Acadêmicos e "isentões espíritas" erram feio ao permitir "liberdade de crença" nas "psicografias"

ALEXANDRE CAROLI ROCHA E MARCELO CAIXETA - COMO OS "ISENTÕES ESPÍRITAS", ELES SE SERVEM DA MÁSCARA DA "IMPARCIALIDADE" PARA PROTEGER PARADIGMAS RELIGIOSOS.

É um grave e perigosíssimo equívoco deixar uma hipótese em aberto, enquanto se permite que determinada linha de crença se expresse livremente, apesar dos aspectos duvidosos. Ou seja, no caso das "psicografias" de Francisco Cândido Xavier, se permite que elas sejam livremente apreciadas, inclusive em feiras literárias, mesmo quando aspectos duvidosos são considerados, ainda que pendentes.

É de muita responsabilidade o que Alexandre Caroli Rocha disse a respeito da suposta psicografia que credita autoria ao suposto espírito de Humberto de Campos, conforme escreveu no ensaio Complicações de uma estranha autoria (O que se comentou sobre textos que Chico Xavier atribuiu a Humberto de Campos) Revista Ipotesi, Universidade Federal de Juiz de Fora, v.16, n.2, p. 25-36, jul./dez. 2012:

"Vimos que não é pertinente a pressuposição de que, por meio apenas de fatores textuais, seja possível autenticar ou refutar a alegação do médium. Mostramos que os textos colocam à tona a discussão a respeito do post-mortem, tema que, nos ambientes acadêmicos, costuma ser relegado a domínios metafísicos ou religiosos. Concluímos, pois, que os veredictos taxativos para a identificação do autor são possíveis somente com a assunção de uma determinada teoria sobre o postmortem ou sobre o fenômeno mediúnico. Quando, no debate autoral, ignora-se a relação entre teoria e texto, percebemos que a apreensão deste é bastante escorregadia, mesmo entre leitores especialistas".

Diante de tamanho parecer, seria esperável que Caroli Rocha defendesse que as obras "psicográficas" que Chico Xavier atribuiu ao "espírito Humberto de Campos" (e, posteriormente, ao suposto codinome "Irmão X") tivessem que ser proibidas de serem publicadas, que as cópias disponíveis fossem recolhidas e proibidas de serem comercializadas em sebos, e tais obras fossem proibidas de serem também disponibilizadas na Internet.

Isso Caroli Rocha, na sua declaração covarde e bastante escorregadia, se omitiu, sem ter um mínimo interesse de dar explicações. Afinal, se estava mexendo com o nome e a memória de outra pessoa, e, se a tese da "psicografia" não aponta autenticidade nem fraude, isso não impede que ela seja reconhecida como suspeita.

Não se pode soltar uma obra cujos estudos estão pendentes. Há blogueiros que ventilam passagens das supostas psicografias e ficam jogando que "Humberto de Campos escreveu isso ou aquilo". Se Caroli Rocha disse que não é pertinente "autenticar ou refutar a alegação do médium", isso significa que ele optou por uma neutralidade que pressupõe a proibição do acesso ao público das obras "psicográficas", por elas serem dependentes de exame.

As alegações possíveis para que se deixe circular as obras "psicográficas", apesar dessa pendência, variam desde a ridícula tese da "liberdade de crença" - não se fala da fé religiosa em si, mas de "poder acreditar ou não" que tal autor espiritual "escreveu tal obra" - até a tese do "pão dos pobres", como se interromper a venda dos livros pudesse afetar qualquer iniciativa de combate à pobreza no Brasil. Teses sem pé nem cabeça, mas que são tidas como "verdades indiscutíveis".

Não se trata de censura pedir a proibição da publicação dessas obras, mas de um zelo à memória de uma personalidade morta, que não desaparece quando a obra passa a ser de domínio público. O livre uso do nome de um falecido, nas condições de domínio público, não significa que se possa usá-lo em detrimento da natureza do que o morto significou, pois não se pode brigar com a realidade que se tornou um legado de sua biografia.

Além disso, como Caroli Rocha não negou nem afirmou - a exemplo de muitos escritores que ouviram falar de Parnaso de Além-Túmulo, como Monteiro Lobato, Raimundo Magalhães Júnior (ou R. Magalhães Júnior) e Apparicio Torelly (Barão de Itararé), que se abstiveram de dar seu parecer sobre se tais obras "mediúnicas" são fraudulentas ou verídicas - a autenticidade das "psicografias", ele também não negou que elas fossem suspeitas.

