Linha do tempo da fabricação do mito de Chico Xavier


JUNTOS, ANTÔNIO WANTUIL DE FREITAS E MALCOLM MUGGERIDGE AJUDARAM A CONSTRUIR O MITO DE CHICO XAVIER QUE O BRASILEIRO TANTO GOSTA.

Vamos construir a linha do tempo da fabricação do mito de Chico Xavier, cujo nome formal era Francisco Cândido Xavier (antes Francisco de Paula Cândido, nome de batismo), do pitoresco suposto paranormal ao semi-deus:

1931 

- Antônio Wantuil de Freitas, presidente da "Federação Espírita Brasileira", conhece um jovem poeta, que se dizia paranormal, chamado Francisco Cândido Xavier, que um ano antes havia publicado obras no Jornal das Moças.

1932

- O livro Parnaso de Além-Túmulo é lançado, com o apelo sensacionalista de reunir de uma só vez grandes escritores de diferentes procedências, não só brasileiros mas também portugueses. A obra é irregular em todos os aspectos, mas, em vez de ser comprovada sua farsa, muitos tentam autenticar a obra até hoje, com teses sem o menor fundamento lógico.

- O escritor Humberto de Campos faz uma resenha irônica em duas partes, no Diário Carioca, sobre Parnaso de Além-Túmulo, desaconselhando Chico Xavier a investir no filão "mediúnico" para não atrapalhar o ganha-pão dos escritores vivos. O autor maranhense estava lançando o livro O Monstro e Outros Contos, sem perceber o verdadeiro "monstro" que lhe tomaria seu nome.

1934

- Morre, em dezembro, Humberto de Campos, com apenas 48 anos de idade. 

- Estranhamente, Chico Xavier, que se revelaria "superprodutivo" nos anos seguintes, estava há dois anos sem lançar um trabalho "psicográfico".

1935

- Inventando um suposto sonho no qual o pretenso espírito de Humberto de Campos se destacava de uma multidão para cumprimentar Chico Xavier, a FEB aceita a publicação de obras "em nome" do autor maranhense.

- Neste ano é publicada a obra Cartas de Uma Morta, que Chico Xavier atribui à sua falecida mãe, Maria João de Deus.

- O mito de Chico Xavier começa a ser trabalhado, a partir de matéria de O Globo, como um suposto e pitoresco paranormal, enfatizando os aspectos sensacionalistas dessa atividade.

1938

- Chico Xavier evoca o padre Manuel da Nóbrega, antigo ícone do jesuitismo do Brasil-colônia, que supostamente teria retornado sob o codinome Emmanuel, título do primeiro livro publicado aparentemente em seu nome.

- Mediante um acordo entre o Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo e a FEB, acertou-se que seria publicado um livro ufanista para exaltar o governo e evitar que o "movimento espírita" sofresse repressão policial. Foi aí que surgiu Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, escrito a quatro mãos por Wantuil e Xavier, mas creditado tendenciosamente a Humberto de Campos.

1942

- Depois de se projetar como pitoresco "paranormal" aos olhos da imprensa na época, o mito de Chico Xavier começa a ser associado a uma suposta filantropia. Começam a ser divulgadas atividades que sugerem o envolvimento de Chico Xavier com a "caridade", ou seja, com práticas institucionais de Assistencialismo.

- Embora mantendo aspectos sensacionalistas, começa a se desenvolver em Chico Xavier uma imagem de ídolo religioso, visando blindar sua pessoa em atividades irregulares.

1943

- É lançado o livro Nosso Lar, atribuído ao suposto espírito de André Luiz - que, de maneira leviana, é atribuído a diferentes médicos famosos já falecidos - , obra que, sem qualquer fundamentação lógica, faz uma concepção de "mundo espiritual" ao sabor das paixões terrenas.

1944

- David Nasser, cético, faz reportagem na revista O Cruzeiro, com fotos de seu parceiro Jean Manzon, questionando a "mediunidade" de Chico Xavier. Uma das fotos mostrava o "médium" fazendo anotações para supostas psicografias.

- Herdeiros de Humberto de Campos processam Chico Xavier e a FEB pedindo à Justiça verificação das questões autorais. A ação jurídica terminou num empate que, no entanto, foi vantajoso para Chico Xavier, que, impune, viu seu caminho livre sob um "céu de brigadeiro". Ele apenas teve como condição substituir o nome "Humberto de Campos" por "Irmão X". Os herdeiros recorreram da decisão.

1946

- Chico Xavier passa a usar o nome de uma pessoa comum precocemente falecida, a professora mineira Irma de Castro Rocha, a Meimei, para forjar supostas psicografias, com o consentimento do saudoso viúvo Arnaldo Rocha.

