Desculpa esfarrapada sobre a tese de Chico Xavier "não receber filósofos" em suas "psicografias"



É bastante leviana a reação de Francisco Cândido Xavier à crítica do jornalista e escritor João de Scantimburgo quanto à estranheza de que a suposta psicografia do "médium", que, acredita-se, atraiu os mais diversos espíritos literários, mas não fez o mesmo com os grandes filósofos. A famosa cobrança foi dada no Diário de São Paulo, dias depois de participar da mesma questão dada quando ele era um dos entrevistadores convidados do programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 28 de julho de 1971:

"Eu insisto que a escrita automática é o produto do inconsciente do senhor (Chico Xavier), não de mediunidade. Na França foi publicada uma coleção de livros com o título genérico ‘A maneira de...’ em que algumas pessoas fazem a imitação de vários autores. Se o senhor ler, não distinguirá ainda que tenha profundo conhecimento do estilo do autor imitado. E trata-se de uma imitação consciente. O senhor imita autores dirigidos pelo inconsciente (?). Em nada supera as faculdades naturais.

Além de jornalismo, eu também tenho a carreira de Filosofia. E não foram psicografados conteúdos profundos e complexos como a obra (à maneira de) Platão, a de Aristóteles, a de Santo Agostinho, a de Santo Tomás de Aquino, a de Descartes, a de Kant, e a de outros filósofos e pensadores. Não será porque o senhor, Chico Xavier, não tem esses conhecimentos?".

Quando a pergunta foi dada por João de Scantimburgo a Chico Xavier, este, com um falso tom de modéstia e aparente tolerância, se comportou como um dos sofistas que, imitando Sócrates, acolhem o pensamento opositor dizendo que manifesta, a este, "profundo respeito". 

É uma maneira de um deturpador do Espiritismo ficar com a verdade, através do "desarmamento" do questionador, o qual o "médium", um manipulador da linguagem, tenta neutralizar com esta suposta tolerância ao ponto de vista alheio, "sossegando" o questionador e depois criando condições para que a abordagem do "médium" sempre prevalecesse, mesmo sob o arrepio da Lógica e do Bom Senso:

"Creio que o número anunciado está superado em mais de 400 comunicantes. Eles creveram à maneira deles, mas respeito o ponto de vista do senhor, como respeito qualquer homem de Ciência que ainda não pode aceitar, por exemplo, o realismo da mediunidade. Respeito muito, mas continuo acreditando que eles escreveram à maneira deles, porque em algumas centenas, vamos dizer mais de três centenas destes 400 e tantos, hoje me parece que são quase 500, eu não tinha a menor idéia do que eles escreviam".

Em seguida, através de mensagem atribuída a Emmanuel, Chico Xavier resolveu dar mais uma desculpa a respeito da hipótese de "não receber filósofos" na sua obra dita mediúnica, no livro Chico Xavier Pede Licença, lançado em 1972 pela Editora GEEM, sendo uma das primeiras obras que o "médium" edita fora da editora própria da FEB:

FILÓSOFOS MÉDIUNS

Francisco Cândido Xavier - Atribuído ao espírito Emmanuel - Ante o Campo da Vida - In: Chico Xavier Pede Licença, GEEM, 1972

Vários leitores perguntam-nos, se a resposta de Chico Xavier, no Pinga-Fogo do Canal 4, sobre a possibilidade de terem sido médiuns os filósofos citados pelo prof. João de Scantimburgo, é válida.

Basta lembrar, no caso, a mediunidade conhecida de Sócrates que se confessava amparado pelo seu "daemon" ou espírito, ao qual sempre consultava. Seu discípulo Platão era médium vidente e oferece-nos, na República, o mito espírita da caverna. Na Revista Espírita de Allan Kardec, há importantes mensagens psicográficas de Platão.

Modernamente temos o caso de René Descartes e dos seus famosos sonhos, através dos quais recebeu do Espírito da Verdade a orientação filosófica que o tornou o pai do pensamento moderno. Chico Xavier não recebeu mensagens de grandes filósofos porque a sua missão é no plano evangélico, mas basta ler o seu livro Emmanuel para se encontrarem respostas filosóficas e científicas a problemas que foram propostos ao médium. Na Itália, através da tiptologia, foi recebido, há alguns anos, todo um livro de Schopenhauer.

A DESCULPA NÃO PROCEDE

Em primeiro lugar, a desculpa não procede e mais parece um ato de covardia do que um esclarecimento. Afinal, pela grandeza a que se atribui, oficialmente, a obra de Chico Xavier, como "a mais sublime combinação de Conhecimento com Religiosidade", era de se supor que ele atraísse, sim, de maneira "involuntária", alguns dos grandes filósofos do mundo inteiro, ainda que manifestos em língua portuguesa, o que é duvidoso, mas compreensível.

A declaração frustra de alguma maneira aqueles que esperavam muito das "psicografias", dado o grau de deslumbramento que Chico Xavier exerce nos seus seguidores. Além do mais, revela-se, na mensagem acima, o igrejismo do "médium", através do termo "sua missão é no plano evangélico", e devemos desconfiar da alegação de que, no livro Emmanuel, há "respostas filosóficas e científicas a problemas propostos".

A mensagem do capítulo "Ante o Campo da Vida" é confusa, afinal, diz-se que Allan Kardec publicou mensagens de Platão, na Revista Espírita, e tanto este quanto Sócrates são mencionados em capítulos de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cita-se que, na Itália, através de tiptologia (manifestação de pancadas atribuídas a espíritos desencarnados), teria sido psicografado um livro inteiro de Schopenhauer.

Então, não há como se desculpar, e isso mostra o quanto a "psicografia" de Chico Xavier não só tem provas de fraudes e mistificações como também se revela bastante tendenciosa, abrindo precedente para um mercado de pretensas mediunidades nas quais se observam limites claros, como curandeiros que não curam paraplégicos, "médiuns" que não psicografam desenhistas e instrumentistas, além de não receberem filósofos.