Ainda sob a análise do apoio de Chico Xavier à ditadura militar

Vamos novamente reproduzir algumas passagens relacionadas ao apoio que Francisco Cândido Xavier deu à ditadura militar, comparecendo a homenagens e tudo o mais. Todo relativismo que tenta, pelo menos, subestimar esse apoio ou explicá-lo como algo "condicionado", esbarra em uma série de incoerências, várias delas graves e sem o menor fundamento lógico.
Vejamos o que o historiador fluminense Jorge Ferreira, biógrafo do ex-presidente João Goulart, havia descrito, no livro 1964: O golpe que derrubou um presidente, em co-autoria com Ângela de Castro Gomes, sobre o apoio de "espíritas kardecistas"ao golpe militar de 1964, na página 378:
"O que marcou a caminhada foram os grupos religiosos e, claro, as mulheres. Embora a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil não apoiasse oficialmente as Marchas, nada impedia que padres e bispos, por sua própria convicção pessoal, participassem do evento. Mas estiveram presentes também fiéis das igrejas protestantes, rabinos, espíritas kardecistas (sic) e umbandistas".
(...)
"Quando a Marcha chegou ao seu destino (Vale do Anhangabaú, em São Paulo), começaram os discursos. É importante observar quem foram os oradores. Houve líderes religiosos falando em nome dos espíritas kardecistas e da Comissão de Divulgação da Imagem de Iemanjá, além de um rabino, um pastor protestante e um representante da Igreja Romana Ortodoxa".
O nome de Chico Xavier não é mencionado, mas o contexto permite afirmar que, com absoluta certeza, se atribuísse ao "médium" o apoio ao golpe militar, ainda mais ele, que sempre fez parte de uma sociedade conservadora, que estava indignada com os "abusos" do governo João Goulart, como a desapropriação de grandes propriedades rurais à beira das rodovias e os aumentos salariais dos trabalhadores, que davam a eles benefícios antes exclusivos das elites.
É chocante para muitos dizer isso, mas Chico Xavier se insere numa tendência de que as religiões conservadoras desejam que uma sociedade permaneça miserável para obter protagonismo "filantrópico".
Se um governo progressista dá fim às desigualdades sociais, ele praticamente deixa as religiões no ócio, sem dar a elas a chance de forjar seu "bom-mocismo". As religiões, salvo exceções (o "movimento espírita" da linha chiquista não está nestas), odeiam as esquerdas porque estas são uma concorrência forte na ajuda aos mais necessitados, tirando o protagonismo dos projetos religiosos.
Vamos agora ao que Chico Xavier disse, no programa Pinga Fogo da TV Tupi, numa explícita defesa da ditadura militar:
"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades. Diga-se, a bem da justiça, que os militares só recorreram à violência, ao AI-5, em represália aos atos de violência dos opositores do regime democrático capitalista, que viviam provocando atos de vandalismo, seqüestros de embaixadores e mortes de inocentes".
É impossível crer que Chico Xavier teria dito isso sob orientação de um ponto eletrônico. Essa tese não tem cabimento, até porque Chico Xavier era visto como "líder" entre os "espíritas" e eles se confundem quando falam que, em maus momentos, o "médium" se deixa ser "manipulado" ou "mal influenciado".
Não se sustenta a teoria de que Chico Xavier teria apoiado a contragosto a ditadura militar, porque ele tinha raízes conservadoras muito sólidas, sua formação religiosa, apesar de suposta paranormalidade, era o Catolicismo mais ortodoxo, e seu perfil era escancaradamente conservador. As teorias que o desenham como um suposto progressista de esquerda não têm o menor fundamento.
Mesmo mencionando a dúvida de setores da mídia quanto ao direitismo de Chico Xavier, visto como uma "estratégia" para o "médium" não ser censurado nem reprimido, o biógrafo Marcel Souto Maior teve que registrar a homenagem que seu biografado recebeu na Escola Superior de Guerra, algo que não parece feito "por simples estratégia":
"A revista Veja decifrou o discurso militarista de Chico Xavier como uma estratégia. Com os elogios generalescos, ele se livraria do risco de sofrer censura, como havia acontecido com o umbandista carioca Seu Sete da Lira, atração dos programas Sílvio Santos, Flávio Cavalcanti e Chacrinha naquele ano.
Se foi mesmo uma tática, ela funcionou. A Escola Superior de Guerra convidou Chico a dar uma palestra a seus alunos. Ele aceitou o convite. No final da conferência, os cadetes se perfilaram e, em fila, cantaram para ele o hino de sua escola".
O que devemos lembrar é que a "estratégia", em verdade, tinha motivação puramente pessoal. Ela em nenhum momento deve ser definida como uma atitude de um progressista de evitar ser preso ou morto, mas de um conservador que apenas lutava por uma sobrevivência pessoal. Do ponto de vista do verdadeiro humanismo, o que Chico Xavier fez foi uma leviandade, porque o verdadeiro humanista prefere sofrer riscos em prol dos oprimidos, mesmo renunciando à sobrevivência pessoal.
