Falta de revelações desqualifica obra "mediúnica" de Chico Xavier
Diz, com muita propriedade, a literatura kardeciana original, a seguinte questão: "Como quereis que uma árvore boa dê maus frutos? Já colhestes uvas na macieira?" (O Livro dos Médiuns, Cap. 27, Contradições e Mistificações, Item 7). Allan Kardec, em várias ocasiões, falava dessa ideia para alertar sobre os desvios da compreensão ou do caráter humanos.
Muitos glorificam a obra de Francisco Cândido Xavier por causa das supostas mensagens de vida, dos pretensos ensinamentos cristãos e outras mensagens agradáveis. Hoje em dia existem pessoas que acham que a obra "contém imperfeições", mas na prática mantém a mesma glorificação.
No entanto, provas consistentes, para desespero de seus seguidores, mostram que a obra "mediúnica" de Chico Xavier nunca passou de uma grande farsa. Problemas diversos na comparação de assinaturas e estilos de escritas, com provas fartas e robustas, põem em xeque a validade dessas obras, o que fazem seus seguidores e adeptos, dos mais diversos níveis, do amigo íntimo ou do seguidor mais fanático a acadêmicos e admiradores distanciados, a fazerem verdadeiros malabarismos discursivos.
Por sorte, Chico Xavier é como se fosse um "tucano de luz". É blindado com intensidade igual ou maior a de um político do PSDB, denominado "tucano". A propósito, o PSDB foi o partido político que Chico Xavier apoiou no final da vida, ele apenas discordava de ver José Serra candidato à Presidência da República, dando preferência a Aécio Neves, que visitou o "médium" e ambos manifestaram admiração mútua. A "Comenda Chico Xavier" foi, aliás, uma premiação que contou com a colaboração, em sua criação, do próprio Aécio Neves.
É um equívoco atribuir a quem quer que fosse a suposta profecia de Chico Xavier - ou André Luiz, dentro daquela confusão dos chiquistas em atribuir ao "médium" frases também atribuídas aos seus supostos mensageiros espirituais - , lançada em 1952, a qualquer personalidade política tida como "messiânica", seja o próprio Aécio Neves, Sérgio Moro ou Jair Bolsonaro (em que pese o fato de Chico Xavier, potencialmente, estar admirando todos os três):
"MENSAGEM DE NATAL ATRIBUÍDA AO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ
Por Francisco Cândido Xavier - "Centro Espírita Jesus de Nazareno", em Congonhas-MG, 23 de dezembro de 1952.
No meio à crise virá um homem da terra do mártir Tiradentes e, apesar das pressões, muito fará pelo Brasil, inclusive, que será o criador de uma cidade jardim tal qual o Éden, diferente de todas as cidades.
Tempos depois, quando as trevas do calabouço autoritário se dissipar, a ele se seguirá um outro mineiro, que projetará a esperança, conquistará o povo trazendo uma nova onda de patriotismo para o país. Mas que não tomará posse. Morrerá antes.
Será substituído por outro que muita confusão irá criar e, na sua saída, vai deixar a nação abalada; e deste abalo vai começar o período crítico, por anos e anos.
Até que, na segunda década de um novo milênio, o homem de patriotismo, vindo também da terra de Tiradentes, irá cercar-se de outros e vão derrubar a viga mestra da confusão. E então muita coisa nova vai acontecer. Muitas nações passarão a dar crédito e respeito ao Brasil".
Embora os relatos dessa suposta profecia coincidissem com fatos posteriores, é duvidoso que eles tenham sido realmente proféticos. Se o começo da predição aponta para Juscelino Kubitschek, o caráter profético se desfaz porque, em 1952, Juscelino já se destacou como prefeito de Belo Horizonte, era governador de Minas Gerais e já estava apontado como favorito para a sucessão presidencial.
Nos parágrafos seguintes, sabe-se que o "calabouço autoritário" já era uma possibilidade no contexto da Guerra Fria de 1952. Ele teria sido, na verdade, um desejo dos opositores de Getúlio Vargas, já nessa época. Chico Xavier, no entanto, apoiava o "calabouço" conforme sua campanha favorável à ditadura militar, manifesta no Pinga Fogo da TV Tupi em 1971 e nas homenagens a que compareceu, com gosto, naqueles tempos de chumbo.