1947

- Chico Xavier escreve carta a Antônio Wantuil de Freitas agradecendo a ele e ao editor Luís da Costa Porto Carreiro Neto a revisão dos manuscritos para a sexta edição de Parnaso de Além-Túmulo. Levada ao público, sem querer, 34 anos depois por Suely Caldas Schubert, a carta desmascarou Chico Xavier, definindo o livro poético como "obra de editores da FEB". A divulgação da carta por Suely é considerada um "fogo amigo" que atingiu a reputação do "médium".

1952

- Chico Xavier começa a se envolver com fraudes de materialização, em que se usam modelos cobertos de roupas brancas e supostos médiuns posando para fotos de boca aberta apoiando fios de gaze e esparadrapo. Chico apresentava eventos relacionados e assinava atestados na tentativa de legitimá-los.

1953

- Chico Xavier suspende por algum tempo os espetáculos de "materialização", assim que um locutor, fazendo a voz de um suposto Emmanuel materializado, disse que "a missão do médium é com o livro".

1957

- Seis anos após o falecimento da viúva de Humberto de Campos, Dona Catarina Vergolino de Campos, o filho homônimo do escritor é convidado por Chico Xavier a assistir a uma reunião "espírita" por ele comandada e a acompanhá-lo em eventos assistencialistas. No final da doutrinária, Chico Xavier assedia moralmente Humberto de Campos Filho através da tática perigosa do "bombardeio de amor", método de dominação que explora apelos de supostas beleza e afetividade.

1958

- Amauri Xavier, sobrinho de Chico Xavier, denuncia as fraudes do tio. Ameaçando revelar os bastidores do "movimento espírita", Amauri passa a ser alvo de uma campanha difamatória do "movimento espírita", além de receber ameaças de morte dos próprios "espíritas".

1962

- Luciano dos Anjos, membro da cúpula da FEB, denuncia o emergente "médium" Divaldo Franco de ter plagiado textos de Chico Xavier, que já era um plagiador. A denúncia gera um escândalo nos "meios espíritas" e quase compromete a amizade de Chico e Divaldo.

1964

- Chico Xavier começa a participar de fraudes de materialização comandadas pela suposta médium de Uberaba, Otília Diogo. Embora causando controvérsias, a suposta materialização é vista com interesse por parte da mídia da época.

1967

- Waldo Vieira rompe relações com Chico Xavier, decepcionado com seu apoio a Otília Diogo. Waldo cria as condições para a fundação de uma seita esotérica, a Conscienciologia e Projeciologia.

1969

- Através de traduções em inglês produzidas pela própria FEB, denunciou-se que os livros de Chico Xavier eram vendidos para alimentar os cofres de dirigentes da federação. Visando se livrar de encrencas, Chico Xavier fingiu estar "muito entristecido" com a revelação, embora ela tivesse vindo de um acordo secreto entre o "médium" e Wantuil.

- É lançado o documentário Algo Bonito Para Deus (Something Beautiful for God), de Malcolm Muggeridge, sobre Madre Teresa de Calcutá, uma das peças de desenvolvimento de idolatria religiosa que mais tarde ajudariam Chico Xavier.

1970

- Otília Diogo é desmascarada por repórteres de O Cruzeiro, que localizaram roupas e adereços usados para a fraude de materialização (Irmã Josefa, Dr. Alberto Veloso e outros supostos espíritos). Chico Xavier não foi incriminado. No entanto, em outro "fogo amigo", o fotógrafo Nedyr Mendes da Rocha divulgou fotos da década de 1960 que comprovam: o "médium" foi cúmplice, sim, de Otília.

1971

- Chico Xavier é entrevistado duas vezes pelo programa Pinga-Fogo, da TV Tupi. Neles, o "médium" demonstra sua incondicional defesa da ditadura militar, seu anti-esquerdismo convicto, seu apreço ao Catolicismo ortodoxo e sua expectativa de que, no futuro, extra-terrestres pudessem salvar a humanidade na Terra.

- Em reportagem da revista Realidade, o jornalista José Hamilton Ribeiro - conhecido por cobrir a Guerra do Vietnã e por ser repórter do programa Globo Rural, da Rede Globo - pediu para Chico Xavier "psicografar" supostas mensagens de espíritos que, em verdade, estavam vivos naquela ocasião.

1974

- Morre Antônio Wantuil de Freitas, que havia se aposentado do comando da FEB quatro anos antes.

- Diante da crise interna no "movimento espírita", desenvolveu-se a "fase dúbia", que é quando o "movimento espírita" finge recuperar as bases kardecianas originais, enquanto mantém, por outro lado, a essência igrejista e menos polêmica do roustanguismo. Chico Xavier e Divaldo Franco se aproximam, tendenciosamente, dos espíritas "científicos", prometendo "fidelidade" ao Espiritismo.

- Carlos Imbassahy, o pai, denuncia a "fase dúbia", que ele nomeou como "kardecistas autênticos", uma farsa que, segundo ele, alega "fidelidade a Allan Kardec" mas mantém os aspectos místicos herdados do roustanguismo.