Além disso, ninguém é homenageado à força. A Escola Superior de Guerra homenageou Chico Xavier por uma grande afinidade de ideias, de sintonias. A verdade é que Chico Xavier agradava os generais, que o viam como um grande apoiador. Se hoje Jair Bolsonaro tem em Olavo de Carvalho um guru, o que muitos se esquecem é que essa função coube a Chico Xavier.
Chico Xavier garantia a prevalência do moralismo católico-medieval, que a ditadura militar procurava zelar, e mesmo seu projeto de "caridade" atendia a parâmetros muito conservadores. Alegações que suas propostas pedagógicas eram "libertadoras" são ideias ventiladas de maneira vaga, sem fundamento teórico algum, e se observarmos bem seu conteúdo, essas propostas encontram surpreendente proximidade com a Escola Sem Partido dos tempos atuais.
Quanto ao apoio à ditadura militar, uma análise bastante equivocada, uma tese não só sem fundamentação, mas também sem pé nem cabeça, é ventilada por Ronaldo Terra na sua tese acadêmica "Fluxos do Espiritismo Kardecista no Brasil: Dentro e fora do continuum meidúnico", dissertação de Mestrado em Ciências Sociais da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP):
"Outra manifestação favorável aos militares vem do kardecismo por intermédio do médium Chico Xavier. Considerado na década de 1970 como um fenômeno de popularidade, Chico impressionava a todos por ter publicado 107 livros que, segundo ele, eram frutos da psicografia. Além disso, as obras abordavam temas incomuns para a época, como o uso de anticoncepcionais, bebês de proveta e homossexualidade.
A participação do médium mineiro no programa Pinga-Fogo, da extinta TV Tupi de São Paulo, no dia 28 de julho de 1971, demonstra sua tendência sobre a política no país. (Marcel Souto) Maior relata que, ao ser sabatinado ao vivo por cinco entrevistadores, Chico Xavier prendeu a atenção de 75% dos telespectadores paulistas. Questionado pelo jornalista Reali Júnior sobre o possível conformismo dos espíritas em relação à injusta distribuição de renda no Brasil, o médium responde que “O espiritismo nos pede paciência para esperar os processos da evolução e as ações dos homens dignos que presidem os governos”.
No dia 12 de dezembro daquele mesmo ano, Chico Xavier volta ao auditório da TV Tupi para uma nova participação no programa Pinga-Fogo. Desta vez, a entrevista foi transmitida em rede nacional por um pool formado por quatro emissoras. Segundo Maior, na ocasião o médium defendeu a cirurgia plástica e a reencarnação, declarou seu respeito pela umbanda, descontraiu o público com suas histórias e ainda proferiu um discurso capaz de emocionar o próprio general Médici, então presidente do país:
– Precisamos honorificar a posição daqueles que nos governam e que vigiam os nossos destinos. Devemos pedir para que tenhamos a custódia das Forças Armadas até que possamos encontrar um caminho em que elas continuem nos auxiliando como sempre para que não descambemos para qualquer desfiladeiro de desordem. A oração e vigilância, preconizadas por Jesus, se estampam com clareza em nosso governo atual [...].
A declaração de simpatia pelo governo não termina no discurso. Ao final do programa, Chico contempla a plateia com um poema psicografado e assinado, simplesmente, por Castro Alves. Nele, uma nova homenagem: “Dos sonhos de Tiradentes / Que se alteiam sempre mais / Fizeste apóstolos, gênios/ Estadistas, generais”.
O reconhecimento não tardou, convidado pela Escola Superior de Guerra, Chico dá uma palestra aos alunos e, ao final, é homenageado com o hino da instituição cantado pelos cadetes. Enquanto sua atuação rendia comentários e protestos de religiosos e jornalistas, o médium usufruía do prestígio obtido. No dia 22 de setembro de 1972, recebeu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o título de Cidadão do Estado da Guanabara. Nesta data, estava entre os ilustres presentes, o almirante Silvio Heck.
O comportamento de Chico Xavier não representa a adesão total dos kardecistas ao regime militar. No entanto, é importante observarmos que o médium mineiro simboliza o sucesso e a expansão da doutrina no século XX. Seu carisma conquistou milhares de brasileiros, que sempre peregrinavam até Uberaba em busca de conforto espiritual e de mensagens de familiares falecidos, psicografadas por ele.
A projeção internacional do kardecismo e o reconhecimento do Brasil como país espírita, muito se deve ao trabalho de Chico Xavier. Ele é considerado nos meios espíritas como exemplo de vida e maior representante da doutrina depois de Allan Kardec.
Assim, podemos afirmar que sua conduta amistosa em relação aos militares jamais seria questionada pelos espíritas e que, ao homenagear a ditadura, ele evita qualquer tipo de censura, podendo exercer livremente suas atividades e divulgar os preceitos da doutrina. Da mesma forma, os “comandantes políticos” aproveitaram-se da situação para usufruir do crédito revelado por um homem com perfil de santo, capaz de atrair indivíduos dos mais diversos segmentos religiosos, o que desviava o foco do clero e suas críticas.
