Como "dono dos mortos", Chico Xavier contraria Controle Universal do Ensino dos Espíritos



O suposto médium Francisco Cândido Xavier abriu um perigoso precedente em suas supostas obras psicográficas. Contrariando a natureza original dos antigos médiuns, que eram apenas intermediários do mundo dos encarnados e dos desencarnados, Chico Xavier foi o primeiro "médium" a se tornar centro das atenções, dando à suposta figura do paranormal um status de puro estrelato, comparável ao das grandes celebridades.

Isso é tão certo que o então presidente da "Federação Espírita Brasileira", Antônio Wantuil de Freitas, atuou como alimentador desse estrelato. Wantuil, que co-escreveu e ajudou a revisar os manuscritos de Chico Xavier, supostamente psicografados, atuou como um dublê do empresário do "médium", criando condições para a formação do seu mito que, ainda com uma dose de apelos pitorescos, permitiu o aumento de sua popularidade.

O caráter pitoresco e sensacionalista de Chico Xavier só se tornou menos enfático quando, depois da morte de Wantuil e a crise na cúpula da FEB, que fez o "médium" passar a publicar livros por editoras "espíritas" modestas, houve uma nova campanha em sua defesa, baseada nos mesmos moldes que o jornalista inglês Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá e que, no Brasil, foram aproveitados através de uma parceria da FEB com a Rede Globo de Televisão.

ANTI-MÉDIUM E "DONO DOS MORTOS"

Chico Xavier, em verdade, nunca foi médium e é apropriado que se defina ele como um "anti-médium". Mas o que é mesmo um anti-médium? Anti-médium é aquele que se recusa a fazer um papel intermediário e confunde "meio" com "centro", porque o meio é apenas um canal de ligação e o centro, o ponto maior de um conjunto.

Neste caso, os brasileiros se acostumaram mal com essa ideia equivocada de "médium" que deveria ser chamada de anti-médium. O "médium" que se acha o centro das atenções, vira alvo de controvérsias desnecessárias porque seus partidários querem impor esse ídolo religioso como o foco maior das temáticas espíritas, o "médium" que deixa de ser o canal de um processo comunicativo para ser ele mesmo o emissor.

Isso se dá não só porque a "psicografia" de Chico Xavier apresenta aspectos de trabalho fake. Se dá, também, porque ele se torna a "grife", a pessoa não vai mais procurar um contato com um morto, usa o "médium" mais badalado para tal tarefa, o foco acaba sendo mais o "médium" do que o "morto", porque este pode aparecer de qualquer forma, até mesmo contradizendo seus aspectos pessoais. Os seguidores de Chico Xavier, verdadeiros malabaristas discursivos, possuem na ponta da língua qualquer desculpa, por mais idiota que seja, para justificar qualquer irregularidade.

A situação ficou aberrante de tal forma que, no Brasil, há a aberração dos "donos dos mortos". A partir de Chico Xavier, cada morto, aos olhos dos brasileiros, passou a ter um "médium de estimação". Alega-se até que tal condição é feita porque "é necessário um médium gabaritado que seja capaz de receber tal espírito".

O grande problema é: que "médium" tem condição de receber tal espírito? Isso não é uma "carteirada"? O prestígio religioso é uma grande ilusão, feita por paixões terrenas tão iguais ou até mais perigosas do que muitas paixões do dinheiro, das drogas e do sexo. A pretensão de certos supostos iluminados em "encurtar o caminho para Deus" não é um tipo de ganância, motivado por paixões religiosas e supondo a garantia de futuras riquezas no além?

Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no segmento II, A Autoridade da Doutrina Espírita, escreveu um texto muito esclarecedor sobre o Controle Universal do Ensino dos Espíritos, cuja sigla, C. U. E. E., traz uma piada entre os críticos da deturpação espírita, que dizem que a sigla foi acolhida pelo "movimento espírita" pela metade, fazendo o trocadilho da expressão popular equivalente ao ânus do corpo humano.

Neste texto, ele faz recomendações sobre como considerar as mensagens espirituais autênticas ou não. Embora Kardec tivesse limitações em seu tempo, pois o único instrumento de registro de imagens existente era a Fotografia, fazem sentido essas recomendações, que já desqualificam a obra "mediúnica" de Chico Xavier, que pode ser seguramente enquadrada no alerta de "espíritos embusteiros que falam a mesma coisa sob nomes diferentes".

Nesta citação, Kardec atribuiu os espíritos embusteiros como apenas desencarnados, mas o caso de Chico Xavier, então encarnado, se encaixa nesse alerta. Afinal, mensagens atribuídas a "espíritos diversos" como Emmanuel, André Luiz, Meimei, Humberto de Campos, Cornélio Pires, Olavo Bilac, Du Bocage, Jair Presente, Auta de Souza, Castro Alves etc refletem, invariavelmente, o mesmo pensamento pessoal de Chico Xavier.

Em muitos casos, isso faz Chico Xavier se livrar de enrascada, como a ofensa que ele fez às humildes vítimas do criminoso incêndio num circo em Niterói, em 1961, que no livro Cartas e Crônicas, de 1966, foram acusadas de terem sido "romanos sanguinários" em encarnação já remota. A acusação, sem fundamento algum, também foi impiedosa, porque remete a um tempo antigo e, em tese, já superado, se a acusação tivesse sentido (e tudo indica que não tem).

Para que Chico Xavier, diante desse incidente, não fosse desmascarado como alguém impiedoso, caindo em contradição diante de seus apelos pessoais para não fazer julgamentos de valor nem dar demonstrações de impiedade, ele atribuiu seu cruel pensamento pessoal a Humberto de Campos, ao que tudo indica, sua maior obsessão vingativa desde que o autor maranhense, quando vivo, não deu o devido valor a Parnaso de Além-Túmulo.

