O parecer "escorregadio" de Alexandre Caroli Rocha sobre Jair Presente


Disse Alexandre Caroli Rocha, a respeito das supostas psicografias atribuídas a Humberto de Campos, em artigo publicado na revista Ipotesi, de Juiz de Fora, de julho-dezembro de 2012, intitulado "Complicações de uma estranha autoria (O que se comentou sobre textos que Chico Xavier atribuiu a Humberto de Campos):

"Concluímos, pois, que os veredictos taxativos para a identificação do autor são possíveis somente com a assunção de uma determinada teoria sobre o postmortem ou sobre o fenômeno mediúnico. Quando, no debate autoral, ignora-se a relação entre teoria e texto, percebemos que a apreensão deste é bastante escorregadia, mesmo entre leitores especialistas".

Mais parecendo um manifesto sob efeitos da Síndrome da Projeção, na qual a pessoa atribui a outrem os defeitos que ela tem dentro de si, Caroli Rocha não percebeu quando, em relação às cartas atribuídas supostamente ao espírito do universitário Jair Presente, ele cometeu justamente os erros que ele criticou daqueles que duvidavam das "mensagens espirituais" atribuídas a Humberto.

Uma matéria publicada pelo jornal paraense O Liberal, de 01 de fevereiro de 2015 - o periódico já teve o falecido palestrante "espírita" Alamar Régis Carvalho como articulista - , veio com um título taxativo de que as supostas mensagens de Jair Presente seriam "verídicas", apenas por mostrar informações que se encaixam nos dados sobre sua vida e detalhes pessoais considerados "difíceis". Eis um trecho da matéria:

"De acordo com a pesquisa, as cartas psicografadas por Chico Xavier começaram no mesmo ano da morte do rapaz em Americana. As mensagens não apresentam informações genéricas, segundo o orientador. Apresentam dados como nomes de pessoas e situações vividas por Presente, por exemplo. Essa é parte da conclusão tirada pelos pesquisadores Alexandre Caroli Rocha e Denise Paraná, das faculdades de Medicina e Ciências Humanas da USP.

O levantamento realizado no lote de cartas apontou 99 informações objetivas e passíveis de verificação. E todos os dados colhidos eram precisos e verídicos. Nenhuma informação extraída das cartas atribuídas a Jair Presente estava incorreta ou era falsa, segundo familiares e amigos entrevistados pelos pesquisadores. Também foram usados documentos, jornais da época e registros em cartórios. Dessa forma, o estudo entendeu que a possibilidade de Chico Xavier, que morreu em 2002, ter tido acesso a ao menos parte das informações psicografadas é extremamente remota. Até mesmo informações consideradas como privativas pela família constam nas mensagens".

Apesar de Alexandre Caroli Rocha se achar confiante de sua segurança metodológica, embora diga admitir "imperfeições" e "erros" possíveis, ele cometeu equívocos sérios na sua abordagem, porque há sérios problemas que complicam a conclusão de sua tese:

1) Nem todos os familiares conhecem tudo do falecido ente querido. E nem todos são cúmplices e vivem em harmonia entre si. Isso significa que não há uma linearidade que faça com que amigos de infância, pais, tios, avós e professores de um jovem falecido se entendam perfeitamente em tudo e conheçam os mesmos detalhes da vida da saudosa pessoa;

2) As informações "difíceis" podem soar banais para tios ou professores, por exemplo, e serem de total desconhecimento dos pais do jovem falecido. É relativo definir as informações como "difíceis", porque elas podem ser óbvias para alguns que conviveram com o finado e podem não ser para outros;

3) Os depoentes não se lembram que as informações "psicográficas" foram dadas por eles. Os depoimentos, em muitos casos, são longos para que os parentes de um falecido tenham exata consciência de que lhes forneceram para a produção de supostas psicografias. Além disso, o clima de transe religioso das reuniões "espíritas" pode deixar as pessoas tão entorpecidas que elas ficam surpresas quando as mensagens "espirituais" trazem informações pessoais, mesmo as "difíceis".

Sobre o caráter de fraude, Caroli Rocha diz entender que Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, "não teve acesso" às informações que foram "psicografadas", definindo a hipótese como "extremamente remota". Isso é um erro.

É muito provável, com índice de certeza, que os próprios familiares ou amigos de Jair Presente tenham fornecido a Chico Xavier, mesmo que seja através de um intermediário, material jornalístico, documental e particular relacionado direta ou indiretamente ao falecido jovem. 

É costume dos seguidores de Chico Xavier enviarem material correspondente, até pela generosidade que eles acreditam fazer em manter o "médium" a par de todos os fatos. Há rumores de que uma senhora de Campinas (onde Presente morava) forneceu a Chico um jornal local com as informações do rapaz.

