Raul Seixas das "psicografias" é confirmadamente FAKE

Há 30 anos, morreu o roqueiro baiano Raul Seixas, prematuramente aos 44 anos. O carisma do cantor, compositor e músico, pioneiro do Rock Brasil, tornou-se um dos alvos de supostos médiuns espíritas que, na aventura doentia do sensacionalismo, seguiam o que Francisco Cândido Xavier fez com os escritores mortos e, ao arrepio da Ciência Espírita, forjar pretensas obras mediúnicas.
Se deixando valer do mesmo bom-mocismo que promoveu Chico Xavier através de uma caridade fajuta (Assistencialismo), de resultados sociais inexpressivos que não fossem a promoção pessoal do "médium", os supostos psicógrafos se tornam os "donos dos mortos", fazendo o que bem entenderem e colocando na boca dos falecidos ideias que eles não defenderiam jamais.
No caso de Raul Seixas, as "psicografias" se baseiam em abordagens caricaturais trazidas pela mídia hegemônica, como a Rede Globo, o SBT e a revista Contigo, que mostram o roqueiro como um místico abobalhado e piegas, um estereótipo que aparece nas obras ditas "espirituais" e que caem numa gravíssima contradição.
Essa contradição se dá por uma razão bem simples. Raul Seixas deixou de enfatizar seu misticismo nos anos 1980 e, no final da vida, expressava um ceticismo e um humor corrosivo que inexistem nas supostas psicografias.
Dois supostos médiuns pegaram carona no carisma de Raul. Um é o radialista paulistano Nelson de Moraes, também palestrante "espírita", que lançou livros intitulados Um Roqueiro no Além e Há Dez Mil Anos, que em nada lembram o verdadeiro Raul Seixas que esteve entre nós.
Nelson apelou para o mesmo artifício com que Chico Xavier usou para evitar problemas jurídicos. Para "uso externo" (fora dos ambientes "espíritas"), Nelson usou o nome "Zílio" para Raul Seixas assim como Chico deu ao suposto "Humberto de Campos" o nome "Irmão X". A ideia é deixar que as supostas atribuições pessoais fossem feitas dentro dos ambientes "espíritas", enquanto fora deles usa-se pseudônimos para evitar complicações com herdeiros. Uma prática desonesta, diga-se de passagem.
Outra "mediunidade" usando o nome de Raul partiu do "médium" Rogério H. Leite, de Lorena, interior de São Paulo. Lançou o livro Metamorfose da Alma, supostamente uma autobiografia de Raul Seixas na qual se omitem, estranhamente, algumas fases importantes de sua carreira, chegando a "ignorar" o escritor Paulo Coelho, durante anos parceiro do roqueiro baiano e letrista de várias de suas canções.
Em ambos os casos, Raul Seixas aparece caricato, preocupado em fazer trocadilhos fáceis com suas músicas ("a verdadeira Sociedade Alternativa que nos aguarda no universo infinito", em Nelson Moraes, e "Não trago comigo o ouro de tolo que somente pertence ao diabo da indiferença.", em Rogério Leite) e a falar de moralismo religioso da forma que Raul dificilmente faria.
A repercussão negativa das "psicografias" ocorreu, no caso de Nelson Moraes sem muito alarde, mas com mais evidência no caso de Rogério Leite. Vivi Seixas, DJ e filha do roqueiro, admitiu ser a "psicografia" de Leite uma farsa grosseira.
Para piorar, o editor do livro de Rogério Leite, Fábio Dionisi, dono da Dionisi Editora, cometeu o cinismo de alegar que a mensagem do espírito muda com a desencarnação: “Mas o espírito, quando se eleva é assim mesmo: evolui e modifica sua personalidade”.
No caso de Nelson Moraes, um dado deplorável é atribuir ao suposto Zílio - creditado como Raul Seixas nos círculos "espíritas" - uma ideia reacionária que contradiz ao ceticismo crítico que o roqueiro teve no fim da vida, no qual questionava tudo: o suposto espírito pedia para as pessoas "questionarem a si mesmos em vez da vida". O mais grave é a ideia do "inimigo de si mesmo", que contraria a própria natureza de Raul Seixas, por ser uma ideia de essência medieval.
Vamos mostrar dois textos. Um, com trechos da reportagem de Veja SP sobre Rogério H. Leite com supostas frases do "espírito Raul Seixas" (ao qual se atribuem também supostas canções novas, como "Tenta Outra Vez", pretensa versão do sucesso "Tente Outra Vez"). Outra é um texto longo do Dossiê Espírita refutando a veracidade do Zílio como o suposto espírito de Raul. Nelas se conclui, com argumentos lógicos, o caráter fake das supostas mensagens espirituais.
