Comparação de obra original e "mediúnica" atribuída a Olavo Bilac derruba metodologia de Caroli Rocha



Um intelectual não se reconhece por um discurso autorreverente e pela presunção de que possui "a visão mais objetiva da sociedade". Também não é aquele sujeito que reivindica a posse do saber, mas de forma dissimulada, se autoproclamando "imperfeito" e "passível de erros", mas, mesmo assim, cobrando o reconhecimento pleno de suas teses.

Em sua vida, Jesus de Nazaré reclamava dos escribas fariseus, que representavam o estereótipo dos falsos sábios, motivados por um complexo de superioridade que, dissimulados por uma falsa humildade - os escribas rezavam na frente das sinagogas se julgando "servos" de sua divindade - , se consideravam "predestinados" e "bem aventurados" das graças do Alto.

É preocupante que os escribas modernos, que correspondem aos "espíritas" - enquanto os "vendilhões do tempo" hoje correspondem aos evangélicos "neopentecostais" - , tentem se vangloriar em se considerarem "os maiores discípulos de Jesus Cristo". "Médiuns" e palestrantes chegam a comparar, com disfarçada arrogância, suas viagens imponentes de avião para a Europa, hospedados em hotéis confortáveis, à peregrinação que Jesus fazia a pé, de casa em casa, sob um Sol incandescente.

A superioridade intelectual com que se manifestam os acadêmicos Alexandre Caroli Rocha e Marcelo Caixeta, que arrogantemente defendem métodos por demais complicados para analisar a obra "psicográfica" de Francisco Cândido Xavier, os fazem cair em erros, não naqueles erros "naturais" e "esperados" que eles julgam admitir, mas aqueles que põem seus prestígios em xeque-mate.

Um deles é a suposição de que a análise das "psicografias literárias" tem que ser feita mediante critérios "matemáticos". Segundo os dois, isso inclui a análise da distribuição silábica, como meio de "verificação" da autenticidade mediúnica que os acadêmicos atribuem à obra de Chico Xavier creditada a autores espirituais.

Só que adotamos a análise silábica da nossa forma. Como método, usamos o simples ato de recitar poemas, caprichando na entonação e na pronúncia silábica, tomando como exemplo um poeta complexo como o parnasiano Olavo Bilac, membro-fundador da mesma Academia Brasileira de Letras que teve Humberto de Campos como um de seus membros, pouco depois.

Olavo Bilac é conhecido pelo rigor com que produzia seus versos e pela sofisticação temática de seus poemas. Parnasiano, ele teria também inspirado o Simbolismo, movimento poético marcado pela musicalidade dos seus versos.

Usamos, a título de comparação, dois poemas originais de Olavo Bilac e dois poemas supostamente espirituais. No primeiro caso, reproduzimos "Velhas Árvores", de Poesias - A Via Láctea, de 1888, e "Língua Portuguesa", de Tarde, livro póstumo de 1919. No segundo caso, dois poemas de Parnaso de Além-Túmulo, "Jesus ou Barrabás?" e "Brasil".

Duas coisas se consideram nos poemas "mediúnicos". Um é a temática que remete mais ao pensamento pessoal de Chico Xavier e não de Olavo Bilac (seria cretino supor que as pessoas, quando morrem, passam a ter a visão pessoal de Chico Xavier, coisa que só quem é fanático e alucinado acredita), incluindo o ufanismo religioso e os temas igrejistas.

Outro é que a recitação oral simplesmente desfaz por completo a "veracidade" dos poemas supostamente espirituais. Usamos o critério sugerido por Caroli e Caixeta, a da análise silábica, através de um recurso mais acessível, o recital oral, e vimos que nos poemas "espirituais" desaparece a métrica caraterística de Bilac, assim como o requinte temático próprio do autor parnasiano. A leitura dos poemas "espirituais" soa pesada, cansativa e sem musicalidade.

Antes de irmos aos textos, vamos a duas análises, uma de João Dornas Filho, famosa na sua avaliação das "psicografias" atribuídas a Olavo Bilac, e uma de Osório Borba, também questionando não estas, mas também todas as "psicografias literárias" trazidas por Chico Xavier.

Também reproduzimos um outro poema, intitulado apenas "Soneto" - e que começa pelo verso "O homem da Terra, mísero e precito", até parece visualmente verossímil, o que engana muitos que pensam que o estilo é "igual ao original". Mas é só recitar o poema que a métrica se torna problemática, além do fato do tema ser igrejeiro e mais apropriado para o pensamento pessoal de Chico Xavier.

Comparando os poemas em questão, concluiremos que os pareceres de Alexandre Caroli e Marcelo Caixeta são completamente equivocados e o critério "silábico" que eles propõem só contraria suas teses de que a rejeição de veracidade das "psicografias" é uma tese "escorregadia". A lógica confirma que as conclusões são sempre desfavoráveis a Chico Xavier e invalidam de vez as "psicografias".

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"Esse homem (Olavo Bilac) que eu seu estágio de imperfeição nunca assinou um verso imperfeito, depois de morto teria ditado ao Sr. Xavier sonetos interinos abaixo de medíocres, cheios de versos mal medidos, mal rimados e, sobretudo, numa língua que Bilac absolutamente não escrevia!"

JOÃO DORNAS FILHO, escritor e jornalista, em entrevista à Folha da Manhã, 19.04.1945.

