Quando a filantropia se torna uma atividade doentia


CHICO XAVIER NÃO PRATICAVA ASSISTÊNCIA SOCIAL. ELE PROMOVIA O ASSISTENCIALISMO.

Muita gente fala que Francisco Cândido Xavier "fez caridade", "promoveu a paz", "viveu só pelo amor ao próximo" etc. São alegações meramente emocionais, mas que não trazem um pingo de fundamentação nem uma vírgula de consistência. São palavras soltas, movidas pelo exagero sentimentalista, pela pieguice, pelo fanatismo religioso quase nunca assumido.

Afinal, o Brasil poderia ter se desenvolvido, se a "caridade" de Chico Xavier tivesse mesmo existido. Pela grandeza que seus seguidores e admiradores atribuem ao "médium", o Brasil já teria sido próspero faz muito tempo. E não foi. Hoje o país está à beira do precipício, e não é por se desprezar Chico Xavier, porque ele chega a ser tão adorado no Brasil quanto, digamos, Ivete Sangalo.

Não tem desculpa. A "caridade" de Chico Xavier demonstra-se fajuta pelos resultados. Conhece-se a árvore pelos seus frutos. Se eles foram poucos e perecíveis, a árvore não presta. Não há como exaltar uma árvore que quase não dá frutos, e, aliás, no caso de Chico Xavier, nem produziu frutos. A "caridade" associada a ele, na verdade, nunca foi feita por ele, mas por terceiros. A cigarra pede às formigas trabalharem, e ainda assim de forma medíocre, e, depois, se vangloria pela ação alheia.

"Cartas mediúnicas" que só produziram sensacionalismo sob o pretexto da pretensa consolação dos aflitos. "Filantropias" ostensivas em caravanas exibicionistas, que apenas doavam um punhadinho de alimentos, roupas e outros objetos da "caridade paliativa". Livros que vendiam muito misturando mensagens cristãs com mistificação barata e cuja autoria espiritual era fake, até porque os mortos já não estão mais aqui para reclamarem. E por aí vai.

Embora José Herculano Pires tenha sido amigo de Chico Xavier e um tanto complacente com as imperfeições do "médium" e esperançoso que o grande deturpador possa "aprender melhor" as lições de Allan Kardec, devemos considerar a frase do jornalista a respeito de Divaldo Franco, mesmo quando o sobrinho de Cornélio Pires tenha se ocupado em rejeitar o argueiro nos olhos do "médium" baiano, mas ignorou a trave dos olhos do "médium" mineiro, cujas irregularidades inspiraram o discípulo que, recentemente, ganhou um filme biográfico, Divaldo - O Mensageiro da Paz.

Vejamos o que disse Herculano sobre Divaldo, com grifos que indicam inserções explicativas nossas:

"Do pouco que lhe revelei acima você deve notar que nada sobrou do médium (Divaldo) que se possa aproveitar: conduta negativa como orador, com fingimento e comercialização da palavra, abrindo perigoso precedente em nosso movimento ingênuo e desprevenido; conduta mediúnica perigosa, reduzindo a psicografia a pastiche e plágio – e reduzindo a mediunidade a campo de fraudes e interferências (caso Nancy (crianças-índigo)); conduta condenável no terreno da caridade, transformando-a em disfarce para a sustentação das posições anteriores, meio de defesa para a sua carreira sombria no meio espírita".

E se Herculano fosse menos complacente com Chico Xavier e escrevesse uma mensagem semelhante, como ela ficaria? Imaginemos então a adaptação do mesmo texto:

"Do pouco que lhe revelei acima você deve notar que nada sobrou do Chico (Xavier) que se possa aproveitar: conduta negativa como escritor, com fingimento (de mediunidade) e comercialização da palavra, abrindo perigoso precedente em nosso movimento ingênuo e desprevenido; conduta mediúnica perigosa, reduzindo a psicografia a pastiche e plágio (com a cumplicidade de colaboradores ambiciosos) - e reduzindo a mediunidade a campo de fraudes e interferências (como nas "profecias" sobre extraterrestres); conduta condenável no terreno da caridade, transformando-a em disfarce para a sustentação das posições anteriores, meio de defesa para a sua carreira sombria no meio espírita".

Podemos entender, portanto, como a "caridade" pode ser uma atividade doentia. Ela pode ser movida por sentimentos ambiciosos que dão a impressão de que o coração, em vez de bombear sangue, bombeia lodo. E é chocante, para muitos, ver que a "caridade" de Chico Xavier sempre foi um meio de promoção pessoal equiparado ao dos crimes eleitorais em que os candidatos oferecem cestas básicas, transporte e atendimento médico de graça para obterem votos da população carente.

