Coadjuvante do bolsonarismo, "movimento espírita" pode protagonizar Era Luciano Huck

ATO INTER-RELIGIOSO LULA LIVRE CONTOU COM ESPÍRITAS QUE NÃO COMPARTILHAM DA ORIENTAÇÃO OFICIAL DO "MOVIMENTO ESPÍRITA" GERAL.

O "espiritismo" brasileiro é de esquerda ou de direita? Oficialmente, a religião "espírita" se declara "ideologicamente neutra", mas sua praxe, a considerar pelas ideias pregadas por Francisco Cândido Xavier, o maior nome do "movimento espírita" brasileiro, aproxima a doutrina brasileira ao ideário de direita, divergindo frontalmente do progressismo de Allan Kardec.

O que chama a atenção, todavia, é que o "espiritismo" brasileiro tornou-se o paraíso do "pensamento desejoso" (wishful thinking, em inglês), e isso alinha a religião brasileira aos parâmetros da pós-verdade, a ponto de Chico Xavier ser moldado não conforme a pessoa que ele foi na realidade, mas de maneira a agradar as fantasias pessoais de seus diversos seguidores.

Já vimos pessoas cometendo a gafe de se declararem "comunistas" e apoiarem Chico Xavier, assim como vemos gente boa dizendo que o "médium" era "marxista". Se esqueceram, eles, que o "médium" despejou comentários negativos contra o comunismo e o marxismo em um programa de TV de estrondosa audiência. Chico Xavier defendeu a ditadura militar com uma convicção que dificulta seus seguidores relativizarem esse apoio, adotando teses desprovidas de coerência.

As teses que tentam "esquerdizar" a pessoa de Chico Xavier não têm fundamento lógico algum. São sustentadas por ideias abstratas sobre "caridade" e "solidariedade" e por ideias soltas e vagas sobre o progressismo político. Não são ideias precisas e elas são motivadas apenas pelo sentimentalismo emocional, não raro dotado de muita pieguice e que não encontram respaldo em fatos reais.

Chico Xavier teve raízes conservadoras na sua família, na cidade onde nasceu, na Minas Gerais onde viveu, e seu conservadorismo, em doses extremas, acompanhou sua mente até o fim. Devemos lembrar que Chico Xavier foi anti-petista não só de primeira-hora, como por antecipação, até porque ele faleceu em 2002, pouco antes de se iniciar a campanha de Lula que o levou a presidir a República.

LUCIANO HUCK GRAVANDO O LATA VELHA DO CALDEIRÃO DO HUCK EM PEDRO LEOPOLDO E UBERABA, TERRA NATAL E CIDADE ADOTIVA DE CHICO XAVIER; LUCIANO TAMBÉM FOI COM A ESPOSA ANGÉLICA VER O FILME DRAMATIZADO SOBRE O "MÉDIUM".

Outra coisa: Chico Xavier, aliás, sempre representou a antítese de Lula e não sua "alma-gêmea". Primeiro, porque o "médium" realizou fraudes literárias com provas robustas, e com provas de colaboração de terceiros, mas nunca foi investigado por isso. Lula, em contrapartida, está preso por conta de uma estória muito mal contada sobre um modesto apartamento no Guarujá que nunca foi dele.

Os progressistas não leem os livros de Chico Xavier, nos quais, de maneira chocante, se encontram ideias que se encaixam perfeitamente em pautas reacionárias: trabalho exaustivo, "livre negociação" trabalhista (prevalência do negociado sobre o legislado), Escola Sem Partido, "cura gay" ("os homossexuais merecem respeito, mas eles são vítimas de perturbações mentais de ordem sexual", resume-se a postura xavieriana) e subordinação aos opressores.

Devemos lembrar que Chico Xavier, na fase mais austera da ditadura militar, esteve ao lado dos opressores. Ninguém iria comparecer a homenagens da Escola Superior de Guerra se não estivesse apoiando a ditadura militar. Mesmo um religioso conservador com um mínimo de humanismo teria boicotado a homenagem. Alceu Amoroso Lima, católico conservador, passou a estar em vantagem, porque naquela época ele, que havia defendido o golpe de 1964, no entanto passou para a oposição.

