Como se iniciou a blindagem de Chico Xavier?

CHICO XAVIER E AÉCIO NEVES - ADMIRAÇÃO MÚTUA E O PRIVILÉGIO DA BLINDAGEM.
O "espiritismo" brasileiro é uma espécie de PSDB da religião. A cobertura da religião pela imprensa hegemônica chega a ser parcial de tão chapa-branca. Não se informa sequer que o Espiritismo francês foi deturpado pela sua suposta adaptação brasileira. Os desvios doutrinários do "movimento espírita" no Brasil - a partir da própria trajetória de Francisco Cândido Xavier - , assim como a "privataria" tucana, recebem o silêncio absoluto de nossos jornalistas.
Talvez a blindagem do "espiritismo" brasileiro seja ainda maior que a do PSDB, porque, pelo menos, os tucanos, como são conhecidos os políticos do Partido da Social Democracia Brasileira - que, apesar do nome, segue linha neoliberal e é o maior partido de centro-direita brasileiro - , são tratados como "vidraça" na Internet. "Vidraça" é uma gíria na qual uma pessoa é alvo de atos de repúdio bastante agressivos, além de outras penalidades.
O Brasil é um país jovem e a idolatria religiosa recebe a blindagem mais absoluta, de forma que a Fé cria seu terreno onde se pode fazer literatura fake que é socialmente aceita e estimulada, sob a condição de transmitir sempre mensagens "cristãs". Sob este pretexto, se abre mão da Razão, da Lógica ou mesmo da Ética, porque é permitido alguém se passar por uma outra pessoa e sair impune porque as mensagens forjadas apresentam conteúdo religioso.
Observamos que o livro Parnaso de Além-Túmulo deveria ter sido invalidado, cortando o mal pela raiz. A obra traz uma série de estranhezas, vista à luz da Razão. Nenhuma tese que tente validar, autenticar ou legitimar o primeiro livro "psicográfico" de Chico Xavier se sustenta com argumentação segura, objetiva e, acima de tudo, lógica. As teorias que tentam esses objetivos são meramente especulativas e, em que pese o verniz da "imparcialidade", bastante subjetivas.
A partir desse livro, surgiram conveniências diversas que blindaram Chico Xavier sob diversas formas. Ele se livrou da cadeia, seu sobrinho foi morto, e o "médium" de Pedro Leopoldo - que, como um covarde, saiu de sua terra natal "com a roupa no corpo" para se mudar para Uberaba, onde trabalhava eventualmente, para viver seu resto de vida - , e até a defesa da ditadura militar, apesar de explícita e convicta, foi relativizada por seus seguidores.

CRÍTICOS DA DETURPAÇÃO ESPÍRITA FIZERAM MONTAGEM SATIRIZANDO A BLINDAGEM DADA AOS "MÉDIUNS".
Chico Xavier é comparado, conforme o contexto, com várias personalidades associadas, de certa forma, ao conservadorismo ideológico. Isso se deve pelo fato de compararmos suas ideias e práticas com as de cada personalidade, seja, por exemplo, Jair Bolsonaro ou, então, Luciano Huck.
Uma das comparações mais típicas é com o político Aécio Neves. E o mais curioso é que Aécio, neto de Tancredo Neves - um dos nomes comumente usados para supostas psicografias - , tanto é admirador de Chico Xavier, colaborando pela criação de um prêmio chamado "Comenda Chico Xavier", para ações consideradas filantrópicas, quanto o "médium" admirava ele, por vê-lo como o "político mineiro" dos sonhos, se encaixando em uma "profecia" de 1952 (que, do contrário que muitos pensam, não se dirigiu a uma personalidade hoje em evidência).
Aécio Neves visitou Chico Xavier no fim da vida e trocaram gentilezas. Nos últimos anos, Chico Xavier sentia simpatia pelo PSDB, ele que apoiou Fernando Collor contra a Lula na campanha presidencial de 1989. Na ocasião do falecimento e velório do "médium", Aécio Neves deu dois depoimentos registrados pela imprensa, em julho de 2002. Vejamos:
"Chico Xavier é uma referência única de trabalho e solidariedade não só para os mineiros, mas para todos os brasileiros. Mesmo estando em estágio avançado de sua doença, ele continuava recebendo peregrinos que viajavam para encontrá-lo. Ele será sempre um exemplo de vida e humanidade muito importante. Ele era uma figura muito confortadora para todos, independente da religião de cada um".
