Ainda sobre André Luiz e a glândula pineal: pesquisa carece de fundamentação


AARON LERNER, O ÚNICO CIENTISTA QUE OS "ESPÍRITAS" ACREDITAM TER DESCOBERTO A MELATONINA DEPOIS DO "ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ".

Sabemos que a tese contida no texto dos acadêmicos Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Jr., Decio Iandoli Jr., Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, publicado em português na página da "Federação Espírita Brasileira" sob o título Aspectos históricos e culturais da glândula pineal: comparação entre teorias fornecidas pelo Espiritismo na década de 1940 e a evidência científica atual, carece de fundamentação em inúmeros aspectos.

Notamos que, entre outras coisas, os autores não demonstraram terem consultado a "escassa e conflituante" bibliografia dos anos 1940 sobre os estudos a respeito da glândula pineal, pois as referências bibliográficas consultadas pelos pesquisadores é muito recente, em grande maioria de obras datadas das décadas de 2000 e 2010.

Para os autores conseguirem algum fundamento a respeito de seu julgamento sobre as análises do tema nos anos 1940, teria sido necessário apontar os autores relacionados e os trabalhos referentes, coisa que não foi feita. A pressuposição de "escassez e conflito" nas obras daquela época foi, portanto, especulativa, sem fundamento e sem a confirmação necessária através de amostras que apontassem essa tese.

Não bastasse isso, os autores ignoraram a influência do pesquisador alemão Wolfgang Bargmann, que em 1943 lançou Handbuch der mikroskopischen Anatomie des Menschen (em português, o trabalho, inédito, poderia ser traduzido no título como Manual da Anatomia Microscópica do Ser Humano) um importante estudo sobre glândula pineal.

As descrições das obras do suposto espírito André Luiz, trazidas por Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier), a respeito da glândula pineal, soam bastante superficiais, e em nenhuma delas há indícios que sugiram o suposto pioneirismo na obra dita "mediúnica".

COMO "ANDRÉ LUIZ" TERIA FEITO AS DESCOBERTAS?

Outro ponto a questionar é que, se o suposto espírito de André Luiz, que Chico Xavier afirma ter sido de um médico que não declarou seu "nome na Terra", realmente teria feito descobertas sobre glândula pineal só conhecidas a partir de 1958 e, mais precisamente, em 2005, de que forma o "autor espiritual" teria feito as pesquisas para chegar a conclusões tão antecipadas?

As citações, presentes na monografia em questão, são meros relatos romanceados e não possuem fundamento científico. Vejamos a tabela publicada pelos autores:



Os relatos apresentados, portanto, dão indício de que podem terem sido copiados de algum manual, que apresentasse conteúdo prévio sobre o tema, e que estiveram acessíveis na biblioteca pessoal de Chico Xavier ou da FEB. Não há um indício sequer de pioneirismo científico, do contrário que "ventila" a ambiciosa tese acadêmica.

Nenhum deles traz um conteúdo eminentemente científico, sendo apenas citações dramatúrgicas de conceitos científicos bastante superficiais, coisa que qualquer autor de novela faria sem muito brilhantismo hoje em dia. Glória Perez teria feito isso com mais competência que o "André Luiz" de Chico Xavier.

Além do mais, como "André Luiz" teria conseguido tais informações, se considerarmos a tese trazida pelos acadêmicos"espíritas"? Como o "autor espiritual" chegou a tanto? Os autores não dizem e tudo fica na exploração especulativa, com um esforço de aparente fundamentação, colhendo declarações tanto de dirigentes "espíritas" quanto de endocrinologistas e outros especialistas médicos, que pelo contrário não ajuda muito na sustentação de sua tese.

Qual foi o método usado por "André Luiz" para se chegar a tamanhas conclusões? Em que fundamentação teórica ele se baseou para tanto? Houve notas trazidas, se não pelo "médium", mas por especialistas, na ocasião da primeira edição de cada livro relacionado, que apontasse alguma inspiração teórica? Entrevistas de época traziam alguma base nesse sentido? Nenhuma houve, e isso mostra que a tese defendida pelos acadêmicos "espíritas" carece de fundamentação.

Como se deu origem ao "trabalho pioneiro" na esfera espiritual? Teria sido uma determinação de Deus, que escolheu André Luiz como o "iluminado" que traria conceitos antecipados que depois seriam largamente conhecidos? A ideia teria surgido, então, por um milagre e uma dádiva divina?

Isso não tem fundamento lógico. Além disso, a atribuição dos "espíritas" de que, depois de "André Luiz", somente o cientista estadunidense Aaron Lerner - falecido em 2007, não deve ser confundido com um pediatra com o mesmo nome - tem o pioneirismo de identificar a melatonina, substância produzida pela glândula pineal, descoberta em 1958, é bastante equivocada.

Primeiro, porque para se chegar a essa conclusão, Aaron levou tempo para realizar tais estudos. E isso leva também dinheiro, porque é necessário usar recursos diversos para as experiências fundamentais para tal objetivo.

Uma descoberta científica não é como o salgadinho que acabou de ser frito e oferecido na lanchonete para o freguês pedir, pagar e comer. Ela parte de uma hipótese longamente concebida, e em muitos casos ela já foi previamente lançada, mas sem a devida confirmação.

Os acadêmicos "espíritas", tão preocupados com o aparato de objetividade científica e pela cosmética da linguagem monográfica, não conseguem perceber que uma "descoberta" nada traz de realmente novo, mas de algo longamente testado e longamente analisado e isso pode estar oculto ao grande público leigo, mas é algo bastante difundido nos meios estritamente científicos.

As informações contidas na tabela que acima vemos são de dados previamente difundidos, e, mesmo em se tratando de sugestão de suposto pioneirismo, isso não procede. Afinal, podem haver improvisos de situações criadas por Chico Xavier (ou por Antônio Wantuil de Freitas e Waldo Vieira, que trazem indícios de terem sido co-autores das supostas psicografias) que nada refletem na atribuição de que Missionários da Luz teria sido uma obra visionária sobre o assunto da glândula pineal.

A narrativa superficial e, de certa forma, prosaica e simplória, das passagens selecionadas pelos pesquisadores, dão indício que, se "André Luiz" não demonstrou as fontes que ele teria consultado para lançar sua "tese pioneira", em verdade o que se vê são indícios de que tais trechos dos livros "mediúnicos" teriam sido copiados de manuais conhecidos sobre anatomia humana.

A ambiciosa monografia, não bastasse ter sido publicada num periódico de baixo fator de impacto (ou seja, irrelevante e inexpressivo para o meio científico), o Neuroendocrinology Letters - que na referida edição de 2013 obteve o fator 0,935 - , serviu apenas para blindar a figura de Chico Xavier, usando apenas de uma maquiagem "científica" para defender obras que apelam para a supremacia da Fé em detrimento da Razão.

Portanto, a monografia errou em seu objetivo e suas conclusões são invalidadas na medida em que as passagens dos livros "mediúnicos" mostram narrativas superficiais e conceitos que nada trazem de pioneirismo, se assemelhando aos conceitos científicos mais banais que são aproveitados em narrativas de novelas de televisão. O "pioneirismo" de "André Luiz" foi por água abaixo.