Vamos primeiro analisar como se dá a imagem supostamente esquerdista atribuída a Chico Xavier:

1) Ela se dá apoiada a uma simbologia meramente emotiva: associações sentimentalistas a ideias como "paz", "fraternidade", "progresso humano", "bondade", "perdão", "caridade", "humildade" etc.;

2) As comparações desta simbologia emotiva do mito de Chico Xavier com as qualidades do centro-esquerdismo (Lula, PT etc) se baseiam em ideias soltas e muito vagas, sempre com apelo emocional, com tentativas de argumentação que não fogem do idealismo fantasioso e passional;

3) Não há argumentos objetivos que sustentem tal tese, que é manifesta ora de forma ingênua e sonhadora, ora de maneira nervosa, como se fosse brigar com os fatos;

4) Não existe uma qualidade informativa que justifique tais abordagens.

Esta é uma postura meramente especulativa. São ideias soltas, fantasiosas, sem fundamentação, sem base lógica, motivada tão somente pelos devaneios da fé, que lançam mão do pensamento desejoso, da pós-verdade e até mesmo de mensagens fake, como as atribuídas a Humberto de Campos, sobre o mito do "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho".

Se observarmos bem, os que tentam "esquerdizar" Chico Xavier são os mais nervosos e fantasiosos do que aqueles que admitem que o "médium" sempre foi um direitista. Estes são mais tranquilos, pois não têm que brigar com a realidade, os fatos estão ao lado deles. Afinal, nem todos podem ser progressistas.

Chico Xavier teve muitos motivos, estes bastante objetivos, para ser considerado uma pessoa de direita, a saber:

1) Ele nasceu numa localidade bastante atrasada e rural, Pedro Leopoldo, então distrito de Santa Luzia e hoje município, na Grande Belo Horizonte, que se pautava na mentalidade ainda medieval, em 1910, do interior de Minas Gerais;

2) Sua família tinha formação social bastante conservadora, rural, católica ortodoxa e saudosa do Segundo Império, e os valores conservadores eram compartilhados por Chico Xavier, que nunca foi um transgressor dessas raízes sociais;

O comportamento de Chico Xavier, as ideias por ele transmitidas - mesmo aquelas creditadas supostamente aos mortos - e sua mais do que explícita defesa da ditadura militar (ele compareceu até a homenagens, o que coloca o "médium" não ao lado dos oprimidos, mas dos opressores) revelam o quanto ele foi um dos mais ardentes direitistas de toda a História do Brasil.

O blog Intruso Espírita enumerou provas de como Chico Xavier, através de suas ideias, teria apoiado Jair Bolsonaro, acompanhando uma tendência que em 2018 envolveu atletas olímpicos, astros de TV e ídolos musicais, todos associados a um cenário simbólico de alegria e esperança social. E Chico Xavier era mais explícito no seu direitismo, não seria ele que deveria chocar os brasileiros pelo reacionarismo ideológico, havendo gente mais estranha para tal postura, como Djavan.

Vejamos a seleção de ideias do Intruso Espírita, e, em seguida, mais comentários:

1) APOLOGIA AO SOFRIMENTO HUMANO:

— Diz o Evangelho que as nossas provas são um índício, não um fim… Estamos, dentro delas fazendo um vestibular de promoção espiritual ou ficamos sob determinadas dependências…

O nosso espírito tem que estar ajustado às Leis de Deus. Paciência operosa, esperança ativa não são simples palavras… Podemos estar sofrendo, estar aflitos, mas, se estamos desesperados, criando problemas para os outros com os nossos problemas nós não estaremos atravessando os nossos problemas com as nossas almas ligadas às Leis de Deus… Não estamos liberados só porque sofremos; depende de nossa atitude a vitória que desejamos alcançar. Estejamos com o nosso pensamento em Deus, com a nossa alma a doar de si, sem pensar em si… Vamos podar o sofrimento daqueles que Deus nos deu à convivência, para que eles sejam mais felizes; calar as nossas dores, pacificar o nosso próprio espírito quando tudo nos induz ao desespero (…) Existe algo que nós podemos dar sem termos: é a felicidade! Precisamos aprender a sofrer sem mostrar sofrimento, atravessar dificuldade sem colocá-la na pauta dos outros… Estamos matriculados na prova; vamos ver qual será a nota".

