Nem a Lei de Atração aponta para suposta veracidade de 'Parnaso de Além-Túmulo'
Sabe-se que não há teoria alguma que permitisse que Parnaso de Além-Túmulo seja uma obra passível de autenticidade e veracidade. As teses que tentam, neste sentido, favorecer a obra "psicográfica" de Francisco Cândido Xavier se revelam sempre inseguras, contraditórias e desprovidas de qualquer fundamento.
Os poemas apresentados apresentam sérios problemas de estilísticas. Renegando a simples análise textual e a avaliação estilística e linguística, o acadêmico Alexandre Caroli Rocha errou quando apelou para o critério "silábico" para analisar os estilos poéticos da "psicografia", na esperança de apontar uma "possível veracidade", que, a seu ver, dependeria de análises sobre o "processo mediúnico" e a "vida espiritual".
Caroli errou feio. Afinal, ao compararmos, através de um recital, os poemas originais de Olavo Bilac e os supostos poemas atribuídos a seu espírito, usando o poeta parnasiano como exemplo para testar a composição métrica, caraterística de sua poesia, vemos que os poemas "mediúnicos" não têm a musicalidade própria do autor, sendo as "obras espirituais" sonetos de leitura cansativa, sem a harmonia silábica original.
Mas outros critérios, renegados por Caroli Rocha, são necessários. Podemos citar a própria obra de Allan Kardec, O Livro dos Médiuns, na qual o pedagogo lionês mais incentiva a análise que Caroli julga "escorregadia", que é a análise de linguagem, não necessariamente apelando para os critérios "matemáticos" do acadêmico "espírita" da USP. Vejamos o que diz o Capítulo 24, Identidade dos Espíritos, em dois trechos selecionados para nossa análise:
"Há sem dúvida a objeção de que um Espírito que tomasse nome suposto, mesmo que só para o bem, não deixaria de cometer uma fraude e por isso não poderia ser bom. É neste ponto que surgem questões delicadas, difíceis de se compreender, e que vamos tentar desenvolver.
256. À medida que os Espíritos se purificam e se elevam na hierarquia, as características distintivas de sua personalidade desaparecem, de certa maneira, na uniformidade da perfeição, mas nem por isso deixam eles de conservar a sua individualidade. É o que se verifica com os Espíritos superiores e os Espíritos puros. Nessa posição, o nome que tiveram na Terra, numa das mil existências corporais efêmeras por que passaram, nada mais significa. Notemos ainda que os Espíritos se atraem mutuamente pela semelhança de suas qualidades, constituindo grupos ou famílias simpáticas. Se considerarmos, por outro lado, o número imenso de Espíritos que, desde a origem dos tempos, deve haver atingido os planos mais elevados, e se compararmos ao número tão restrito de homens que deixaram na Terra um grande nome, compreenderemos que entre os Espíritos superiores que podem comunicar-se a maioria não deve ter nomes para nós. Mas, como precisamos de nomes para fixar as nossas idéias, eles podem tomar o de um personagem conhecido, cuja natureza mais se identifique com a deles.
É assim que os nossos anjos guardiões se fazem conhecer, na maioria das vezes, pelo nome de um santo que veneramos, escolhendo geralmente o do santo de nossa preferência. Dessa maneira, se o anjo guardião de uma pessoa dá o nome de São Pedro, por exemplo, não há nenhuma prova material de tratar-se do apóstolo. Tanto pode ser ele como um Espírito inteiramente desconhecido, pertencente à família de Espíritos a que São Pedro pertence. Acontece ainda que, seja qual for o nome pelo qual se invoque o anjo guardião, ele atenderá ao chamado porque é atraído pelo pensamento e o nome lhe é indiferente.(1)
O mesmo se verifica todas as vezes que um Espírito superior se comunica usando o nome de um personagem conhecido. Nada prova que seja precisamente o Espírito desse personagem. Mas se ele nada diz, no seu ditado espontâneo, que desminta a elevação espiritual do nome citado, existe a presunção de que seja ele. E em todos esses casos se pode dizer que, se não é ele, deve ser um Espírito do mesmo grau ou talvez mesmo um seu enviado. Em resumo: a questão do nome é secundária, podendo-se considerar o nome como simples indício do lugar que o Espírito ocupa na Escala Espírita. (Ver o nº 100 de O Livros dos Espíritos).
A situação é outra quando um Espírito de ordem inferior se enfeita com um nome respeitável para se fazer acreditar. E esse caso é tão comum que não seria demais manter-se em guarda contra esses embustes.
Porque é graças a nomes emprestados, e sobretudo com a ajuda da fascinação, que certos Espíritos sistemáticos, mais orgulhosos do que sábios, procuram impingir as idéias mais ridículas.(2)
Assim a questão da identidade, como dissemos, é mais ou menos indiferente quando se trata de instruções gerais, desde que os Espíritos mais elevados podem substituir-se mutuamente sem que isso acarrete conseqüências. Os Espíritos superiores constituem, por assim dizer, uma coletividade, cujas individualidades nos são, com poucas exceções, completamente desconhecidas. O que nos interessa não são as pessoas, mas o ensino. Ora, se o ensino é bom, pouco importa que venha de Pedro ou de Paulo. Devemos julgá-lo pela qualidade e não pelo nome. Se um vinho é mau, não é a etiqueta que o faz melhor. Mas já é diferente nas comunicações íntimas, porque então é o indivíduo, ou sua pessoa mesma que nos interessa. É pois com razão que, nessa circunstância, se procure assegurar de que o Espírito manifestante é realmente o que se deseja.