1975

- É lançada a novela A Viagem, pela TV Tupi, baseada no livro Nosso Lar de Chico Xavier. Por "coincidência", a Tupi inicia seu processo de decadência, culminando com a falência, cinco anos depois.

1978

- Estima-se que o mito de Chico Xavier começou a ser reciclado, nos moldes atuais, através do programa Globo Repórter, da Rede Globo, introduzindo o "método Malcolm Muggeridge" para moldar sua figura pública, agora menos sensacionalista e mais voltada a aspectos religiosos e assistencialistas.

1980

- Com o agravamento da crise da ditadura militar, o mito de Chico Xavier é usado com maior destaque para desestimular a população a defender a volta da democracia. Uma das ideias de Chico Xavier é pedir aos aflitos que aguentem sua própria desgraça, sem queixumes, sob a desculpa de que "Deus trará, um dia, a esperança de uma vida melhor".

1983

- O primeiro ator a interpretar Chico Xavier em obra de dramaturgia é o comediante Lúcio Mauro, desta vez em papel dramático, num especial da Rede Globo.

1984

- Não há indícios de que Chico Xavier esteja envolvido em campanhas pela redemocratização. Para ele, a redemocratização só seria garantida "pelos desígnios de Deus". Ele se abstém de se empenhar pela volta da democracia.

1986

- Chico Xavier, em conversa com o jovem Geraldo Lemos Neto, revela um sonho tido depois da famosa viagem à Lua (20 de julho de 1969), o qual, segundo o "médium", estabeleceu uma data-limite de 50 anos para evitar a "terceira guerra mundial". O sonho passou a ser conhecido como "profecia da Data-Limite" e contraria as recomendações de Allan Kardec, que afirmou que prever o futuro com datas determinadas é sinal de espíritos de baixo nível moral.

1989

- Chico Xavier demonstra seu repúdio ao petista Lula, e decide apoiar Fernando Collor de Mello para a Presidência da República, a ponto de recebê-lo em sua casa.

1990

- A perspectiva da "Nova Era", trazida pela queda do Muro de Berlim e do Leste Europeu e pela ascensão do fenômeno da Globalização, faz com que o "espiritismo" brasileiro cresça e acolha mais seguidores.

- Divaldo Franco se projeta como palestrante, em viagens pelo país e pelo mundo.

2001

- Chico Xavier entra na sua fase final de receber visitas. Uma das personalidades que o visitou foi o político tucano Aécio Neves, considerado o "político dos sonhos" do suposto médium.

2002

- Morre Chico Xavier, no dia em que a Seleção Brasileira de Futebol, numa suspeitíssima Copa do Mundo em que o time brasileiro jogou de maneira medíocre e venceu fácil demais as partidas, ganhou o pentacampeonato. Uma de suas admiradoras em Uberaba, ao saber da morte, gritou, com muito exagero: "Gente, Chico foi para o Céu!".

2010

- Os atores Ângelo Antônio e Nelson Xavier desempenham, respectivamente, os papéis de Chico Xavier jovem e idoso na primeira adaptação para o cinema da vida do "médium".

2014

- Surgido em 2000, o programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo, começa a se destacar com quadros assistencialistas. Seu apresentador, o também empresário Luciano Huck, busca uma performance assistencialista nos mesmos moldes de Chico Xavier, do qual o apresentador é admirador confesso e entusiasmado.

2016

- O "movimento espírita" brasileiro apoia as manifestações do "Fora Dilma" e a Operação Lava Jato, depois reveladas como movimentos golpistas que jogaram o Brasil para um período de profunda decadência social, cultural e política de sua História. Os "espíritas" passam a apoiar o governo Michel Temer.

- Divaldo Franco corrobora com esta posição reacionária e atribui ao então juiz Sérgio Moro "toda a equipe da Lava Jato" a predestinação do "Plano Superior Divino".

2018

- Luciano Huck cogita entrar para a corrida presidencial, capitalizando politicamente em torno do Assistencialismo do Caldeirão do Huck. Desiste da ideia, preferindo agir nos bastidores, como membro-fundador de movimentos empresariais como Renova BR, Agora! e Acredito.

- O "movimento espírita", de maneira discreta, manifesta apoio crítico à campanha de Jair Bolsonaro para a Presidência da República.

- Surgem textos que comprovam que Chico Xavier teria apoiado Jair Bolsonaro, nas condições similares às de Divaldo Franco e Carlos Baccelli.

2019

- A "profecia da Data-Limite" se revela um fiasco. O "movimento espírita" tenta desconversar e dizer que a suposta profecia foi "mal-interpretada", prenunciando apenas uma "fase de mudanças" para, segundo os "espíritas", desenvolver um "ideal de fraternidade e paz na humanidade futura".