(As Bênçãos de Chico Xavier, de Carlos A. Baccelli (Ed. Didier), 1998)

2) MACHISMO:

"A ideologia feminista dos tempos modernos, porém, com as diversas bandeiras políticas e sociais, pode ser um veneno para a mulher desavisada dos seus grandes deveres espirituais na face da Terra. Se existe um feminismo legítimo, esse deve ser o da reeducação da mulher para o lar, nunca para uma ação contraproducente fora dele. É que os problemas femininos não poderão ser solucionados pelos códigos do homem, mas somente à luz generosa e divina do Evangelho". 

(Francisco Cândido Xavier, atribuído a Emmanuel, O CONSOLADOR (FEB), 1941)

3) RACISMO:

"Outra missão era também reunir os sedentos de justiça divina (degredados), os simples de coração (índios), os humildes e aflitos (escravos), para a formação da alma coletiva de um povo bem-aventurado por sua mansidão e fraternidade".

"Os donatários dos imensos latifúndios de Santa Cruz fizeram-se à vela, escravizando os negros indefesos da Luanda, da Guiné e de Angola. Infelizmente, os pobres cativos, miseráveis e desditosos, chegam à pátria do vosso Evangelho como se fossem animais bravios e selvagens, sem coração e sem consciência".

(Francisco Cândido Xavier e Antônio Wantuil de Freitas (não creditado), mas atribuído a Humberto de Campos, BRASIL, CORAÇÃO DO MUNDO, PÁTRIA DO EVANGELHO (FEB), 1938)

4) HOMOFOBIA:

A homossexualidade, hoje chamada também transexualidade, definindo-se, no conjunto de suas caraterísticas, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos de base materialista mas é perfeitamente compreensível à luz da reencarnação.

Embora a sociedade terrena seja constituída, em sua maioria, por criaturas heterossexuais, o mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em experiências dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos aos heterossexuais.

A vida espiritual pura e simples rege-se por afinidades eletivas essenciais; contudo, através de milênios e milênios, o Espírito passa por fileira imensa de reencarnações, ora em posição de feminilidade, ora em condições de masculinidade, o que sedimenta o fenômeno da bissexualidade, mais ou menos pronunciado, em quase todas as criaturas.

O homem que abusou das faculdades genésicas, arruinando a existência de outras pessoas com a destruição de uniões construtivas e lares diversos, é em muitos casos induzido a buscar nova posição, no renascimento físico, em corpo morfologicamente feminino, aprendendo, em regime de prisão, a reajustar os próprios sentimentos, ocorrendo o mesmo com a mulher que tenha agido de igual modo.

(Francisco Cândido Xavier, atribuído a Emmanuel, VIDA E SEXO (FEB), 1970)

5) DEFESA DA DITADURA MILITAR E AVERSÃO AOS MOVIMENTOS DE ESQUERDA:

"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz  hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades. Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5, em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, seqüestros de embaixadores e mortes de inocentes".

(ENTREVISTA DO PROGRAMA PINGA-FOGO, APRESENTADO POR ALMYR GUIMARÃES, TV TUPI DE SÃO PAULO, 28 DE JULHO DE 1971)

6) REFORMA TRABALHISTA (NO QUE SE DIZ ÀS LIMITAÇÕES IMPOSTAS AOS TRABALHADORES, COMO O TRABALHO EXAUSTIVO E A SUBMISSÃO AOS INTERESSES DOS PATRÕES):

"RECOMEÇO

Quando o teu próprio trabalho te pareça impossível ...
Quando a dificuldade e sofrimento te surjam a cada passo ...
Quando te sintas à porta de extremo cansaço ...
Quando a crítica de vários amigos te incitem ao abatimento e à solidão ...
Quando adversários de teus ideais e tarefas te apontem por vítima do azar ...
Quando as sombras em torno se te afigurem mais densas ...
Quando companheiros de ontem te acreditem incapaz a fim de assumir compromissos novos ...
Quando te inclines à tristeza e à solidão ...
Levanta-te, trabalha e segue adiante.

