Divaldo Franco, o discípulo tão arrivista quanto Chico Xavier - I

DIVALDO FRANCO - DOS PRIMÓRDIOS COM CHICO XAVIER E APOIANDO A ESTRANHA FARINATA DO TUCANO JOÃO DÓRIA JR.
Foi lançado o filme dramatizado Divaldo - O Mensageiro da Paz, dirigido e roteirizado por Clóvis Mello e baseado no livro biográfico Divaldo Franco: A Trajetória de Um dos Maiores Médiuns de Todos os Tempos, de Ana Landi.
Co-produzido pela Fox Films do Brasil e patrocinado informalmente pela Globo Filmes, o longa-metragem tem diversos astros conhecidos da dramaturgia da Rede Globo, a começar por Bruno Garcia, ator que faz o papel de Divaldo Franco adulto. A produção visa blindar o "médium" de trajetória tão irregular quanto Francisco Cândido Xavier, e como este também contribuiu para a preocupante deturpação do Espiritismo, reduzindo-o a um sub-Catolicismo de moldes medievais.
A história de Divaldo Pereira Franco pode se resumir assim. Ele nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 1927, alegou ser "médium" a partir dos quatro anos, foi obsediado por um tal "Máscara de Ferro", até que realizou um ato de aparente caridade que amansou o espírito, e depois passou a ser orientado pelo espírito da suposta Joana Angélica, conhecida como Joana de Angelis, que no referido filme de Clóvis Mello é encenado pela famosíssima Regiane Alves.
Divaldo fundou, em 1952, na Cidade Baixa de Salvador, Bahia, a Mansão do Caminho, com seu primo Nilson Pereira, já falecido, e anos depois as instalações foram transferidas para a atual sede em Pau da Lima, nas proximidades da Estrada Velha do Aeroporto. Divaldo é tido como "mensageiro da paz" por conta de suas pomposas palestras realizadas no Brasil e no mundo.
Divaldo Franco, assim como Chico Xavier, não são pessoas confiáveis. Ambos podem ser considerados "inimigos internos" da Doutrina Espírita, se as pessoas não fossem melindrosas com ídolos religiosos. Isso porque ambos, nos conjuntos de suas respectivas obras, cometeram desvios doutrinários que já haviam sido previamente alertados em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, com muitas décadas de antecedência.
Divaldo é considerado discípulo de Chico Xavier, mas houve uma época em que os dois quase viraram desafetos. O dirigente "espírita" Luciano dos Anjos, da "Federação Espírita Brasileira", denunciou que Divaldo havia plagiado Chico Xavier em vários textos, plágios que foram publicados no livro do denunciante, A Anti-História das Mensagens Co-Piadas.
Algumas amostras desse plágio - lembrando que Chico Xavier já era um plagiador (e com inúmeros colaboradores na FEB) podem ser obtidas abaixo, depois de mencionarmos a carta de Chico Xavier em 1962 e a réplica de Divaldo na reportagem feita pelo Fantástico da Rede Globo, em 29 de fevereiro de 2004 (curiosamente, um dia de ano bissexto!):
"Há muito tempo que diversas mensagens recebidas por mim vinham na imprensa espírita desfiguradas ou, às vezes, plenamente copiadas, como tendo sido recebidas por ele (Divaldo). Peço reserva sobre esta carta, que deve ser lida somente para os que possam compreendê-la com espírito de compreensão fraterna". (Chico Xavier)
E Divaldo, alegando que havia o "fenômeno da corroboração" para explicar o plágio:
"O espiritismo explica que uma mensagem tem valor quando ela é recebida por diversos médiuns sem que eles tenham contato uns com os outros. Isso se chama ‘universalidade do ensinamento’. E eu psicografei essas mensagens sem nunca haver copiado ou me louvado em qualquer uma delas. À época, eu lia as mensagens do Chico Xavier como todo os brasileiros espíritas. Líamos com muito ardor, com muito interesse. Era natural, pois ele era o nosso líder. Se houve realmente qualquer manifestação de identidade, deve ter sido ou traição do inconsciente ou um fenômeno de corroboração". (Divaldo Franco)
Então tá. Vamos aos plágios:
UM DIA
Francisco Cândido Xavier - Atribuído ao espírito Isabel de Castro. FEB, 1951
Um dia, Sócrates deliberou sair de si mesmo, apresentando alguns aspectos da verdade, e imortalizou-se.