Caroli Rocha, inclusive, foi vítima de sua própria declaração (a que está reproduzida acima, sobre o caso Humberto de Campos), quando citou o caso Jair Presente, na qual o acadêmico, com título de pós-graduação na Unicamp, fez um "veredito taxativo" e uma "apreensão bastante escorregadia" sobre o caso Jair Presente. Vejamos os trechos, publicados em matéria do jornal paraense O Liberal, editado em Belém, com grifos nossos:

"O levantamento realizado no lote de cartas apontou 99 informações objetivas e passíveis de verificação. E todos os dados colhidos eram precisos e verídicos. Nenhuma informação extraída das cartas atribuídas a Jair Presente estava incorreta ou era falsa, segundo familiares e amigos entrevistados pelos pesquisadores. Também foram usados documentos, jornais da época e registros em cartórios. Dessa forma, o estudo entendeu que a possibilidade de Chico Xavier, que morreu em 2002, ter tido acesso a ao menos parte das informações psicografadas é extremamente remota. Até mesmo informações consideradas como privativas pela família constam nas mensagens.

(...)

É reiterado, porém, que o estudo não comprova que as cartas tenham realmente sido escritas por alguém morto, mas sustenta que os relatos apresentados nelas são verídicos".

Caroli Rocha esqueceu-se de que existe uma diferença entre "relatos verídicos" e "obras verídicas". Uma mensagem falsa ou suspeita pode conter dados verídicos, o que não garante que a mensagem seja verídica. A alegação de que as cartas atribuídas a Jair Presente como "verídicas", sem garantir, todavia, a autenticidade da autoria espiritual, segue então dos vícios que Alexandre Caroli Rocha atribuiu aos outros, mas dos quais ele mesmo cometeu neste caso:

1) VEREDITO TAXATIVO - Considerar que as cartas atribuídas a Jair Presente são "verídicas" só porque os dados colhidos são desta natureza;

2) APREENSÃO BASTANTE ESCORREGADIA - Apesar dos "dados colhidos serem precisos e verídicos", não há comprofação de que as cartas "tenham realmente sido escritas por alguém morto".

Outro ponto é que Alexandre Caroli Rocha, ao recusar-se a fazer senso crítico por meios mais simples - apesar dele ser doutor em Literatura pela Unicamp, e tido como "estudioso" de Teoria Literária - , como a análise dos estilos literários não apenas coletivos (como diferir Parnasianismo e Romantismo, por exemplo) como individuais (que é analisar os estilos pessoais do Humberto de Campos que viveu entre nós e seu suposto espírito), acaba adotando uma postura anti-intelectual.

Caroli Rocha, com essa atitude "neutra", acaba seguindo a tendência dos meios acadêmicos brasileiros, que fazem discriminação ao senso crítico, que é confundido com "opinião". Preferindo um verniz de "imparcialidade" e "objetividade" que forjam uma "cosmética científica" em teses acadêmicas que não problematizam a "problemática", as teses de pós-graduação das universidades prejudicam a transmissão de Conhecimento, através de abordagens meramente descritivas.

Isso é muito diferente do que uma tradição de intelectuais renomados na Europa e EUA, como Umberto Eco, Jean Baudrillard, Pierre Bourdieu, Noam Chomsky, Eric Hobsbawm, Hannah Arendt, Theodore Adorno e tantos outros marcaram suas carreiras, sem medo de provocar polêmicas e trazendo questionamentos profundos e até arriscados que, não raro, ameaçavam paradigmas consagrados e nem por isso soando "opinativos" ou "anti-científicos".

Com a atitude adotada pelas universidades e pela burocracia acadêmica das pós-graduações, corroborada por gente como Alexandre Caroli Rocha, as teses acadêmicas, renunciando ao compromisso de transmissão de Conhecimento, servem tão somente para o burburinho provisório das exposições orais e das publicações em periódicos acadêmicos, mas que só servem para engrossar currículos acadêmicos dos pós-graduandos e enfeitar estantes.

São teses que, depois do carnaval das bancas acadêmicas, só servem mesmo é para pegar teia de aranha, sem oferecer respostas nem novas questões, afinal a "problemática" termina intocada, no final de cada tese ou artigo acadêmico. Quando muito, que é o caso de nossa análise, tais teses só servem para mostrar a debilidade e a esterilidade desses trabalhos acadêmicos que não têm a menor serventia para nossa sociedade e só servem para realimentar o status quo das fenomenologias trabalhadas, que é, aqui, o caso de blindar as obras "psicográficas" de Chico Xavier.