O político que "despertaria patriotismo" e morreria pouco depois, antes de tomar posse, pode ser facilmente uma suposição. A atribuição a Tancredo Neves - que, aliás, morreu em 1985 pouco depois de, doente, não poder ser empossado - pode ter sido uma mera coincidência, porque fatos assim são muito comuns na política de qualquer país. E, repetimos, Tancredo não morreu antes de tomar posse, porque no dia da posse (15 de março), ele estava enfermo, e sua morte foi em 21 de abril.
Em parágrafos posteriores até o fim da mensagem, as atribuições a um período de confusão e de regeneração são muito genéricas e banais, imagináveis em qualquer época política de qualquer país. No que se diz ao Brasil dos últimos tempos, dependendo da interpretação, os "causadores de confusão" poderiam variar entre José Sarney, Fernando Collor, Dilma Rousseff, Aécio Neves ou Jair Bolsonaro, em que pese Aécio e Collor terem sido apoiados abertamente por Chico Xavier, que muito provavelmente também teria apoiado Bolsonaro.
Sobre o renegerador, sabemos que, da natureza do "médium", o político que cuidaria da regeneração do Brasil não seria um político progressista, mas antes alguém com o caráter mornamente democrático como defende Luciano Huck, apresentador do Caldeirão do Huck, empresário e articulador do movimento Renova BR e admirador confesso e fortemente influenciado por Chico Xavier.
Dito isso, mostramos que a "profecia" de 1952 não trouxe fatos surpreendentes, porque líderes políticos despertando patriotismo e morrendo antes eram fatores que se repetem em vários cenários políticos, não constituindo ineditismo algum.
Chico Xavier não foi pioneiro de coisa alguma, como vamos mostrar em outras oportunidades. O livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho se manteve dentro dos padrões rasteiros da historiografia oficial e mistificadora do nosso país, sem trazer a menor novidade sobre os fatos históricos, o que desqualifica o caráter "psicográfico" pelos seguintes aspectos:
1) Embora atribuído ao "espírito Humberto de Campos", a obra não mostra o estilo pessoal do autor maranhense, que, com todo o potencial ufanista, não iria escrever jamais um livro dessa natureza. A única "presença" do autor se deu no capítulo sobre a "lei das aposentadorias", grosseiramente plagiado de uma obra humorística, O Brasil Anedótico, de 1927. A narrativa do livro "mediúnico" mostra claramente os estilos pessoais de Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas, presidente da FEB e suspeito de ser o redator final de muitas obras do "médium";
2) O conteúdo mostra o mesmo caráter bajulador de personagens históricos, sem a narrativa objetiva que se esperaria de obras reveladoras que, anunciadas como "originárias do mundo espiritual", supostamente prenunciam informações inexistentes na compreensão terrena dos homens comuns.
Nada do que Chico Xavier publicou teve algo de revelador. Interpretações levianas e meramente especulativas de seus seguidores até tentam alegar o contrário e, apesar de sua persistência e da preocupação em ter a posse da verdade - ou seja, atribuir, mesmo sem provas, que o "médium" trouxe informações complexas e inacessíveis ao público - , não oferecem fundamentação para suas teses.
Lendo as obras de Chico Xavier com muita atenção, elas apresentam informações que repetem os dados previamente conhecidos do pessoal da Terra. Mesmo no caso de Jair Presente, as informações "difíceis" podem partir de alguns de seus parentes ou familiares que sejam de desconhecimento de outros que conviveram com o rapaz. E há relatos de um provável envio de material jornalístico sobre a morte de Presente enviado por uma frequentadora de um "centro espírita" de Campinas - da região onde o falecido vivia - , através do Correio, para Chico Xavier.
As alegações de que Chico Xavier trouxe informações "pioneiras", "inacessíveis" ou "inéditas", em verdade, nunca apresentaram provas consistentes, permanecendo tais declarações no âmbito da especulação e de interpretações sem o menor fundamento lógico. Essas alegações, a título de argumentação, são muito frágeis e só servem como um esforço desesperado de blindar Chico Xavier e fazê-lo ser levado a sério demais pela sociedade brasileira.