Um dia, Colombo resolveu empreender a viagem ao Mundo Novo e desvelou o caminho para a América.
A gloriosa missão de Jesus começou para os homens no dia da Manjedoura.
O ministério dos Apóstolos foi definitivamente homologado pelos Poderes Divinos no dia de Pentecostes.
Tudo no Universo começa num dia.
O bem e o mal, a felicidade e o infortúnio, a alegria e a dor, invocados por nossa alma, guardam o exato momento de início.
Quando plantamos, sabemos que a produção surgirá certo dia. Se encetamos uma jornada, não ignoramos que, em certo momento, ela terminará.
Um dia criamos, um dia recolheremos.
Não olvides, porém, que a semente não germinará sem cuidado, em tua quinta.
Se deres teu dia à erva ingrata, ela se alastrará, sufocando-te o horto amigo. Se abandonares teus minutos aos vermes daninhos, multiplicar-se-ão eles, indefinidamente, impedindo a colheita.
Ocupa-te com o dia, de olhos voltados para a eternidade.
Das resoluções de uma hora podem sobrevir acontecimentos para mil anos.
Tudo depende de tua atitude na intimidade do tempo.
Judas era um discípulo fiel a Jesus, mas, um dia, acreditou mais no poder frágil da Terra que na administração do Céu, e traiu a si mesmo.
Madalena era estranha mulher, possessa de sete demônios; um dia, no entanto, ofereceu-se à virtude e inscreveu seu nome na História, figurando no cânone das almas inesquecíveis.
O amanhã será o que hoje projetamos.
Alcançarás o que procuras.
Serás o que desejas.
Acorda para a realidade do momento e amontoa bênçãos pelos serviços que prestaste e pelo conhecimento que difundiste em tuas horas.
O Tempo é o rio da vida cujas águas nos devolvem o que lhe atiramos.
Enquanto dispões das horas de trabalho, dedica-te às boas obras.
Se acreditas no bem e a ele atendes, cedo atingirás a messe da felicidade perfeita; mas se agora mofas do dia, entre a indiferença e o sarcasmo, guarda a certeza de que, a seu turno, o dia se rirá de ti.
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UM DIA
Divaldo Pereira Franco - Atribuído ao espírito Vianna de Carvalho. FEB, 1962.
Um dia em que tomava banho, percebeu Arquimedes que os seus membros, mergulhados na água, perdiam considerável parte do seu peso, descobrindo, então, o princípio que o imortalizou.
Um dia, observando a queda de u’a maçã, Newton abriu as portas do pensamento para as leis da gravitação universal.
Um dia, resolvendo lutar contra o pessimismo das cortes europeias e do povo, Colombo descobriu a América.
Um dia, após exaustivas experiências, a Sra. Curie descobriu o rádio.
Um dia, insistindo no ideal de bem servir à Humanidade, Zamenhof favoreceu a comunicação entre os povos com a língua Esperanto.
Um dia, Saulo de Tarso, tomado de radical anseio de fé legítima, transformou a concepção da vida e se fez a maior carta-viva do Cristo.
Um dia, resolvendo viver para Jesus, Francisco de Assis fomentou o amor na Terra, renovando a conceituação vigente a respeito da Caridade.
Um dia, Gêngis Khan. disputando brutalidade, fez-se comandante de exércitos bárbaros e apavorou o mundo.
Um dia mentiste e todo um programa nefando teve início.
Um dia prometeste, olvidando logo mais a palavra empenhada, e o caráter foi afetado.
Um dia resolveste ajudar e uma vida nova começou.
Em todas as vidas existe sempre um dia, antecedendo a transformação do homem.
Um dia que dá origem a outros dias; um êxito que produz outros êxitos; um dano que assinala outros desvarios.
Examina teus pensamentos e atitudes cada dia. Age, mas pensa com cuidado.
Um dia, que pode ser hoje, dispõe-te à transformação para melhor, e assinalarás uma alegria estranha na tua existência.
Se num dia planejas o mal, logo sintonizas com os Espíritos maléficos que se comprazem com a leviandade e o crime.
Se num dia pensas o bem, cobrarás alento novo para fixar os marcos positivos do trabalho, afinando-te com as Inteligências superiores.