ASSISTÊNCIA SOCIAL X ASSISTENCIALISMO

Há uma grande diferença entre Assistencialismo e Assistência Social, e o "movimento espírita", a partir do "exemplo" de Chico Xavier, diz praticar a segunda, mas pratica a primeira forma. Sim, é chocante, para muitos, que os "espíritas" praticam Assistencialismo, e explicamos isso a seguir.

Assistência Social é uma prática na qual se ajudam os mais necessitados de maneira ampla e profunda, buscando tirá-los da situação de miséria, não apenas a miséria extrema, mas mesmo a miséria relativa. As ações são tão profundas que mexem nos privilégios dos mais ricos e não raro incomodam as elites pela capacidade com que se promove a emancipação social plena dos que haviam sido pobres antes.

Assistencialismo é diferente. Trata-se de uma prática que apenas assiste os mais necessitados visando minimizar suas situações de penúria. Poucas pessoas são emancipadas, em casos pontuais que apenas são feitos para "mostrar serviço". Mesmo assim, não são coisas para garantir transformações sociais profundas, e as poucas emancipações são relativas, sem romper com as relações de subordinação do "beneficiário" ao "benfeitor", constituindo em processos de dominação social.

Embora muitos "espíritas" sejam capazes de, em efeito manada, escreverem protestando contra a acusação de que sua religião pratica o mero Assistencialismo, é isso o que se vê nas suas instituições. Em todos os anos, os miseráveis que formam fila para receber donativos são sempre os mesmos. Os mantimentos doados se esgotam em três semanas, mas o ato que resultou nessas doações é comemorado por, no mínimo, um ano.

Sim, a fome volta para a casa dos pobres, enquanto os "espíritas" ficam festejando a antiga "caridade" praticada. E essa "caridade", não bastasse esconder práticas ilícitas como o superfaturamento dos "centros espíritas" - quando "caridade" vira "pilantropia" - e o desvio de parte de donativos para serem revendidos em brechós e mercadinhos, ela, em si, é defendida mais pelo orgulho de se promover com ações de aparente ajuda ao próximo do que de ver os miseráveis sendo beneficiados.

"CARIDADE" COMO UM "CASSINO MORAL"

Os "espíritas" parecem se gabar demais com a "caridade". Ficam alardeando o tempo todo, ficam festejando quando donativos e valores financeiros são arrecadados em grande quantidade, ou quando se recebem massas para mais de três panelas de sopa, o que faz com que lembremos do ditado popular "quando a esmola é demais, o santo desconfia".

A própria defesa de Chico Xavier é estranha. Ninguém vai defender ele porque ele "produz (sic) o pão dos pobres". É ingênuo acreditar nisso. Ninguém tem essa obsessão neurótica de defender os pobrezinhos que, se atendidos de maneira genuína, isso traria aos verdadeiros benfeitores uma serena e discreta satisfação, mas nunca uma neurose em reivindicar blindagem absoluta.

Mesmo quando famosos assistem os pobres de maneira sincera, eles divulgam seu trabalho por mera informação, porque são expostos ao público e apenas mostram o que estão fazendo. Mas isso não é o mesmo do que ficar se orgulhando disso, ostentando "caridade" para obter prestígio e ser blindado por um "exército" de seguidores irritados quando alguém contesta a suposta caridade de certos figurões badalados.

Devemos lembrar que a "caridade", para Chico Xavier, virou, na ironia do complacente Herculano Pires em sua frase sobre Divaldo Franco, uma máscara para sustentar a carreira sombria do "médium", disfarçando e blindando seus erros graves.

Desse modo, os seguidores de Chico Xavier costumam falar o seguinte bordão: "ele fez caridade". Dizem: "Ele deturpou o Espiritismo, mas pelo menos fez caridade", "Ele apoiou a ditadura militar, mas pelo menos fez caridade", "Sua psicografia apresenta problemas, mas pelo menos ele fez caridade". É tanto disse-me-disse que outro ditado vêm à tona: "Quem muito diz é porque não faz o que fala".

De que adianta os "espíritas", em atitude falsamente autocrítica, dizerem, neuroticamente, que "admitiram seus graves erros" e prometem "aumentar a caridade"? De que adianta prometer que vão construir mais casas assistenciais, botar mais pobres e doentes em seus alojamentos, "ajudar mais os mais necessitados", se essa "caridade" é motivo de muito envaidecimento e presunção?