Quando tudo reponte no caminho das horas, não te desanimes, porque terás chegado ao dia de mais servir e recomeçar.".

(Francisco Cândido Xavier, atribuído a autores diversos. DOUTRINA ESCOLA (IDE), 1996)

E SE CHICO XAVIER "DESEMBARCAR" DO BOLSONARISMO?

Devemos lembrar que Chico Xavier teve uma origem e ascensão semelhantes à de Jair Bolsonaro. Ambos se projetaram causando muita confusão, sendo Chico provocado revolta e controvérsias através de supostas psicografias literárias que, sabemos, são uma farsa. Bolsonaro se projetou com um plano de atentado terrorista que seria feito em protesto contra baixos salários dos militares de baixa patente.

Chico e Jair apresentam semelhanças surpreendentes. A conduta desajeitada, a aparência repulsiva, as vozes desagradáveis e a aparência tosca, tudo isso envolve tanto o "médium" quanto o "capitão", que no fundo são dois lados de uma mesma moeda.

Fala-se que Jair Bolsonaro é um cultuador da violência, mas ele se comporta muitas vezes como um moleque bonachão, agressivo, sim, mas muito tolo. E fala-se que Chico Xavier não cultua a violência, pelo menos aquela dos atentados que muito ocorrem nos EUA, com psicopatas se vingando atirando em qualquer pessoa. Correto, mas por outro lado Chico Xavier defendeu o AI-5 e a repressão militar como "necessários" para combater os opositores da ditadura militar.

Diante de tantas pautas comuns, essa observação faz com que o mesmo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mais cruel dos torturadores, unisse Jair Bolsonaro e Chico Xavier. Isso porque Ustra é considerado herói por Jair Bolsonaro, mas também estava inserido no contexto de Chico Xavier, que definiu que os militares, através da ditadura, estavam construindo um "reino de amor" para o Brasil no futuro.

Sobre a crise do governo Bolsonaro, ela foi agravada por incidentes como ofender a Ordem dos Advogados do Brasil e seu presidente, Felipe Santa Cruz, o consentimento com os incêndios na Amazônia e os ataques do chamado "mito" às autoridades francesas, xingando o presidente Emmanuel Macron e faltando a um encontro com o ministro das Relações Exteriores só para ir a um barbeiro.

Como ficaria a imagem de Chico Xavier, associada ao bolsonarismo com provas consistentes, na hipótese de desgaste do presidente? Chico Xavier teria "desembarcado" do apoio ao governo? Acreditamos que ele teria resistido a esse desembarque, até o limite do incêndio florestal. Mas, um aviso para as esquerdas: quem imagina que Chico Xavier gritaria "Lula Livre" pode desistir. O "médium" sempre repudiou firmemente o petista.

No caso de Chico Xavier deixar de apoiar Bolsonaro, a tendência é que ele migrasse para a centro-direita, sobretudo ao Renova BR, cujo um dos idealizadores, Luciano Huck, atua num paradigma "filantrópico" semelhante ao do "médium". Huck é admirador fervoroso de Chico Xavier, viu o filme biográfico do "médium" e escolheu Pedro Leopoldo para uma das edições do seu quadro Lata Velha, o Caldeirão do Huck.

As ideias de Chico Xavier são confirmadamente ultraconservadoras. Não cabe relativização, porque o conservadorismo é explícito em tais ideias que não cabe criar interpretações invertidas. Podemos considerar que ele apoiaria o governo Bolsonaro até o fim, desde que não houvesse atitudes extremas, e acreditamos que seu desapontamento se daria com a questão da Amazônia.

Todavia, Chico Xavier, que sempre foi um anti-esquerdista ferrenho, se identificaria mais com o Renova BR, por se identificar com o projeto assistencialista dentro dos limites conservadores. Chico Xavier poderia até fazer concessões para um conservadorismo mais moderado, mas daí a muitos considerarem o "médium" uma pessoa progressista, aí é mergulhar em tolas fantasias.