257. A identidade é muito mais fácil de constatar quando se trata de Espíritos contemporâneos, cujos hábitos e caráter são conhecidos. Porque são precisamente esses hábitos, de que ainda não tiveram tempo de se livrar, que nos permitem reconhecê-los. E digamos logo que são eles um dos sinais mais certos de identidade".
Devemos tomar muito cuidado com a ideia de dispensar a identidade autoral, quando se trata de espírito elevado, citada por Allan Kardec. Caroli Rocha descontextualizou a mensagem e se arrogou em dizer que "não é necessário" analisar a identidade autoral. Vamos colocar o pedagogo lionês no contexto das descobertas no âmbito da Comunicação, na época.
Entre 1857 e 1869, a Fotografia era uma novidade, e fora ela ainda não haviam sido descobertos o Rádio, o Cinema, a Televisão e muito menos a Informática e a Internet. A resignação de Kardec em dispensar a identidade espiritual quando se trata de mensagens sem leviandade alguma era uma solução no contexto do seu tempo. Ele mesmo disse que "tentou desenvolver" as mencionadas questões relacionadas ao problema.
Não se pode dizer que o parecer de Kardec seja taxativo. Ele mesmo disse que, se a Ciência comprovasse que ele estivesse errado em algumas ideias, ele pudesse ser contestado, desde que isso fosse justificado com profunda argumentação lógica, que não necessariamente passa por processos complicados e por uma cosmética "científica", defendidos por Caroli e seus semelhantes, mas pode ser por uma observação simples, mas profundamente pertinente.
A má interpretação da ideia de Kardec, além de ignorar que existem técnicas ou possibilidades de técnicas para verificar a identidade autoral, além da simples observação textual relacionada a nomes de convívio recente entre nós, fez com que se aceitasse tudo que representasse "mensagens positivas" e "ensinamentos cristãos", criando uma verdadeira farra com os nomes dos mortos, fazendo deles o que se bem entender.
É a partir disso que muitos se esquecem das observações de Allan Kardec que remetem à bagunça "paranormal" trazida por Chico Xavier.: a "a objeção de que um Espírito que tomasse nome suposto, mesmo que só para o bem, não deixaria de cometer uma fraude e por isso não poderia ser bom".
Afinal, muitos se confundem com esse caso de "Chico Xavier disse", se é Chico ou "André Luiz", se é Emmanuel ou o próprio "médium", se é a Meimei quem disse e não o beato de Pedro Leopoldo, uma bagunça só, embora sabemos que tudo veio da mente de Chico Xavier, e, se não propriamente dele, foi de espíritos muito bem encarnados, na ocasião de cada obra do "médium", como Antônio Wantuil de Freitas, Manuel Quintão, Luís da Costa Porto Carreiro Neto e Waldo Vieira, entre outros.
LEI DE ATRAÇÃO
Vamos parar para pensar. O Brasil é um país considerado "virgem" na questão da paranormalidade. Até hoje ele apresenta problemas nada resolvidos. Comparado com o Velho Mundo, o Brasil engatinha nas questões mediúnicas, e a coisa se agrava se verificarmos que Europa e EUA também estão muito incipientes no assunto.
No tempo de Allan Kardec e algumas décadas posteriores à sua morte, tivemos casos duvidosos como o das irmãs Fox, acusadas de fraudar fenômenos paranormais, e dos trabalhos ilusionistas de P. T. Barnum e do fotógrafo William H. Mumler, todos nos EUA. Mumler era conhecido por fraudar fotos, inserindo negativos de indivíduos, alguns vivos na época, como supostos espíritos se manifestando nas imagens.
Se hoje muitos pretensos paranormais usam personalidades falecidas como a da atriz estadunidense Brittany Murphy (conhecida pelo filme As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless)), envolta em supostas mensagens espirituais que apenas repetem abordagens duvidosas da imprensa sensacionalista, seja de fofocas ou matérias policiais, isso significa que nem o mundo desenvolvido está preparado para entender os enigmas da mediunidade.
E se o Velho Mundo não está devidamente esclarecido a respeito dessas questões, não será o Brasil que traria respostas a respeito. Isso vai contra a lógica e o bom senso, mas, também, contra os ensinamentos de Jesus, que enfatizava a ideia de "falar a quem quer ouvir". Mais ignorante do que o Velho Mundo em paranormalidade, o Brasil é um terreno ainda muito estéril para esse tema, se comparado com o já incipiente mundo desenvolvido.
É muito patético e cretino acreditar que uma multidão de escritores e poetas, brasileiros e portugueses, que viveram no século XIX, se sentiriam atraídos por um caixeiro caipira, de uma esquecida localidade mineira, Pedro Leopoldo, e resolveram se juntar a ele para publicar mensagens inéditas produzidas no mundo espiritual.