Pensa no dever, um dia, e, logo no dia seguinte, o pensamento nobre voltará ao teu cérebro.
Fixa a ilusão mentirosa e despertarás amanhã na decepção ultrajante.
Um dia, na vida, pode constituir-se início de um milênio diferente para tua alma.
Como a reflexão é a mãe de todas as virtudes, pensa bem e o teu caminho atravessará o portal de luz para a imortalidade.
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TRABALHA SERVINDO
Francisco Cândido Xavier - atribuído ao espírito Emmanuel - Publicado em A Flama Espírita, 18 de julho de 1959.
A cada momento, o Criador concede a todas as criaturas a benção do trabalho, como serviço edificante, para que aprendam a criar o bem que lhes cria luminoso caminho para a glória na Criação.
Não permitas, portanto, que o repouso excessivo te anule a divina oportunidade.
Assim como o relaxamento é ferrugem na enxada, a benefício do joio que te prejudica a seara, o tempo vazio é flagelo na alma, em favor das energias perniciosas que devastam a vida.
Não há corrosivo da ociosidade que possa resistir aos antídotos da ação.
Não acredites, desse modo, no poder absoluto das circunstâncias adversas, a se mostrarem, constantes, nos eventos da marcha.
Se a injúria te persegue, trabalha servindo, e o sarcasmo far-se-á reconhecimento.
Se a calúnia te apedreja, trabalha servindo, e a ofensa converter-se-á em louvor.
Se a mágoa te alanceia, trabalha servindo, e a dor erguer-se-á por utilidade.
Se o obstáculo te aborrece, trabalha servindo, e o embaraço surgirá por lição.
No trabalho em que possas fazer o melhor para os outros, encontrarás a quitação do passado, as realizações do presente e os créditos do futuro. E é ainda por ele que
conquistarás o respeito dos que te cercam, a riqueza da experiência, a láurea da cultura, o tesouro da simpatia, a solução para o tédio e o socorro a toda dificuldade.
Importa anotar, porém, que há trabalho nas faixas superiores e inferiores do mundo.
Movimento que aprisiona e atividade que liberta, atração para o abismo e impulso para o Céu…
O egoísmo trabalha para si mesmo.
A vaidade trabalha para a ilusão.
A usura trabalha para o azinhavre.
O vício trabalha para o lodo.
A indisciplina trabalha para a desordem.
O pessimismo trabalha para o desânimo.
A rebeldia trabalha para a violência.
A cólera trabalha para a loucura.
A crueldade trabalha para a queda.
O crime trabalha para a morte.
Todas essas monstruosidades do campo moral representam fruto amargo e venenoso de audiências da alma com a inteligência das trevas, no palácio deserto das horas perdidas.
Todavia, o trabalho dos que trabalham servindo chama-se humildade e benevolência, esperança e otimismo, perdão e desinteresse, bondade e tolerância, caridade e amor, e, somente através dele, o espírito caminha, na senda de ascensão, em harmonia com as leis de Deus.
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AMA AJUDANDO
Por Joana de Angelis - Ditado para Divaldo Pereira Franco - publicado em 05 de março de 1960, no Centro Espírita Redenção, em Salvador, Bahia.
A todo instante, o Celeste Pai favorece os homens com as abençoadas dádivas da oportunidade de amar, como o melhor meio de criar o clima de auxilio entre todos, para a glória de fraternidade legitima na terra.
Não deixes, assim, que a indiferença pelos problemas alheios te cerceie a misericordiosa concessão.
Na mesma razão que a negligência é enfermidade da alma a beneficio da preguiça que aniquila a atividade espiritual, a indiferença é flagelo cruel a favor da inutilidade perniciosa que destrói a vida.
Não há veneno de ingratidão que resista aos anseios do perdão.
Desse modo, não acredites nas vozes que se erguem revoltadas, batidas pela tormenta do desespero, preconizando vinditas e ódios.
Se a má vontade te sitia, ama ajudando e converterás a frieza dos corações em sementeira de esperança.
Se a ofensa te perturba, ama ajudando e transformarás o caluniador em amigo na retaguarda.
Se a cólera te segue, ama ajudando e modificarás o clima de ódio em primavera de alegria.
Se o desejo de posse te atormenta, ama ajudando e retificarás as inclinações inferiores, libertando-te da angustia.