O trecho que reproduziremos abaixo mostra que Chico Xavier, em sua obra, contrariou frontalmente o Controle Universal do Ensino dos Espíritos (ou Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, tanto faz), que recomendava que se consultassem diferentes médiuns para obter mensagens do além-túmulo, médiuns de diferentes lugares sem vínculo entre si. No Brasil, isso é impossível, porque mesmo médiuns do Pará e do Paraná estão vinculados a uma mesma estrutura institucional.

Antes de lermos esse texto, podemos resumir o que é esse controle, desenvolvido por Kardec:

1) Consultar diferentes médiuns, em diferentes lugares, estranhos e sem relação entre si;

2) Verificar o teor das mensagens atribuídas a mortos, para ver se não existe alguma contradição entre as mesmas e entre o que os falecidos representaram em vida.

Agora, vamos ao trecho:

TRECHO DO CONTROLE UNIVERSAL DO ENSINO DOS ESPÍRITAS POR ALLAN KARDEC

(...)

Disso resulta que, para tudo o que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que alguém possa obter são de caráter individual, sem autenticidade, e devem ser consideradas como opiniões pessoais deste ou daquele Espírito, sendo imprudência aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas.

O primeiro controle é, sem contradita, o da razão, ao qual é necessário submeter, sem exceção, tudo o que vem dos Espíritos. Toda teoria em contradição manifesta com o bom-senso, com uma lógica rigorosa, e com os dados positivos que possuímos, por mais respeitável que seja o nome que a assine, deve ser rejeitada. Mas esse controle é incompleto para muitos casos, em virtude da insuficiência de conhecimentos de certas pessoas, e da tendência de muitos, de tomarem seu próprio juízo por único árbitro da verdade. Em tais casos, que fazem os homens que não confiam absolutamente em si mesmos? Aconselham-se com os outros, e a opinião da maioria lhes serve de guia. Assim deve ser no tocante ao ensino dos Espíritos, que nos fornecem por si mesmos os meios de controle.

A concordância do ensino dos Espíritos é portanto o seu melhor controle, mas é ainda necessário que ela se verifique em certas condições. A menos segura de todas é quando um médium interroga por si mesmo numerosos Espíritos, sobre uma questão duvidosa. É claro que, se ele está sob o império de uma obsessão, ou se tem relações com um Espírito embusteiro, este Espírito pode dizer-lhe a mesma coisa sob nomes diferentes. Não há garantia suficiente, da mesma maneira, na concordância que se possa obter pelos médiuns de um mesmo centro, porque eles podem sofrer a mesma influência.

A única garantia segura do ensino dos Espíritos está na concordância das revelações feitas espontaneamente, através de um grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e em diversos lugares.

Compreende-se que não se trata aqui de comunicações relativas a interesses secundários, mas das que se referem aos próprios princípios da doutrina. A experiência prova que, quando um novo princípio deve ser revelado, ele é ensinado espontaneamente, ao mesmo tempo, em diferentes lugares, e de maneira idêntica, senão na forma, pelo menos quanto ao fundo. Se, portanto, apraz a um Espírito formular um sistema excêntrico, baseado em suas próprias idéias e fora da verdade, pode-se estar certo de que esse sistema ficará circunscrito, e cairá diante da unanimidade das instruções dadas por toda parte, como já mostraram numerosos exemplos. É esta unanimidade que tem posto abaixo todos os sistemas parciais surgidos na origem do Espiritismo, quando cada qual explicava os fenômenos do mundo visível com o mundo invisível.

Esta é a base em que nos apoiamos, para formular um princípio da doutrina. Não é por concordar ele com as nossas idéias, que o damos como verdadeiro. Não nos colocamos, absolutamente, como árbitro supremo da verdade, e não dizemos a ninguém: “Crede em tal coisa, porque nós vo-la dizemos”. Nossa opinião não é, aos nossos próprios olhos, mais do que uma opinião pessoal, que pode ser justa ou falsa, porque não somos mais infalíveis do que os outros. E não é também porque um princípio nos foi ensinado que o consideramos verdadeiro, mas porque ele recebeu a sanção da concordância.

Nossa posição, recebendo as comunicações de cerca de mil centros espíritas sérios, espalhados pelos mais diversos pontos do globo, estamos em condições de ver quais os princípios sobre que essa concordância se estabelece. É esta observação que nos tem guiado até hoje, e é igualmente ela que nos guiará, através dos novos campos que o Espiritismo está convocado a explorar. E assim que, estudando atentamente as comunicações recebidas de diversos lugares, tanto da França como do exterior, reconhecemos, pela natureza toda especial das revelações, que há uma tendência para entrar numa nova via, e que chegou o momento de se dar um passo à frente. Essas revelações, formuladas às vezes com palavras veladas, passaram quase sempre despercebidas para muitos daqueles que as obtiveram, e muitos outros acreditaram tê-las recebido sozinhos. Tomadas isoladamente, elas seriam para nós sem valor; somente a coincidência lhes confere gravidade. Depois, quando chega o momento de publicá-las, cada um se lembrará de haver recebido instruções no mesmo sentido. É esse o movimento geral que observamos e estudamos, com a assistência dos nossos guias espirituais, e que nos ajuda a avaliar a oportunidade de fazermos uma coisa ou de nos abstermos.


Esse controle universal é uma garantia para a unidade futura do Espiritismo, e anulará todas as teorias contraditórias.