O que nós vemos é que essas pessoas envolvidas no "espiritismo" brasileiro, salvo raríssima exceções - que não incluem os conhecidos "médiuns espíritas" nem aqueles menos famosos mas a aqueles vinculados ou solidários - , vão "praticar caridade" com o estado de espírito de quem vai para um cassino testar a "sorte grande". Mesmo com todo o verniz de "humildade" e toda uma retórica feita para "fabricar consenso", o que se vê é um verdadeiro "cassino moral".

A pessoa "ajuda o próximo" visando os aplausos e as glórias terrenas. Quantos prêmios receberam Chico Xavier e Divaldo Franco com suas "filantropias"? E Divaldo Franco, por que ele criou a Mansão do Caminho, deixando para seu primo Nilson Pereira administrar, enquanto o "médium" se pavoneava em palestras pomposas e verborrágicas em viagens pelo Brasil e pelo mundo? E quem financiava essas viagens? Que lobby garantia seus prêmios?

SE NÃO É PARA AJUDAR, NÃO AJUDA

Em muitos casos, recomenda-se que uma pessoa não pratique filantropia, se ela é feita mediante sentimentos tóxicos de ambição pessoal. Melhor ficar em casa e viver no anonimato, do que usar a "dedicação ao próximo" para obter vantagens pessoais e promover bom-mocismo.

É lamentável que os "espíritas", cinicamente, dizem para outras pessoas que "existem todas as formas de ajudar o próximo", sobretudo falando aos desafortunados que não conseguem sequer um emprego digno, impedindo-os de ajudar de verdade quando querem, a "ajudar com a palavra".

Quem quer ajudar o próximo arrumando escola e casa para outrem não tem condições. Mas aqueles que usam a "caridade" como promoção pessoal não querem ficar em casa e "auxiliar seus próximos com a palavra". Talvez fosse melhor muitos "espíritas" ajudarem apenas seus parentes, amigos e vizinhos com pequenas coisas, do que vangloriar com "filantropias" que quase nada ajudam de verdade.

É constrangedor ver os debates em torno de Chico Xavier, no qual os seguidores e admiradores - alguns se vangloriando em "não serem sectários", "não serem espíritas" e até "não concordar com tudo o que o 'médium' fez em sua vida" - ficarem patrulhando o suposto médium por causa de pretensa filantropia.

A gente sabe que essa "caridade" era fajuta, que parte das ações "filantrópicas" foram uma farsa - como as "cartas mediúnicas" que, na verdade, transformavam a morte não na "verdadeira vida", mas num espetáculo pitoresco - e só visavam a promoção pessoal do "médium", como um pretenso ídolo religioso apoiado, estranhamente, por setores conservadores e muito ricos de nossa sociedade.

Até mesmo Leonel Brizola advertiu às esquerdas que apoiavam Chico Xavier: "Se a Rede Globo for a favor, nós somos contra". A Rede Globo não só era a favor de Chico Xavier, mas também o moldou como um pretenso filantropo, à maneira de Malcolm Muggeridge em relação a Madre Teresa de Calcutá. Como as esquerdas têm que ficar a favor não só a Chico Xavier, mas também à Madre Teresa, mesmo esta sendo denunciada por um esquerdista, Christopher Hitchens?

Especialistas já começam a alertar, a partir de fenômenos como a brasileira Tábata Amaral, sobre uma tendência que pode emergir no Brasil de 2020, o "humanismo de fachada", com representantes da sociedade conservadora adotando arremedos de progressismo, ativismo e filantropia que trazem mais deslumbramento na população do que resultados de transformação da humanidade.

A "caridade paliativa" que é o Assistencialismo, aliado a uma pseudo-militância - que lembra muito o "etnicismo de fachada" dos comerciais da Benetton, nos anos 1990 - , será melhor explicada na prática, quando Luciano Huck, promovido a um suposto filantropo pela mesma Rede Globo que fez o mesmo com Chico Xavier (explicitamente admirado por Huck), se lançará candidato à Presidência da República ou, se desistir disso, como indicador de um futuro líder político.

E aí saberemos o que é mesmo a "caridade". Em vez de ficarmos no palavreado solto de frases circulantes como "ajudar alguém sem olhar a quem", devemos parar para pensar sobre o que está por trás de tudo isso. É hora de abandonarmos a confusão entre Assistencialismo e Assistência Social, pararmos com idolatrias e paixões religiosas e verificarmos se as árvores estão gerando muitos e bons frutos. Se as árvores não geram muitos e bons frutos, não há como discutir: a árvore não é boa.