O que chama a atenção, na matéria de O Liberal, no entanto, é que Caroli Rocha cometeu uma gravíssima contradição em relação à sua tese, através do trecho que o texto do periódico paraense publicou:

"É reiterado, porém, que o estudo não comprova que as cartas tenham realmente sido escritas por alguém morto, mas sustenta que os relatos apresentados nelas são verídicos".

Isso foi um tiro nas veias do pé. Como as mensagens podem ser verídicas se não há certeza que as cartas tenham sido escritas por alguém morto? Caroli Rocha cometeu uma gravíssima gafe, tendo feito o que justamente criticou dos outros, quando viu o argueiro nos olhos de quem duvidou das "psicografias de Humberto de Campos" e não viu a grande trave em seus olhos.

Quando se fala da veracidade de um documento, a primeira coisa que tem que se admitir é a sua identidade autoral. Na Antiguidade clássica, textos apócrifos atribuídos a grandes autores, como o filósofo Platão, por exemplo, quando apresentam dúvidas quanto ao estilo textual e natureza da mensagem, eles não apresentam veracidade, só por mostrarem aspectos coincidentes ao pensamento e narrativa do pensador grego.

O fato de existir informações verídicas não faz do texto, em si, verídico. Isso porque pode-se montar uma peça de ficção com todos os dados verídicos da vida de um personagem, relatos verídicos são apenas um detalhe secundário, que não necessariamente garante a veracidade de uma obra.

Mas falar é fácil. A veracidade é contestada pelos estilos das mensagens supostamente espirituais creditadas a Jair Presente. A primeira mensagem tem o estilo pessoal e extremamente religioso de Chico Xavier. As demais, em profunda contradição de contexto, são exageradamente nervosas, forçadamente coloquiais e sua narrativa é tensa, alucinada e paranoica, com o "espírito Jair Presente" se comportando como se tivesse inalado uma boa dose de pó de cocaína.

Isso vai contra o contexto do espírito, porque, passando o tempo do óbito, imagina-se que o desencarnado, com toda sua indignação com a partida repentina, possa estar mais tranquilo no decorrer do tempo. Ver que o espírito, se dermos crédito às "psicografias", primeiro ficou calmo e, depois, ficou mais tenso é algo que não permite uma justificativa lógica.

Portanto, é um parecer bastante "escorregadio", só para fazer um trocadilho com o que Caroli Rocha disse, e que se soma ao erro dele renegar a interpretação textual crítica e simples para analisar supostas psicografias. Perdido na sua obsessão pela "imparcialidade" e "objetividade" acadêmicas, Caroli Rocha preferiu bancar o arremedo de matemático, só porque Allan Kardec teve essa especialidade. E, fazendo isso, Caroli errou feio.

Ele quis "algoritmizar" as análises literárias, adotando critérios "matemáticos" que soam mecanicistas e tecnicistas demais, e não trazem as respostas que a comunidade literária e seus especialistas, como os estudiosos de Literatura Brasileira, trouxeram com as análises precisas que Caroli pensa terem sido "escorregadias".

Caroli errou feio porque renegou os métodos que os especialistas em Literatura Brasileira usaram para questionar a validade das "psicografias" creditadas a Humberto de Campos. Só porque os especialistas em literatura não usavam o método preferido por Caroli, ele os desqualificou porque eram bem mais simples e diretos, sem o "charme complicado" que a elite academicista na qual se insere o "pesquisador espírita" da USP tanto aprecia, na presunção de querer a posse do Saber. 

Essa arrogância acadêmica, da qual Caroli se insere, trata o Conhecimento como um privilégio e a Pesquisa como um processo de fórmulas que devem ser complicadas. É, portanto, uma corrente que manipula o Saber de forma obscurantista, criando um "diferencial" entre os acadêmicos e a sociedade, pois não é um Saber socialmente compartilhado, mas tratado como uma moeda que coloca os acadêmicos envolvidos numa posição acima na pirâmide social.

Isso vai contra Allan Kardec, cujo rigor da razão não deve ser confundido com a complexidade de fórmulas e o obscurantismo de um saber como um patrimônio privado de uns letrados. Para Kardec, o rigor da razão estava comprometido a ideias claras e, salvo quando as circunstâncias exigirem, uma compreensão mais direta e simples, sem precisar de fórmulas complicadas.

E Caroli, tomado da Síndrome da Projeção, reprovou os métodos dos literatos que desqualificaram a "obra psicográfica" creditada a Humberto de Campos, por puro medo de que métodos diferentes aos adotados por ele possam trazer conclusões mais lógicas. E aí ele cometeu o grave erro que julgava haver nos outros: veio com uma conclusão "taxativa" (a "veracidade" das "cartas de Jair Presente") e uma teoria "escorregadia" (a "veracidade" não garante a identidade autoral do espírito).