“Em sua grandiosa simplicidade, ele será sempre uma referência para todos que, de alguma forma, têm responsabilidade pública. Minas, o Brasil, o mundo ficou menor com a morte de Chico Xavier”

WANTUIL, MUGGERIDGE, CHATEAUBRIAND E MARINHO - OS HOMENS QUE "SANTIFICARAM" CHICO XAVIER.
E como se deu a blindagem a Chico Xavier? Ela ocorreu em diversas fases e envolveu vários indivíduos. A primeira blindagem se deu por iniciativa do presidente da "Federação Espírita Brasileira", Antônio Wantuil de Freitas, que atuava como dublê de empresário do "médium".
Foi ele que, com a habilidade de um empresário de um popstar, ele transformou o irregular "médium" num ídolo religioso, a partir da imagem pitoresca de um suposto paranormal. Foi Wantuil que combinou com Chico Xavier que ele usaria nomes literários para supostas psicografias, para estimular a venda de livros.
Chico Xavier começou como aspirante a poeta, e em 1930 teve seus primeiros poemas lançados no Jornal das Moças. Os poemas eram creditados a ele mesmo mas, por recomendação de Wantuil, eles teriam sido posteriormente creditados, tendenciosamente, a autores espirituais, no caso escritores famosos, para assim criar um apelo fabuloso que pudesse fazer dos livros produzidos um fenômeno de vendas, pelo sensacionalismo de apresentar mensagens "ditadas pelos mortos no além-túmulo".
Parnaso de Além-Túmulo até forçou a barra, com tantos nomes de escritores envolvidos. Poderia apresentar um único poeta ou escritor, mas escolheu-se uma coletividade de escritores, talvez para atrair os mais diversos leitores. Mas é bom demais para ser verdade que vários escritores se sentissem atraídos por um caipira de Pedro Leopoldo para transmitir mensagens "sublimes". Mas a lorota funcionou e funciona até hoje, dando início à blindagem que, mesmo postumamente, continua valendo para Chico Xavier.
Wantuil livrou Chico Xavier de qualquer encrenca. O presidente da FEB iniciou um lobby envolvendo jornalistas, editores de livros, juristas, e por isso conseguiu criar uma rede de protetores de seu cliente Chico Xavier, com um esquema de blindagem de fazer inveja ao tucano mais intocável.
Pois Chico Xavier tornou-se, nas mãos de Wantuil, um "intocável", e no tempo do presidente da FEB, o lobby também se apressou a ser desenvolvido com a ajuda de Assis Chateaubriand, dos Diários Associados. Chatô colaborou muito com a blindagem, embora haja jornalistas desconfiados com a figura pitoresca do "médium" trabalhando na revista O Cruzeiro, a partir da própria dupla David Nasser e o fotógrafo francês radicado no Brasil, Jean Manzon.
Com a aposentadoria de Wantuil e sua posterior morte, Chico Xavier ganhou nova blindagem no fim dos anos 1970. A essas alturas Chatô também morreu, anos antes, e o espólio dos Diários Associados teve que diminuir com a extinção da rede de televisão Tupi, ironicamente poucos anos após a transmissão da novela A Viagem, livre adaptação da dramaturga Ivani Ribeiro da obra Nosso Lar, de Chico Xavier.
Entraram em ação as Organizações Globo, na pessoa de Roberto Marinho, que resolveu, através de seus noticiários, enfatizar a imagem de "filantropo" de Chico Xavier, minimizando aspectos pitorescos, porque a campanha de Wantuil em favor do "médium" enfatizava aspectos sensacionalistas, e a ideia é eliminar a imagem polêmica do beato que vivia em Uberaba.
A inspiração dessa nova campanha, que concebeu a imagem de Chico Xavier que é adotada por seus seguidores e adeptos, mesmo "não-espíritas", atualmente, é o roteiro que o jornalista inglês Malcolm Muggeridge fez para "limpar" a imagem da beata armênia Madre Teresa de Calcutá, considerada reacionária e desumana, acusada de deixar seus alojados nas casas da sua organização Missionárias da Caridade, na cidade de Calcutá, Índia, em condições sub-humanas, expostos ao contágio de doenças graves e à contaminação por falta de higiene.