TRECHOS DAS SUPOSTAS MENSAGENS DE RAUL SEIXAS PRESENTES NO LIVRO METAMORFOSES DA ALMA E PUBLICADAS EM VEJA SP DE 12 DE NOVEMBRO DE 2018:
“Não trago comigo o ouro de tolo que somente pertence ao diabo da indiferença. Nem as riquezas de Ali Babá que sujam as mãos do homem honesto. Não uso mais colírio e dispensei meus óculos escuros porque a morte devolveu-me a luz do discernimento que há muito meus olhos solicitavam”.
“Não trago comigo o ouro de tolo que somente pertence ao diabo da indiferença. Nem as riquezas de Ali Babá que sujam as mãos do homem honesto. Não uso mais colírio e dispensei meus óculos escuros porque a morte devolveu-me a luz do discernimento que há muito meus olhos solicitavam”.
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Raul Seixas nunca teria sido o espírito Zílio
Do Dossiê Espírita
Quem acompanhou Raul Seixas no final de sua vida, não se deixa enganar pela imagem adocicada que o dito médium Nelson Moraes atribuiu a um tal de Zílio que, na imaginação deste palestrante espiritólico, teria sido o nome adotado pelo roqueiro baiano na vida espiritual.
Nelson tenta até usar algumas citações ligadas às canções de Raulzito para "reforçar" sua suposta identidade espiritual, sem saber a contradição que o tom piegas, conformista e pueril demais traz em relação ao rebelde baiano que terminou a vida bastante cético e irônico com os rumos da vida.
Cabe aqui mostrar o absurdo das mensagens atribuídas a Raulzito, que nem mesmo as citações gratuitas de antigas canções conseguem indicar a veracidade. Muito pelo contrário, essas citações gratuitas, que não seriam feitas pelo cantor, só reforçam o caráter fraudulento de tais mensagens, seja por um espírito zombeteiro e imitador, ou então pela imaginação férfil de Nelson.
A primeira delas, reproduzida integralmente, traz um moralismo religioso que contradiz seriamente ao ceticismo carregado de ironia e cinismo que Raul expressou claramente no final da vida, principalmente ao lado do músico Marcelo Nova (ex-Camisa de Vênus), seu último parceiro. A mensagem, do livro Um Roqueiro no Além, é um suposto alerta atribuído ao roqueiro para os que estão na Terra:
"Frente a realidade que me surpreendeu, a metamorfose agora é outra!
A Sociedade Alternativa não acontece no embalo dos sonhos mal sonhados, nasce na individualidade daqueles que vivem na real.
Vivi como um cometa que passa e causa espanto, não consegui ajustar-me na órbita que poderia sustentar-me na trajetória rumo a felicidade que sonhei para mim e para os outros. Porém, ainda não apaguei, vou continuar entre a luz e a sombra, procurando minha própria luz em constante metamorfose.
Voltei sem alarde, faço da mente do médium o meu telegrafo para revelar ao mundo das ilusões, a verdadeira Sociedade Alternativa que nos aguarda no universo infinito e que deve ser construída no universo íntimo de cada um, aí e agora.
Depois de atravessar os vales escuros da dor e do sofrimento, minha visão ampliou-se e pude compreender que aqueles que buscam afogar suas ansiedades e frustrações nas drogas químicas e alcoólicas, é como um epilético criado artificialmente, o qual sofre e faz sofrer. Por isso, vejo-me na obrigação consciencial de informar aos companheiros que estão a caminho que o sofrimento não pára aí, ele se estende pelos vales espirituais onde a epilepsia se torna real processando a duras penas os elementos venenosos inseridos no corpo perispiritual.
Muitas vezes, embalados pelo sonho e pelo lirismo dos poetas e pelo modismo estimulado pela sociedade de consumo, deixamos de enxergar a realidade à nossa volta e buscamos distrair a nossa consciência das responsabilidades inerentes a verdadeira finalidade da vida. Conseqüentemente, alteramos o valor das coisas e os conceitos sobre juventude, lar, família e objetivos, deixando cair vertiginosamente o nosso amor próprio e o amor por aqueles que nos são caros. Nesse conceito equivocado, tudo se torna lícito, até mesmo o que não convém. Os que viveram esse tipo de liberdade na Terra, hoje superlotam os vales das sombras à semelhança de larvas, arrastando-se entre o limo e as escarpas dos abismos espirituais, situação em que, alguns casos, pode se prolongar por longos séculos.