BOLSONARISMO

Muita gente pergunta se, a essas alturas em que o presidente Jair Bolsonaro falou muita besteira e realizou um discurso vexaminoso e rancoroso na abertura da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Chico Xavier, se vivo fosse, continuaria apoiando o governante.

Com base nas ideias e depoimentos de Chico Xavier, consideramos que o apoio dele a Bolsonaro encerraria com os exageros que ele tomou, como a declaração do "chuveiro de ouro" no Carnaval (golden shower, eufemismo para urina), o apoio ao rearmamento da população e o incentivo às queimadas na Amazônia.

Acreditamos que Chico Xavier poderia manifestar-se decepção com Bolsonaro, mas consideramos que em nenhum momento isso poderia jogar o "médium" para o esquerdismo. Seu anti-petismo era convicto, e podemos inferir que ele poderia se aproximar por setores da centro-direita ligados a João Dória Jr. e a Luciano Huck. Lembremos que João Dória Jr. é amigo de Divaldo Franco, "médium" considerado discípulo de Chico Xavier, passado o incidente do plágio denunciado por Luciano dos Anjos nos anos 1960.

O que podemos afirmar é que o "movimento espírita" foi coadjuvante de movimentos religiosos de direita, apoiando o golpe civil-militar de 1964, toda a ditadura militar e campanhas de Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aécio Neves para a Presidência da República, além do apoio ao golpe político de 2016 e, inicialmente, à campanha de Geraldo Alckmin no primeiro turno, em 2018.

Se há espíritas considerados progressistas, eles são dissidentes. Nomes como Sérgio Aleixo e Dora Incontri, críticos da deturpação espírita (catolicização), e o hesitante Franklin Félix (bastante confuso ao acolhimento do Espiritismo, apreciando a deturpação representada por Chico Xavier), compareceram recentemente ao ato inter-religioso Lula Livre, agosto passado, e, ontem, em mais um encontro inter-religioso em favor do petista.

Embora essas correntes progressistas tentem o protagonismo no "movimento espírita", o que é justo, por parte de Aleixo e Incontri, mais voltados ao pensamento kardeciano original, eles no entanto atuam como dissidentes e como uma corrente minoritária, se observarmos que a "Federação Espírita Brasileira", conhecida como o "Vaticano espírita", instituição da qual Chico Xavier exerceu fidelidade canina, sempre adotou uma orientação profundamente conservadora, que vale até hoje.

LUCIANO HUCK

Podemos afirmar, seguramente, que, se Chico Xavier vivesse hoje e rompesse com o bolsonarismo, ele se aproximaria dos ventos "ativistas" simbolizados pelo movimento Renova BR, dentro de um espírito supostamente humanitário que começa a virar moda através de fenômenos como Greta Thunberg, adolescente que supostamente milita pelo ambientalismo, e a brasileira Tábata Amaral, patrocinada pelo homem mais rico do Brasil segundo a Forbes, o dono da Ambev Jorge Paulo Lemann.

Chico Xavier foi moldado como pretenso filantropo aos moldes que hoje se faz com Luciano Huck, apresentador de TV, empresário e um dos líderes do Renova BR. Muitos acham que a suposta caridade de Chico Xavier é uma "unanimidade", mas ela nunca trouxe resultados concretos, a ideia de que "o médium ajudou milhares de pessoas" é desprovida de qualquer fundamento e se expressa por palavras vagas e ideias superficiais.

Essa ideia de "caridade" de Chico Xavier foi plantada pela Rede Globo de Televisão com um discurso importado de Malcolm Muggeridge. Além disso, esse mito foi sustentado também por livros de pessoas solidárias, mas sem muita expressividade na sociedade, jornalistas e escritores inexpressivos, de baixa reputação, mas que buscam a "credibilidade absoluta" através de livros de "lindas estórias", "lindos casos", "vivências íntimas" e "amizades profundas" com Chico Xavier.