"Levo anos e anos pesquisando. Catei inúmeros defeitos de várias espécies, essenciais ou de forma. A conclusão de minha perícia é totalmente negativa. Aqueles escritos ‘mediúnicos’, por quem quer que conheça alguma coisa de poesia ou literatura, não podem ser tidos como de autoria dos grandes poetas e escritores a quem são atribuídos. Autores de linguagem impecável em vida aparecem ‘assinando’ coisas imperfeitíssimas como linguagem e técnica poética. Os poetas ‘desencarnados’ se repetem e se parodiam, a todo o momento, nos trabalhos que lhes atribuem ‘mediunicamente’. Por exemplo, Antero de Quental plagiando (!) em ideia e até em detalhes, literalmente um soneto de Augusto dos Anjos. Tudo isso está exaustivamente documentado, através de um sem número de citações e confrontos.

As pessoas que se impressionam pela ‘semelhança’ dos escritos ‘mediúnicos’ de Chico Xavier com os deixados pelos seus indigitados autores, ou são inteiramente leigas sem maior discernimento em matéria de literatura, ou deixaram-se levar ligeiramente por uma primeira impressão. Se examinarem corretamente a literatura psicográfica verão que tal semelhança é de pastiche, mais precisamente, de caricatura. O pensamento das psicografias (de Chico Xavier) é absolutamente indigno do pensamento dos autores a quem são imputados, e a forma em geral e a técnica poética, ainda piores. E há inúmeros casos de parodia e repetição de temas, frases inteiras, versos, além dos plágios.

Por exemplo, Bilac aparece com sonetos verdadeiramente reles, e incorretos, pensamento primário, péssima linguagem, péssima técnica poética, que qualquer ‘Caixa de Malho’ recusaria. De Augusto dos Anjos, os poemas ‘mediúnicos’ repetem assuntos, pensamentos, versos e frases. Etc".

OSÓRIO BORBA, jornalista e escritor, para Diário de Minas, 10.08.1958.

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POEMAS ORIGINAIS DE OLAVO BILAC

VELHAS ÁRVORES

Olavo Bilac - livro Poesias - A Via Láctea, 1888

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,

Dando sombra e consolo aos que padecem!

LÍNGUA PORTUGUESA

Olavo Bilac - Tarde, 1919

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que, na ganga impura,
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceanos largos!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,

O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

CRIAÇÃO

Olavo Bilac - livro Poesias - A Via Láctea, 1888

Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.
É um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra aflito;
rasga-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.
Deus transmite o seu hálito aos amantes:
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;
Porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias

e em florificações, enchendo o espaço!

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SUPOSTOS POEMAS ESPIRITUAIS PUBLICADOS POR CHICO XAVIER EM PARNASO DE ALÉM-TÚMULO, DE 1932:

JESUS OU BARRABÁS?

Atribuído ao espírito Olavo Bilac (Parnaso de Além-Túmulo, 1932)

Sobre a fronte da turba há um sussurro abafado.
A multidão inteira, ansiosa se congrega,
Surda à lição do amor, implacável e cega,
Para a consumação dos festins do pecado.

“Crucificai-o!” – exclama... Um lamento lhe chega
Da Terra que soluça e do Céu desprezado.
“Jesus ou Barrabás?” – pergunta, inquire o brado
Da justiça sem Deus, que trêmula se entrega.

Jesus! Jesus!... Jesus!... – e a resposta perpassa
Como um sopro cruel do Aquilão da desgraça,
Sem que o Anjo da Paz amaldiçoe ou gema...

E debaixo do apodo e ensangüentada a face,
Toma da cruz da dor para que a dor ficasse

Como a glória da vida e a vitória suprema.

BRASIL

Atribuído ao espírito Olavo Bilac (Parnaso de Além-Túmulo, 1932)

Desde o Nilo famoso, aberto ao sol da graça,
Da virtude ateniense à grandeza espartana,
O anjo triste da paz chora e se desengana,
Em vão plantando o amor que o ódio despedaça,

Tribos, tronos, nações... tudo se esfuma e passa.
Mas o torvo dragão da guerra soberana
Ruge, fere, destrói e se alteia e se ufana,
Disputando o poder e denegrindo a raça.

Eis, porém, que o Senhor, na América nascente,
Acende nova luz em novo continente
Para a restauração do homem exausto e velho.

E aparece o Brasil que, valoroso, avança,
Encerrando consigo, em láureas de esperança,
O Coração do Mundo e a Pátria do Evangelho.

SONETO

Por Francisco Cândido Xavier - Antologia Mediúnica de Natal - FEB, 1966 - Atribuído supostamente a Olavo Bilac. Originalmente lançado na sede da União Espírita Mineira, em 06 de agosto de 1939

O homem da Terra, mísero e precito,
No máximo de dor de que há memória,
Vai penetrar a noite merencória
do seu caminho desvairado e aflito.

No mundo, em toda a parte, ouve-se o grito
Da mentira em seus dias de vitória!
Ostentação, miséria, falsa glória
Afrontando as verdades do Infinito!

Mas ao coro sinistro das batalhas
Hão de cair as rígidas muralhas
Que guardam a ilusão do mundo velho!...

E após a dor, a treva e a derrocada,
O homem renascerá para a alvorada
Da luz divina e eterna do Evangelho!