Se o remorso caminha contigo, ama ajudando e repara o erro cometido, enquanto é tempo, acendendo luz na consciência.
Se a maldade te injuria, ama ajudando e a suspeita morrerá sem comprovação.
Se o ultraje te ofende, ama ajudando e a dor se vestirá de luz no teu coração.
Oferece as tuas horas ao amor infatigável e embora seja necessário rechaçar as víboras da animalidade nos seus redutos, permanece imperturbável sem desfalecimento e prosseguindo sem receio. Pelo amor desculparás a ignorância e pelo auxílio que movimentares em favor de todos, far-te-ás respeitado pelos que te cercam, porquanto,
através do serviço constante aumentarás o patrimônio do saber e a experiência dilatar-te-á a visão, oferecendo soluções para os problemas que atormentam as almas.
Convém registrar, porém, que o amor está igualmente nas Esferas Superiores do mundo, organizando a vida. Força dinâmica poderosa é movimento que liberta, atração que felicita e vibração que vitaliza. No entanto, nem todos o recebem na mesma intensidade…
O avaro ama o dinheiro aumentando a própria tortura.
O ególatra ama a si mesmo caminhando em solidão.
O vândalo ama a anarquia cavando abismo sob os pés.
O rebelde ama o crime vitalizando a desdita em volta de si.
O dissoluto ama os prazeres aumentando o rio da lama no qual se afoga lentamente.
O colérico ama a desforra que lhe avinagra a existência.
O viciado ama o gozo desequilibrante bebendo a cicuta que o vitimará.
O medroso ama a treva onde se esconde aguardando a loucura.
Todos esses desventurados das aflições da alma refletem a sintonia com as inteligências vingadoras do Além-Túmulo, perdidos na concha sinistra do personalismo destruidor.
Apesar disso, o amor daqueles que te ajudam amando pode ser denominado de compaixão e misericórdia, esquecimento do mal e perdão, piedade e socorro, fazendo-se senda luminosa de Caridade e caminho do Senhor que venceu o mundo servindo e continua amoroso aguardando por nós.
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CARTA DO ALÉM
Por Divaldo Pereira Franco - Atribuído ao espírito Antero B. - "Centro Espírita Caminho da Redenção", Salvador, BA - 19 de junho de 1961 - reproduzido no periódico da FEB, Reformador, em maio de 1962
Meu filho, perdoa-me voltar a tua consciência. Continuo vivo e sei que na tua memória estão impressos, a golpe de remorso implacável, os últimos dias do nosso encontro, e, como tu, também eu não me olvido da nossa despedida.
Lembro-me bem: a dispneia ultrajava-me o corpo vencido, quando te pedi a medicação calmante. Teu olhar, porém, meu filho, quando me trazia o copo, disse-me tudo. Quis recuar; não pude. A tua ansiedade parecia pedir-me que sorvesse o conteúdo do vasilhame em que tuas mãos nervosas pingaram a dose fatal de arsênico. Essa ansiedade, que não tenho conseguido esquecer, imprimiu na mïnh’alma emoções desordenadas e, no momento em que o veneno escorria pelo meu tubo digestivo e o suor descia em bagas, pelo teu rosto, eu me revi moço, como se a aproximação da morte tivesse vencido o tempo e eu recuasse aos primeiros dias do lar. Via-me a reter-te nos meus braços vigorosos, após a partida da tua mãe para o mundo espiritual, procurando ninar-te o sono leve. Lembrei-me das noites que passei debruçado sobre o teu leito de criança, procurando acarinhar-te, esquecido de mim mesmo. Via-te crescer, enquanto desenvolvia uma grande atividade para reunir as moedas que iriam fazer a nossa felicidade no futuro, quando estivesses estuante de mocidade e eu envelhecido. Recordei a educação primorosa que te dava, enquanto as minhas mãos se calejavam no trabalho! Frequentavas a Faculdade de Medicina e, nesse justo momento das lembranças, minha mente se turbilhonou sob a força incoercível dos vapores cruéis, quando me senti desfalecer. Ainda pude concluir, antes do delíquio, que o filho que eu ninara com as minhas mãos assassinava-me para se apossar do cofre forte da nossa casa, onde eu guardava as moedas e as cédulas que sempre foram tuas.