Muggeridge, um católico conservador e acusado de ser colaborador da CIA (Central Intelligence Agency, órgão de informação do governo dos EUA), realizou, em 1969, um documentário intitulado Algo Bonito Para Deus (Something Beautiful For God), no qual descrevia Madre Teresa como "santa viva", e abordava seus atos de mero Assistencialismo como se fossem "ações de profunda caridade".
O discurso de Muggeridge, pelos apelos de aparente beleza, funcionou e Madre Teresa virou um suposto paradigma de "bondade humana". E o mesmo discurso de Muggeridge era trabalhado pela Rede Globo, no final dos anos 1970, a partir de jornalísticos como Globo Repórter e Fantástico, para fazer o mesmo com Chico Xavier.
A partir daí, supostos símbolos de caridade eram desenvolvidos, a partir de apelos meramente emocionais e fundamentados na estratégia falaciosa do "bombardeio de amor", uma forma extrema do chamado "canto da sereia", onde se domina as pessoas mais ingênuas através da perigosa tática de forjar profunda beleza e afetividade. Ela é perigosa porque é capaz de dominar instintos emocionais com uma habilidade traiçoeira que não é percebida pelas vítimas.
Chico Xavier era usado estrategicamente para neutralizar outros fenômenos. A ditadura militar se aliou à Rede Globo na construção da "imagem caridosa" de Chico Xavier para evitar que verdadeiros ativistas sociais - como o líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, depois presidente do Brasil - se tornassem populares.
A ideia é fazer Chico Xavier um pretenso ativista, mas em moldes bastante conservadores. Algo que a Rede Globo faz com Luciano Huck e seus quadros "sociais" no Caldeirão do Huck. Em outra oportunidade detalharemos isso.
Outro objetivo era da Rede Globo, em criar um ídolo religioso que servisse de solução diversionista para anestesiar o povo diante da indignação pela crise do período militar. Os apelos de Chico Xavier para aceitar o sofrimento em silêncio e sem queixumes, que o faziam um baluarte do pensamento conservador brasileiro, eram bem conhecidos e a Globo se utilizou desse apelo para promover idolatria religiosa, até para concorrer com os pastores evangélicos das emissoras concorrentes.
Nessa época, se ascenderam, também, Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, e Romildo Ribeiro Soares, o R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, principais seitas evangélicas de tendência "neopentecostal", ao lado da Assembleia de Deus, que arrendavam horários em emissoras de rádio e TV para obter popularidade.
Evidentemente, a Globo, católica, não podia usar um padre para fazer concorrência, porque isso seria escancarar a disputa e, além disso, a emissora de Roberto Marinho era, por lei, considerada laica, sendo uma concessão de radiodifusão que não se comprometeu em priorizar a pregação religiosa. Dessa forma, Chico Xavier encaixava na estratégia de promover a idolatria religiosa de maneira disfarçada, porque o "espiritismo" brasileiro se autoproclama "uma filosofia" e o "médium" poderia ser promovido de forma "ecumênica" e difundido como um "mero ativista social".
Chico Xavier teve, na sua mitificação montada pela Rede Globo, a sua blindagem reforçada, porque nos tempos de Wantuil ele enfrentava a resistência de críticos literários e jornalistas, como Osório Borba e Attila Paes Barreto. Com a imagem "limpa" do roteiro inspirado em Malcolm Muggeridge, a Globo fez de Chico Xavier uma pretensa unanimidade, diante de um cenário de profunda ignorância do povo com os problemas da paranormalidade.
Assim, Chico Xavier pôde ser promovido, de um autor de pastiches literários, a alguém próximo a um semi-deus, ou, como dizem muitos, a um vice-deus, simbolizando a histeria das paixões religiosas, com sua emotividade extrema e tóxica, de pessoas que não conseguem ser bondosas por conta própria e precisam de supostos símbolos de "bondade e amor ao próximo" para adoração, por mais que esses símbolos apresentem aspectos duvidosos para tamanhos méritos.