Como Chico Xavier realizava seus plagios?


FOTO DE JEAN MANZON MOSTRA CHICO XAVIER FAZENDO ANOTAÇÕES PARA FUTUROS PLÁGIOS LITERÁRIOS.

Oficialmente, Francisco Cândido Xavier era um sujeito de baixa instrução, que atraiu os mais diversos espíritos de elevado nível intelectual e moral que o utilizaram para transmitir mensagens produzidas no além-túmulo. A alegação é narrada em um tom que parece sublime, mas é bom demais que isso seja verdade, pois não há razão que sustente isso, mesmo com todo relativismo e concessões nos argumentos.

Só que o mito de Chico Xavier e essas atribuições é fantástico demais para nossa realidade, sendo uma combinação de sensacionalismo, misticismo e beatitude religiosa em padrões medievais. A sociedade brasileira ainda conta com muitos resíduos ideológicos e morais da Idade Média, latentes até mesmo em pessoas que se dizem "avançadas", "esclarecidas", "progressistas" ou mesmo "de esquerda", mas que em dado momento compartilham de valores rigorosamente conservadores.

Daí que se aceita essa "psicografia" cheia de irregularidades, onde as supostas mensagens atribuídas a espíritos mortos, famosos ou não, destoam sempre de aspectos pessoais que as respectivas pessoas deixaram em vida, e mesmo mudanças que se pode cogitar no além-túmulo fogem de qualquer contexto plausível.

Por exemplo, um sujeito que fumou muito na vida e, de repente, morre de infarto pode, no além-túmulo, se tornar um anti-tabagista convicto. Mas não faz sentido um escritor como Humberto de Campos, com escrita bem feita, linguagem acessível, temática laica e diversificada, se converter num melancólico beato igrejeiro e moralista, com uma escrita bastante pesada, forçadamente culta, muito cansativa de se ler.

Não nos faz sentido que espíritos que, depois que deixam o peso da matéria corporal, tenham justamente que perder seus talentos, escrever sem muita inspiração, pesando as "mãos perispirituais" com obras cansativas que não lembram o legado deixado em vida. Atribuições como "o espírito ficou nervoso ao escrever mensagens de amor" e "o espírito ficou tão empolgado que esqueceu seu talento", ou então "o sujeito doou seu talento para a caridade", soam completamente idiotas.

Há várias provas de que Chico Xavier fez plágios literários. Mas devemos prestar muita atenção. Ele nunca fez os plágios sozinho. Ele realizou plágios com ajuda de outros espíritos, só que de gente encarnada de seu tempo, que, no vigor de sua produção literária, pode ser enumerado da seguinte forma:

1) O PRESIDENTE DA "FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA" - Antônio Wantuil de Freitas foi co-autor das "psicografias" de Chico Xavier. Podemos reconhecer o "estilo Wantuil" em passagens dos livros "mediúnicos" que apontam um conteúdo mais intelectualizado, onde há menções de assuntos científicos ou políticos, numa linguagem mais erudita do que o discurso empolado do "médium". Nas obras que levam o nome de Humberto de Campos e Irmão X, a verdadeira autoria vem das próprias mentes de Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas que, além de presidente da "Federação Espírita Brasileira", atuava como dublê de empresário do "médium";

2) COLABORADORES INFLUENTES DENTRO DA FEB - Há depoimentos e documentos que comprovam que a "psicografia" de Chico Xavier sofria revisões. Sim, falamos em revisões e não exames, o que é estranho, pois obras trazidas do mundo espiritual não poderiam sofrer alteração, até pela suposição de que elas tenham sido "enviadas por benfeitores espirituais". Nomes como Manuel Quintão, Luís da Costa Porto Carreiro Neto, ambos da cúpula da FEB, e o jovem discípulo Waldo Vieira são creditados entre aqueles que intervinham nas "psicografias" de Chico Xavier.

3) COLABORADORES MENORES DENTRO DA FEB - Os colaboradores menores são redatores e revisores de menor status, que atuam como empregados na FEB. São quase sempre jovens que, começando no seu ofício, são incumbidos de fazer revisões e correções, como auxiliares, ajudando os dirigentes "espíritas" no trabalho de "criação" dos livros "mediúnicos". Esses jovens atuam na Editora da FEB, e são orientados a manter sigilo absoluto nos trabalhos a serem feitos nas revisões e correções, se limitando apenas a assumir publicamente trabalhos como escrever textos para o periódico Reformador, entre outros textos, inclusive publicitários, da editora.

4) CONSULTORES LITERÁRIOS - Além da equipe editorial da FEB, que envolve dirigentes e seus empregados, pessoas que entendem de literatura e possuem boas relações com editores da FEB - é bom notar que a federação exerce, até hoje, um lobby fortíssimo no mercado literário - , colaboram prestando consultoria literária para a editora. Através dessa consultoria, são dados subsídios para que Chico Xavier explorasse determinado estilo literário, com ajuda de seus co-autores terrenos.

Uma conhecida derrapada foi denunciada por Osório Borba, no Diário de Minas de 10 de agosto de 1958:

"Os poetas ‘desencarnados’ se repetem e se parodiam, a todo momento, nos trabalhos que lhes atribuem ‘mediunicamente’. Por exemplo Antero de Quental plagiando (!) em ideia e até em detalhes, literalmente um soneto de Augusto dos Anjos".