Não morri, meu filho. Não me conseguiste matar. Rompeste somente as roupas velhas e cansadas que me pesavam, que me vergastavam, porque, verdadeiramente, eu morrera muito antes, quando a tua mãe partiu e não mais pude ser feliz... Já, naquele tempo, procurei transfundir a minha vida na tua vida; o amor que a morte me roubara, transferi-o para ti em forma de confiança e alegria, de esperança e júbilo.
Porque te precipitaste, meu filho?
Depois que os tecidos se desfizeram e eu me descobri vivo, pus-me a examinar a própria situação e lembrei-me da história da serpente que picara o peito que a amamentava. Fizeste o mesmo. Assassinaste-me...
Mais tarde, só mais tarde eu pude compreender muito mais. Restava-me de vida física um mês, aproximadamente. A tua precipitação nos arrojou a ambos num abismo insondável, vítima que eras da ambição. Essa mesma ambição que é a geratriz de todos os males. Acompanhei-te, a princípio, tomado por um ódio que me requeimava mais do que o arsênico no estômago. Ódio que me fazia enlouquecer enquanto tuas mãos mergulhavam no dinheiro do meu suor, vendendo as propriedades para gastares no lupanar, seduzido por infeliz mulher que, por sua vez, era escrava de outra mulher desencarnada que te odiava e odeia ainda, e a quem, em vida pregressa, destruíste o lar como agora me destruíste o corpo.
Oh! meu filho! Não suporto mais continuar com esta lembrança, revendo-menas tuas mãos, impotente para reagir e ouvindo a tua voz nervosa,a repetir:“beba meu pai, você vai dormir.’ Não, meu filho. Não dormi,pois o pesadelo continua... Vejo-te, agora, sucumbindo lentamente, dominado pela adversária do passado e utilizo-me deste Correio, por falta de outro, para que a minha voz chegue aos ouvidos do teu coração.
Desperta, meu filho, antes que seja tarde demais. Já te perdoei a mão com que me puniste em nome da justiça indefectível. .. Também eu carregava crimes atrozes de que, num estado de loucura, apressaste o resgate, ignorando que a Lei Divina, oportunamente, se encarregaria de me justiçar... Libertei-me, mas te enrodilhaste numa trama que não podemos prever quando o futuro te libertará.
Desperta, meu filho! Desperta e vivei. Do que vale a cultura numa consciência culposa? Ainda não se passaram duas dezenas de anos, em que a Humanidade presenciou o soçobro das suas mais nobres aquisições, na guerra das civilizações super-alfabetizadas, dirigidas pela ambição que se fez monstro de guerra, transformando homens em abutres, anulando o patrimônio do saber,dizimando cidades, incendiando vilas, assassinando mulheres, crianças e velhinhos indefesos dos povoados humildes,na ânsia sanguessedenta da anarquia.
A cultura não representa tudo. Não adianta o saber num caráter ultrajado. Abre os braços a Fé, volta a Jesus, enquanto é tempo.
Eu sei que a minha voz chegará aos teus ouvidos. Pelo amor de Deus, arrepende-te. Mas não te arrependas na aparência e, sim, rompendo esse silêncio que te levará a loucura, recuperando o tempo perdido e empregando os últimos dias da vida na retificação da tua invigilância.
Filho do meu coração, revejo-te nas minhas mãos, ainda pequenino, quando eu chorava a tua mãe ausente e minhas lágrimas caindo no teu rosto de anjo, indagavas, infantil: “estás chorando,papai?”.Sim, meu filho, continuo chorando. Estou chorando por ti. Volta,pois. Volta,volta ao bem que eu não te soube ensinar. Volta a Jesus, e começa tudo de novo, outra vez,para a nossa felicidade.
O teu,
Antero
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Carta a meu filho
Por Francisco Cândido Xavier - suposta psicofonia atribuída ao espírito "J." - "Centro Espírita Casa do Cinza", Uberaba, MG - 22 de abril de 1959 - Publicado no livro de Xavier e Waldo Vieira, O Espírito da Verdade - Editora da FEB, 1961.
Meu filho, dito esta carta para que você saiba que estou vivo.
Quando você me estendeu a taça envenenada que me liquidou a existência, não pensávamos nisso.
Nem você, nem eu.
A idéia da morte vagueava longe de mim, porque esperava de suas mãos apenas o remédio anestesiante para a minha enxaqueca.
