Doação de dinheiro só pode ser apreciada conforme o contexto

Devemos tomar muito cuidado com a questão da filantropia, no que se refere à renúncia de algum lucro ou remuneração em um evento ou atividade. A renúncia do cachê ou dos lucros de qualquer natureza não é ruim, por si mesma, mas também requer cautela quando se considera isso uma virtude admirável ou não.
Recentemente, o casamento da apresentadora do Multishow, Titi Müller - irmã de Tainá Müller, atriz que participou de As Mães de Chico Xavier - com um músico da banda de rock Scalene Tomás Bertoni contou com as doações de dinheiros no lugar de lista de presentes, que se destinaram a um centro cultural. A ação foi bastante criativa e o contexto permitiu o mérito da ação.
Todavia, nem sempre aquilo que parece uma generosidade o é de fato. O que devemos chamar a atenção é que nem sempre a renúncia de cachê demonstra um ato generoso ou caridoso, sendo apenas um simples desvio de dinheiro. Em muitos casos, a renúncia de dinheiro é feita em troca de outra recompensa, que é o prestígio e a popularidade.
Muitos ainda se sentem fascinados com o "espiritismo" brasileiro, mas a verdade é que a religião brasileira, que se afastou dos ensinamentos originais de Allan Kardec sem medir qualquer escrúpulo, mas também sem que viva alma, salvo exceções, perceba esses desvios doutrinários, é movida por puro oportunismo.
Estamos acostumados com a idolatria aos chamados "médiuns", que na hierarquia "espírita" estão mais para sacerdotes do que para simples comunicadores entre os vivos e os mortos, e isso faz com que se confundam as coisas.
Os brasileiros são profundamente desinformados. Misturam as coisas. O Espiritismo é deturpado, mas como sua "catolicização" envolve hábitos da religiosidade brasileira, as pessoas deixam passar. Seus "médiuns" nem de longe possuem desempenho intermediário, como meros "canais" de comunicação entre vivos e mortos, até porque, pelas irregularidades cometidas, os mortos são os maiores ausentes desse contato supostamente intermediado.
Em vez disso, os "médiuns" se tornam o centro das atenções, viram alvo de uma aberrante e estúpida adoração, tornam-se dublês de sábios através de conselhos banais de moralismo conservador e auto-ajuda e tornam-se também dublês de pacifistas, ativistas e filantropos, sem desempenhar com profundidade tais atribuições.
Neste caso, as pessoas são tomadas de emoção e não conseguem parar para pensar. Quando convidadas a tal ação, se revoltam, o que nos faz perguntar que "energias elevadas" elas possuem, se sob o menor questionamento elas se irritam com facilidade e até com surpreendente e preocupante intensidade?
Que diferença se tem confundir as coisas, creditando Divaldo Franco como suposto sábio e atribuindo sua "qualidade mediúnica" à filantropia, quando sabemos que há uma diferença entre falar com os mortos e cuidar dos pobres, embora ambas sejam duvidosas na trajetória do beato baiano, e creditar Sérgio Moro (apoiado por Divaldo, que, para desespero das esquerdas, definiu como "enviado do Plano Superior Divino) ao mesmo tempo como juiz, advogado, policial, militante político (de direita) e por aí vai?
As pessoas veem a realidade não apenas de forma fragmentada, mas mistura os diferentes fragmentos que acolhe. A mediunidade já é confundida com paranormalidade, porque mediunidade é a intermediação do contato entre vivos e mortos, paranormalidade é que é falar com os mortos. Vamos explicar isso em outra oportunidade.
Aí as pessoas confundem as coisas. Se Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco recusam a ganhar dinheiro com a venda de seus livros, reservando, em tese, para a "caridade", isso não é um voto de pobreza, mas uma estratégia de marketing. Renuncia-se o ganho de dinheiro porque há outras recompensas, e, além disso, os "médiuns" sempre viveram uma vida bem confortável, a "pobreza" deles é uma falácia sem tamanho. Também vamos explicar isso em outro momento.
O que vemos é que renunciar ao lucro, no caso dos "médiuns", é um grande truque publicitário. E mostra um gravíssimo equívoco dos brasileiros, que é focalizar a ideia de "caridade" pelo suposto benfeitor. Nos preocupamos em discutir o mérito dos "médiuns" na caridade, mas nos esquecemos que essa atitude, de parte deles, é profundamente medíocre, e os resultados nunca representaram uma real, concreta e profunda superação das desigualdades sociais.
Primeiro, porque não são os "médiuns" que fazem ou fizeram caridade. São terceiros. Outras pessoas é que fazem donativos, cozinham sopas e outros alimentos, cuidam dos pobres e doentes, dirigem instituições. Os "médiuns" mais parecem "turistas" de sua própria "filantropia", meros visitantes que, ao fazerem suas eventuais visitas às instituições, estão pensando mais em sua promoção pessoal do que na transformação das vidas nesses lugares (e quase nada se transforma, de verdade).
Nem Divaldo Franco cuida de sua Mansão do Caminho, porque a "formiga" sempre foi seu primo Nilson Pereira, o "tio Nilson", porque a "cigarra" se preocupava em se ostentar em palestras pomposas em viagens de primeira classe pelo Brasil e pelo mundo.
Não se sabe com que dinheiro foi possível Divaldo Franco se pavonear em palestras milionárias em hotéis e centros de convenções pelo mundo afora, como um pretenso líder pacifista que muitos pensam que fosse mudar o mundo com verborragia.
Não há contexto para vermos o mérito dos "médiuns" no terreno da filantropia e da renúncia do lucro de seus livros e palestras. Até porque a "caridade" deles, pela grandeza com que os seguidores dos "médiuns" atribuem a seus ídolos, já teria, há muito tempo, transformado o Brasil de verdade, coisa que nunca foi feita, e não por culpa dos obstáculos do caminho, porque tudo parecia favorável aos "médiuns", com uma "plêiade", terrena ou espiritual, de colaboradores.
Não dá para cultuar árvores que dão poucos frutos. Árvores enormes que poderiam render muitos frutos e quase nenhum deles gera. Árvores enormes cujas sombras mais as acobertam do que protege quem estiver debaixo de cada uma delas. Ficamos discutindo as árvores, sem saber que, como os frutos que elas geraram são muito poucos e perecem com rapidez e facilidade.
Daí que imaginamos que, quando um "médium" diz que a renda de seus livros "vai toda para a caridade", muitos pensam que ele garantiu apenas a "recompensa do Céu". Quanta ilusão. Os "médiuns" são apenas considerados "iluminados" pelas paixões religiosas da Terra, tão mundanas quanto as paixões do dinheiro, das drogas e do sexo.
São "luminosidades" que impressionam muitos, mas elas têm a superficialidade terrena das luzes de neon de cidades como Las Vegas, Tóquio e Nova York. São "luzes" materiais que circundam os "médiuns", tão artificiais que a gente fica perguntando se não há mais luz nas trevas florestais noturnas, onde se residem animais, plantas e outros seres.