Se essa "caridade", repetimos, tivesse funcionado, o Brasil não viveria os problemas que vive, e teria alcançado níveis elevados de desenvolvimento. Chico Xavier não idealizou uma cidade próspera em Nosso Lar? E a grandeza a que seus seguidores e simpatizantes lhe atribuem, ela não teria impulsionado o Brasil para um elevado progresso social? Cultua-se Chico Xavier até o extremo, mas o Brasil nunca progrediu em função dessa beatitude mais ou menos assumida.

As afinidades dos mitos de Chico Xavier e Luciano Huck, trabalhados de maneira publicitária pela Rede Globo de Televisão (o mito "filantropo" de Chico Xavier vem desde meados dos anos 1970), são praticamente totais, apenas diferindo detalhes pessoais e contextos específicos. Huck é admirador confesso de Chico Xavier, a ponto de realizar uma edição do Lata Velha, um dos quadros "assistenciais" do Caldeirão do Huck, nas cidades de Pedro Leopoldo, terra natal do "médium", e Uberaba, cidade onde o religioso passou suas últimas quatro décadas.

O "ativismo" conservador de Chico Xavier encontra ressonância nos movimentos "ativistas" que lembram muito o "humanismo de fachada" do biênio 1989-1990, com as propagandas "étnicas" da Benetton, a queda do Muro de Berlim e a utopia da globalização. Com base nessa mitologia "liberal" da "nova era" - que num contexto mais específico, também foi expresso na "filantropia" do Live Aid, em 1985 - , se estabelece uma "caridade" de resultados medíocres, mas com muito protagonismo dado aos supostos benfeitores.

A "caridade" de Chico Xavier sempre foi medíocre. Isso é fato, até porque seus seguidores têm muita dificuldade de trazer dados precisos sobre essa "caridade". Vivem apenas na especulação emocional e no uso de desculpas esfarrapadas que parecem mais preocupadas em proteger a reputação do "médium" do que para confirmar resultados de sua suposta filantropia.

A ideia de Assistencialismo (caridade meramente paliativa, de resultados medíocres) é um dos problemas a serem identificados em breve pelo pensamento progressista. Luciano Huck talvez venha a "explicar" o quão medíocre foi a "caridade" de Chico Xavier, mostrando uma "filantropia" que evita mexer nos privilégios dos mais ricos.

Devemos lembrar que colunistas sociais que reportam os ricos e famosos, como Amaury Júnior e Joyce Pascowitch, apreciam os "médiuns espíritas", e com certeza dão muita consideração a Chico Xavier. Este foi uma Tábata Amaral do seu tempo, sendo desenvolvido, como mito filantrópico, através de um opulento respaldo do empresariado que precisa fabricar "ativistas sociais" para evitar que as forças progressistas tirem o poder das forças conservadoras.

Se as esquerdas, ingenuamente, acreditaram em Chico Xavier, é porque elas mesmas foram educadas por uma mídia conservadora que, na época em que o mito do "médium caridoso" foi desenvolvido, detinha supremacia absoluta, não havendo a possibilidade da Internet nem de uma mídia alternativa de grandiosa expressão. Paciência, muitos esquerdistas se "educaram" vendo muita Rede Globo e muita TV aberta (como Programa Sílvio Santos), não percebendo que o entretenimento também fazia parte de um contexto conservador, como na política e na economia.

O que se garante é que, a exemplo do que as religiões evangélicas neopentecostais (Igreja Universal do Reino de Deus e Assembleia de Deus) no bolsonarismo, o "movimento espírita" exercerá seu protagonismo num cenário de centro-direita "paz e amor", a ser simbolizada pela virtual candidatura de Luciano Huck à Presidência da República. A aproximação do "espiritismo" brasileiro para o Renova BR e a concordância de pautas positivas de Chico Xavier com a centro-direita podem confirmar esse provável protagonismo.

A grande certeza, para desespero dos progressistas que ainda acreditam em Chico Xavier, é uma frase que emula aquela famosa frase dele sobre o ateísmo: "Os esquerdistas acreditam em Chico Xavier, mas Chico Xavier não acredita nos esquerdistas". Lembremos do que ele disse no Pinga-Fogo para milhões de brasileiros de ontem, hoje e amanhã.