Essa fantasia parece linda, agradável, tranquiliza a todos, faz muita gente sorrir, mas se trata de uma grande aberração à qual não possui um pingo de lógica e qualquer relativização que tente justificar tal devaneio como algo viável esbarra em uma série de contradições, omissões e equívocos, sobretudo entre aqueles que não conseguem decidir se Chico Xavier era um "semi-deus" ou "apenas um homem simples".
Não existe razão alguma para Parnaso de Além-Túmulo ser autêntica ou "quase autêntica", de acordo com a perspectiva de Caroli Rocha. Não podemos pressupor, mesmo como ideia latente, que Chico Xavier tivesse valor algum entre os literatos, porque as especulações a respeito são de caráter meramente emocional, não havendo a menor sustentação lógica, por mais que se revista essa alegação emotiva de roupagem pretensamente científica.
O TALENTO MORRE E A PROFISSÃO VAI COM O ESPÍRITO? NÃO, É O CONTRÁRIO
A atribuição de falanges espirituais, que em 1932 teriam sido atraídas por um caipira de Pedro Leopoldo, então distrito de Santa Luzia, Minas Gerais, para publicar novas mensagens do além, é uma ideia que causa prazer em muita gente, mas não tem o menor cabimento.
Nem mesmo o fato de Chico Xavier ter sido um leitor constante de livros justifica tal hipótese. Até porque, se fosse assim, os espíritos dos escritores teriam que, freneticamente, se dirigir a cada um dos seus leitores na Terra, o que é impossível e sobrecarregaria suas atividades no além-túmulo.
Além disso, os partidários de Chico Xavier costumam omitir esse hábito de leitura. Consideram eles que Chico era analfabeto, ignorante, e que por um "milagre de Deus" receberia os maiores escritores do além-túmulo, como uma recompensa da humildade do "médium" etc. São alegações emotivas, idealizadoras, mas que não se sustentam com a realidade dos fatos.
Há vários problemas correspondentes às falanges espirituais, um mito defendido pelo "meio espírita" para realização de supostas "psicografias" ou "pictopsicografias" coletivas:
1) É impossível que se reúnam pessoas de diferentes procedências para um mesmo evento. A nossa vida cotidiana já nos dá uma explicação. Se, num intervalo longo de tempo, é impossível reunir rigorosamente toda a turma de antigos colegas de escola, havendo a tendência de comparecer apenas uma parte dela, provavelmente menos da metade, imagine espíritos de diferentes escritores ou pintores, de locais e épocas diferentes, para um mesmo evento "mediúnico"?;
2) As obras "mediúnicas" são irregulares em estilo e linguagem e as semelhanças não garantem veracidade. Não raro aspectos comprometedores aparecem, mesmo sutis, que desqualificam a atividade "mediúnica". Mas a blindagem que se dá aos "espíritas" permite que tais obras irregulares sejam feitas, para o faturamento financeiro das instituições envolvidas, sob o pretexto da "caridade", não obstante a mercê de superfaturamentos para alimentar os cofres de dirigentes;
3) O próprio suposto médium dá fortes indícios de que as obras "dos autores espirituais" expressam o estilo pessoal do pretenso paranormal, através da caligrafia e da comparação das "diferentes obras mediúnicas", sempre iguais entre si.
Outro dado a considerar é que não existe garantia que o espírito permaneça na mesma profissão que teve na Terra. E o mundo espiritual ainda é um enigma, não se sabe se existem as mesmas condições para alguma tarefa produtiva, como conhecemos aqui.
Também existem casos de escritores que deixam de serem escritores, no mundo espiritual. Ou de pintores com personalidade difícil, como Vincent Van Gogh, que é impossível de comparecer a sessões de "pintura mediúnica". E houve eventos assim que alegavam a presença de Van Gogh, o que a lógica dos fatos e da personalidade humana podem desmentir, com muita segurança.
Os "espíritas" acabam invertendo os conceitos e acreditam que o talento individual "fica" no túmulo. O que vai para o mundo espiritual é a profissão, o CNPJ, a Carteira de Trabalho e o contrato profissional. Isso não tem lógica. A lógica é a inversa de tudo isso.
No caso de Parnaso de Além-Túmulo, os autores atribuídos haviam falecido num considerável prazo de décadas. Talvez alguns deles não tivessem mais interesse em escrever poemas ou prosas. O que podemos afirmar é que a atribuição de que os grandes escritores deixaram obras inéditas nesse livro não encontra sentido pelos mais diversos motivos, sobretudo se levarmos em conta que o livro sofreu estranhas alterações editoriais, que foram cinco vezes em quase duas décadas e meia.
Daí que podemos, mediante uma rigorosa e cautelosa análise, entender que Parnaso de Além-Túmulo é pioneira na literatura fake, e só mesmo um país extremamente desinformado e mistificador como o Brasil para dar alguma credibilidade a uma obra de tamanha espécie, mesmo com todas as provas de que ela foi uma farsa.