Antes de questionar a vida, questione a si mesmo, analise seus conceitos, seus sentimentos, sua gratidão por aqueles que o ajudaram a renascer na Terra e, com certeza, você encontrará uma grande razão para viver e lutar contra o único inimigo que pode derrotá-lo: Você mesmo".
Outra mensagem foi extraída do livro Há Dez Mil Anos, e mostra um "Raul Seixas" um tanto abobalhado e demasiado religioso no seu recado "fraterno" a seus leitores:
"Hoje me sinto muito feliz quando encontro alguém lendo os meus depoimentos, mais do que quando executam as minhas músicas. Aos poucos estou alcançando o sucesso, não mais o sucesso do mito, mas sim, do ser humano que sou. Espero que aqueles que hoje são fã do mito, ao ler meus depoimentos, venham se tornar fãs de verdade e daquele que realmente merece nossa gratidão e reconhecimento. Um dia, Ele será seguido como o grande ídolo da humanidade."
Raul nunca teria citado, pelo menos com a ênfase usada nas mensagens "espirituais", termos como "metamorfose" e "sociedade alternativa" até porque o roqueiro baiano, já nos anos 80, teria abandonado o misticismo que o marcou na década de 70 e passava a ver os rumos do país até mesmo com certo ceticismo.
"SEI QUE PARECE SÉRIO, MAS É TUDO, TUDO ARMAÇÃO"
Em 1987, Raul Seixas compôs com Marcelo Nova a música "Muita Estrela, Pouca Constelação", gravada pelo cantor e a então banda de Nova, Camisa de Vênus. Apesar do título parecer uma referência astronômica, nenhuma sombra da fase mística de Raul aparece na música.
A letra fala de show business. O tema se refere à acomodação do Rock Brasil, embora poderia se referir à música brasileira como um todo (a exemplo de "Arrombou a Festa", de Rita Lee), e mostra Raul Seixas com um humor afiado, corrosivo, descrito num refrão certeiro e sem a dócil pieguice observada nas mensagens de "Zílio":
"Sei que até parece sério / Mas é tudo, tudo armação / O problema é que tem muita estrela / Pra pouca constelação".
Raul Seixas, em entrevista à revista Bizz, em 1988, parecia tão pessimista com os rumos do país que nem mesmo a Censura Federal ele acreditava que iria acabar. E, além disso, ele despejava duras críticas à axé-music (cujo império mercadológico obrigou o cantor a seguir carreira em São Paulo) e ao breganejo que depois tentaram pegar carona no prestígio do cantor depois de falecido.
Raul não tinha mais a ver com o "maluco simpático", com o "místico astrológico" vestido de mágico cantando "Plunct Plact Zoom" para a criançada. Eram imagens reais, mas exageradas e distorcidas pelas mentes de pais conservadores - das quais se inserem pessoas como Nelson Moraes - que acreditam numa imagem adocicada e quase idiotizada de Raulzito.
Não. No final da vida, Raul Seixas estava corrosivo, amargo mesmo, como roqueiro era mais cínico e cético, e vale lembrar que isso veio em toda a vida, desde os tempos em que, adolescente, Raul rompeu com a idolatria por Elvis Presley depois que o viu elogiando as Forças Armadas norte-americanas, após a prestação de serviço militar.
A fase mística foi superada por Raulzito, que era uma pessoa que enxergava as coisas pela frente, e certamente não iria olhar para trás preocupado em fazer trocadilhos com antigas obras. Para Raul, os anos 80 não eram "Gita", "Sociedade Alternativa", "Metamorfose Ambulante". Os anos 80 pareciam mais um "trem que perdeu o condutor", nas palavras dadas pelo próprio cantor.
Na Internet, devem haver documentos e arquivos sobre o que Raul Seixas fazia e pensava nos últimos tempos. A "Muita Estrela, Pouca Constelação", se seguiu a música "Rock'n'Roll", com o mesmo humor corrosivo de Raulzito e Marceleza, e sem qualquer "otimismo" de caráter místico ou esotérico.
Portanto, conclui-se que Zílio não passou de uma grande farsa, respaldada pelo prestígio que os chefes espíritas, os ditos "médiuns", possuem em seus meios. "Mensagens de amor" não são desculpas para que se permitam fraudes nem para aceitar erros que contradizem os espíritos do além com os supostos indivíduos que eles dizem terem sido em vida.
Isso é tão certo que é um princípio ético. Conceitos de amor e caridade não podem se contradizer à ética. A fraude não pode ser aceita "em nome do amor". Sobretudo quando se trata de um artista como Raul Seixas, que nem de longe teria sido o piegas idiotizado, ridiculamente místico e religioso, que o Espiritolicismo, na carona do prestígio do baiano, queria a todo custo promover.