Aliás, se considerarmos os estudos de (Sandra Jaqueline)Stoll e (Bernardo Lewgoy) (autores pesquisados na tese), (...), compreenderemos que as atitudes complacentes de Chico Xavier com o exército brasileiro eram mais condizentes com o perfil católico de santidade assumido por ele do que propriamente uma estratégia em busca de legitimação ou um ato de colaboração com a ditadura militar, condição que não reverte o relacionamento amigável do médium com os militares".
A tese de "santidade" é ridícula, porque sabemos que, se Chico Xavier apoiou a ditadura militar, foi justamente porque ele a apoiou, como figura conservadora que era. Também as seitas e movimentos religiosos que estiveram na Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, em 1964 - no qual o "espiritismo" de Chico Xavier participava, com muito gosto - poderiam ser creditadas como "estrategistas", em teses igualmente desprovidas de qualquer consistência.
Segue o que o desembargador aposentado Liberato Póvoa, a respeito do medo de Chico Xavier da ascensão ao poder do ex-sindicalista Luís Inácio Lula da Silva (semelhante ao medo sentido pela atriz Regina Duarte, por sinal por "pura estratégia"), em artigo intitulado "Chico Xavier, Lula e Bolsonaro" no jornal goiano Diário da Manhã. Vejamos o texto e seguimos com as considerações:
"Carlos Antônio Baccelli, grande médium uberabense, ex-discípulo de Chico Xavier, mandou para as redes sociais uma reflexão acerca da situação política atual.
Diz ele que quando Lula foi candidato a Presidente do Brasil, concorrendo contra Collor, Chico disse que tinha medo dele.
Na época, ele não entendeu, pois, afinal, Lula representava os pobres, que Chico sempre defendeu. Pela vez primeira, Chico declarou apoio a um candidato, a Collor, inclusive recebendo-o em sua casa. Collor era um mal menor, foi logo cassado.
Chico achava que ele deveria ter renunciado. O tempo correu e Baccelli constatou que Chico, mais uma vez, estava com a razão.
Lula insistiu, foi eleito e deu no que deu. O PT quase acabou com o Brasil, igualmente quase acabando com a expectativa de que, um dia, ele venha a ser a Pátria do Evangelho".
Em primeiro lugar, Carlos Baccelli, "médium" de Uberaba, cometeu erros nas "psicografias" que o fizeram romper a parceria, e não a amizade, com Chico Xavier. Os dois nunca se tornaram desafetos e não foi pela "natural tendência ao perdão" dos "espíritas", mas pela afinidade de ideias, mas um distanciamento diante da pouca habilidade de Baccelli em criar "psicografias" menos escandalosas, sem dissimular o reacionarismo em palavras mais verossímeis.
Baccelli não iria depreciar o amigo Chico Xavier, ao qual manifesta até hoje admiração profunda, para ser considerado "inventor de boatos". Se Baccelli informa que Chico Xavier tinha medo do Lula, o contexto permite que essa declaração seja verdadeira.
Liberato Póvoa escreveu o texto sob o ponto de vista direitista. Ele mesmo manifestou apoiar Jair Bolsonaro. E, citando uma conversa de Chico Xavier com Adelino da Silveira, um de seus biógrafos, descreveu, por volta de 1979, mencionou o que o "médium" havia falado:
"Adelino, o homem que vai começar a dar um jeito no Brasil deve estar na faixa dos 15 anos, talvez um pouco mais - não é um espírito missionário, não é um espírito evoluído, mas é com ele que o Brasil começará a entrar nos trilhos (...)".
Póvoa, mencionando conversa com Baccelli, ouviu deste que, muito provavelmente, o governante se encaixaria no perfil de Jair Bolsonaro que tinha "um pouco mais de 15 anos", 25 em 1979. Chico Xavier disse isso quando havia a ditadura militar e o próprio "médium" foi um instrumento usado pela grande mídia para promover idolatria religiosa sem o aparato formal dos católicos e, sobretudo, para neutralizar, naquela virada dos anos 1970 para os 1980, a ascensão justamente de Lula, que então se preparava para criar o PT.
Não há como desmentir o direitismo, o conservadorismo e o reacionarismo de Chico Xavier. Toda tentativa neste sentido, por mais que adote um verniz de "cientificismo" e "imparcialidade", esbarra em concepções rasteiras, sem fundamento, alegações meramente emocionais, ideias soltas e muito vagas.
É por isso que, entre os seguidores de Chico Xavier que se declaram de esquerda e os que se declaram de direita, são os esquerdistas os mais nervosos, desesperados e inseguros nos seus argumentos. A direita que apoia Chico Xavier é mais tranquila, porque há uma harmonia entre o que eles pensam e a realidade dos fatos. Eles, pelo menos, não precisam brigar com os fatos e a Lógica para desenvolverem no "médium" uma imagem pessoal que ele nunca teve.
O pensamento desejoso dos "chiquistas de esquerda" é que os deixa em situação complicada, estando eles nervosos no desespero de argumentar qualquer coisa, levando em conta somente alegações emocionais agradáveis, criando em Chico Xavier uma imagem que somente tem coisas agradáveis. E, na ironia de idolatrarem um "pacifista", os esquerdistas, para apoiar Chico Xavier, vivem em permanente conflito com a realidade dos fatos.