Entendi tudo, porém, quando você, transtornado, cerrou subitamente a porta e exclamou com frieza:
– Morre, velho!
As convulsões que me tomavam de improviso, traumatizavam me a cabeça...
Era como se afiada navalha me cortasse as vísceras num braseiro de dor.
Pude ainda, no entanto, reunir minhas forças em suprema ansiedade e contemplar você, diante de meus olhos.
Suas palavras ressoavam-me aos ouvidos: – “morre, velho!”
Era tudo o que você, alterado e irreconhecível, tinha agora a dizer.
Entretanto, o amor em minh’alma era o mesmo.
Tornei à noite recuada quando o afaguei pela primeira vez.
Sua mãezinha dormia, extenuada...
Pequenino e tenro de encontro ao meu peito, senti em você meu próprio coração a vagir nos braços...
E as recordações desfilaram, sucessivas.
Você, qual passarinho contente a abrigar-se em meu colo, o álbum de fotografias em que sua imagem apresentava desenvolvimento gradativo em todas as posições, as festas de aniversário e os bolos coloridos enfeitados de velas que seus lábios miúdos apagavam sempre numa explosão de alegria... Rememorei nossa velha casa, a princípio humilde e pobre, que o meu suor convertera em larga habitação, rica e farta... Agoniado, recordei incidentes, desde muito esquecidos, nos quais me observava expulsando crianças ternas e maltrapilhas do grande jardim de inverno para que nosso lar fosse apenas seu... Reencontrei-me, trabalhando, qual suarento animal, para que as facilidades do mundo nos atendessem as ilusões e os caprichos...
Em todos os quadros a se me reavivarem na lembrança, era você o grande soberano de nosso pequeno mundo...
O passado continuou a desdobrar-se dentro de mim. Revisei nossa luta para que os livros lhe modificassem a mente, o baldado esforço para que a mocidade se lhe erigisse em alicerce nobre ao futuro... De volta às antigas preocupações que me assaltavam, anotei-lhe, de novo, as extravagâncias contínuas, os aperitivos, os bailes, os prazeres, as companhias desaconselháveis, a rebeldia constante e o carro de luxo com que o presenteei num momento infeliz...
Filho do meu coração, tudo isso revi...
Dera-lhe todo o dinheiro que conseguira ajuntar, mas você desejava o resto.
Nas vascas da morte, vi-o, ainda, mãos ansiosas, arrebatando-me o chaveiro para surripiar as últimas jóias de sua mãe...Vi perfeitamente quando você empalmou o dinheiro, que se mantinha fora de nossa conta bancária, e, porque não podia odiá-lo, orei – talvez com fervor e sinceridade pela primeira vez – rogando a Deus nos abençoasse e compreendendo, tardiamente, que a verdadeira felicidade de nossos filhos reside, antes de tudo, no trabalho e na educação com que lhes venhamos a honrar a vida.
Não dito esta carta para acusá-lo.
Nem de leve me passou pelo pensamento o propósito de anunciar-lhe o nome.
Você continua sangue de meu sangue, coração de meu coração.
Muitas vezes, ouvi dizer que há filhos criminosos, mas entendo hoje que, na maioria das circunstâncias, há, junto deles, pais delinquentes por acreditarem muito mais na força do cofre que na riqueza do espírito, afogando-os, desde cedo, na sombra da preguiça e no vício da ingratidão.
Não venho falar, assim, unicamente a você, porque seu erro é o meu erro igualmente. Falo também a outros pais, companheiros meus de esperança, para que se precatem contra o demônio do ouro desnecessário, porque todo ouro desnecessário, quando não busca o conselho da caridade, é tentação à loucura.
Há quem diga que somente as mães sabem amar e, realmente, o regaço materno é uma bênção do paraíso. Entretanto, meu filho, os pais também amam e, por amar imensamente a você, dirijo-lhe a presente mensagem, afirmando-lhe estar em prece para que a nossa falta encontre socorro e tolerância nos tribunais da Divina Justiça, aos quais rogo me concedam, algum dia, a felicidade de tê-lo novamente ao meu lado, por retrato vivo de meu carinho... Então nós dois juntos, de passo acertado no trabalho e no bem, aprenderemos, enfim, como servir ao mundo, servindo a Deus.
J.