O exemplo dado por Osório foi o poema "Número Infinito", que correção posterior mudou o crédito de Antero de Quental para Augusto dos Anjos, só para conter a gafe. Mesmo assim, o plágio mostra que o texto "mediúnico" não passa de um pastiche do poema original, conforme verificamos a seguir:

NÚMERO INFINITO

Atribuído ao espírito de Augusto dos Anjos, embora, inicialmente, tenha sido creditado a Augusto dos Anjos. Presente em Parnaso de Além-Túmulo, de Francisco Cândido Xavier, Ed. FEB, da 1ª à 5a edições (1932, 1935, 1939, 1944 e 1945)

Sístoles e diástoles derradeiras
No hirto peito, rígido e gelado;
E eu via o Último Número extenuado,
Estertorando sobre as montureiras.

Interregno, escuridão, ânsia e inferneiras;
Depois o ar, o oxigênio eterizado,
E depois do oxigênio o ilimitado
Resplendente clarão de horas primeiras.

Busquei a última visão das vistas foscas
O Derradeiro Número entre as moscas,
À camada telúrica adstrito;

E eu, vítima dútil da desgraça,
Vi que cada minuto que se passa
É a nova luz do Número Infinito.

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O ÚLTIMO NÚMERO - Augusto dos Anjos (do livro Eu e Outras Poesias, 1920)

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A Idéia estertorava-se... No fundo
Do meu entendimento moribundo
Jazia o último Número cansado.

Era de vê-lo, imóvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre do Incriado:

Bradei: - Que fazes ainda no meu crânio?
E o Último Número, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: "E tarde, amigo!

Pois que a minha antogênica Grandeza
Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais! Morro contigo!

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Quanto ao plágio de Chico Xavier, ele, com a ajuda de seus colaboradores acima citados, costuma escrever de maneira diferente os textos, para evitar a cópia descarada. Nos dois poemas acima mostrados, nota-se a semelhança de estilo em níveis superficiais, como numa daquelas paródias em que o satírico tenta reproduzir com aparente fidelidade o alvo de sua imitação.

Escrever sonetos são coisas fáceis, desde que não se leve em conta as nuances individuais, como num Olavo Bilac original. Mas mesmo os "poemas mais difíceis" supostamente psicografados refletem a ação fraudulenta por uma ação coletiva.

A FEB usou a tese de que Chico Xavier "fazia tudo sozinho" para criar uma falsa "sinuca de bico" em favor do suposto médium. Com base nessa ideia duvidosa, se colocavam duas teses opostas:

1) Se Chico Xavier era um plagiador, teria sido bastante sofisticado, porque, segundo esta tese, ele seria capaz de imitar os mais diversos estilos literários;

2) Se Chico Xavier não era um plagiador, ele seria um porta-voz de grandes escritores, apesar de sua modesta escolaridade.

Antônio Wantuil de Freitas inventou essa mentira para livrar ele e outros dirigentes da FEB de responsabilidade pelas "psicografias". Mas muitas denúncias, que chegaram ao conhecimento de jornalistas católicos como Alceu Amoroso Lima, ironicamente citado em textos de apresentação de poetas "incluídos" em Parnaso de Além-Túmulo, revelam que Chico Xavier era ajudado por espíritos, não os do além, mas os da Terra, para suas "psicografias".

Por ironia, um "fogo amigo" revelou a atuação de colaboradores dentro da FEB, através de uma carta que Chico Xavier escreveu para Wantuil, em 03 de maio de 1947, em virtude da sexta edição de Parnaso de Além-Túmulo (a definitiva, publicada em 1955), e que agradecia ao "doutor Porto Carreiro" (Luís da Costa Porto Carreiro Neto) a revisão dos originais para a nova edição. A revelação foi publicada, sem querer, no livro da "médium" e amiga de Chico Xavier, Suely Caldas Schubert, Testemunhos de Chico Xavier, lançado originalmente em 1981:

"Grato pelos teus apontamentos alusivos ao “Parnaso” para a próxima edição. Faltam-me competência e possibilidade para cooperar numa revisão meticulosa, motivo pelo qual o teu propósito de fazer esse trabalho com a colaboração do nosso estimado Dr. Porto Carreiro é uma iniciativa feliz. Na ocasião em que o serviço estiver pronto, se puderes me proporcionar a 'vista ligeira' de um volume corrigido, ficarei muito contente, pois isso dará oportunidade de ouvir os
Amigos Espirituais, em algum ponto de maior ou menor dúvida".

Nota-se que "Amigos Espirituais" pode ser uma senha secreta que só Xavier e Wantuil devem saber, porque existem dúvidas de que a "psicografia" fosse verdadeira. Houve até rumores de que a "psicografia" de Chico Xavier teria sido "autêntica", mas era desfigurada por editores da FEB. Essa tese não tem o menor sentido, porque criaria, entre o "médium" e a FEB, um conflito que confirmadamente nunca existiu.

O que prova, em verdade, que Chico Xavier participou de fraudes, realizou plágios e pastiches literários, mas não o fez sozinho. Ele tem sua responsabilidade direta pelas fraudes, mas houve outros envolvidos, o que não minimiza a situação do "médium", muito pelo contrário. Todos os envolvidos são igualmente responsáveis pelas fraudes literárias que, se aproveitando da ignorância dos brasileiros quanto à paranormalidade, se passaram por "mensagens de benfeitores espirituais". Enganar as pessoas assim, usando a falácia das "mensagens cristãs", é uma imoralidade.