Artigo acadêmico aponta ligação de Chico Xavier com coronelismo de Uberaba
CHICO XAVIER EM 1958, UM ANO ANTES DE DEIXAR SUA TERRA NATAL, PEDRO LEOPOLDO, PARA VIVER O RESTO DOS SEUS ANOS EM UBERABA.
Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, foi um protegido das elites coronelistas de Uberaba. O conservadorismo do "médium" mineiro é subestimado e relativizado pelo pensamento desejoso de seus seguidores ou mesmo de simpatizantes mais distanciados - que se dizem "não-espíritas", "céticos" ou até "ateus" - , mas é um fato que deve ser levado em conta, o que causa sensação desagradável a todos.
Temos personalidades de grande prestígio que, em verdade, demonstraram aspectos de conservadorismo surpreendente. No passado, o escritor Monteiro Lobato, autor do Sítio do Picapau Amarelo e que foi um dos intelectuais que se abstiveram em questionar a obra "psicográfica" de Chico Xavier (sem, no entanto, considerá-la autêntica, vale lembrar), foi simpatizante do fascismo e chegou a elogiar a entidade estadunidense Klu Klux Klan, medieval e sanguinária.
Escreveu Monteiro Lobato em carta escrita em 1938, que aponta uma postura racista que mancha a reputação do escritor:
"Um dia se fará justiça ao Ku Klux Klan; tivéssemos uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos livres da peste da imprensa carioca -mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva".
Mais recentemente, temos personalidades bastante populares que, de um modo ou de outro, mostraram e mostram posições bastante conservadoras. O empresário Sílvio Santos, ex-camelô de notável apelo popular, apresentador e dono do SBT, é um dos maiores apoiadores de Jair Bolsonaro. Sílvio também é associado a posturas conservadoras e já apoiou a ditadura militar e a eleição de políticos conservadores.
Pelé, famoso craque esportivo, também é associado a posições ideológicas conservadoras, mesmo em relação à cultura negra, apesar dele ser negro e nascido no interior de Minas Gerais, a cidade de Três Corações. Roberto Carlos, que, como Pelé, é conhecido pelo aposto de "Rei", também é outro com posições conservadoras, tendo apoiado a ditadura militar. A "namoradinha do Brasil", a atriz Regina Duarte, também anda mostrando profundo reacionarismo e é apoiadora convicta de Jair Bolsonaro.
São pessoas que pertencem a um mesmo contexto sócio-cultural de Chico Xavier, que deveria ser o primeiro a ser considerado como ultraconservador, por ser ainda mais explícito do que Sílvio Santos, que foi camelô, Pelé, de origem humilde e negro, Roberto Carlos, que já cantou rock e Regina Duarte, que interpretou mulheres empoderadas na televisão.
Não se sabe por que cargas d'água um considerável número de seguidores se sente incomodada quando se fala, mesmo com fortíssima fundamentação (provas, fatos e argumentação consistente), que Chico Xavier sempre foi conservador. Esses seguidores brigam com os fatos e tentam manipular a realidade da maneira que considerarem mais agradável.
O que podemos explicar, com esta postura, é que a Fé, no Brasil, é um terreno de fantasia, como um conto de fadas para adultos, e é um âmbito onde se permite a idealização de uma pessoa, que é moldada não como a realidade o apresentou, mas conforme o desejo de cada pessoa.
Tenhamos paciência. O Brasil é um país muito atrasado. Boa parte das pessoas não sabem quem elas realmente são e o que elas querem na vida. Há muito pretensiosismo, dissimulação e mentiras. É um terreno fértil para o deturpado Espiritismo feito aqui, onde os mortos parecem ter perdido o controle de si, tendo seus nomes usados pelas mentes imaginativas de escritores, pintores e até imitadores, todos supostamente mediúnicos, para estes forjarem mensagens de propaganda religiosa.
O Brasil é um paraíso das fake news. É também um país onde se fazem muitas identidades fakes. É um país onde há falsidade e pretensiosismo em tudo, o que se torna fonte de profundas desigualdades sociais, que vão além dos manjados privilégios econômicos de alguns e vão até no âmbito da vida amorosa, onde se estimula a formação de casais sem afinidade, supostamente para "superar diferenças", mas criando o preço caríssimo do feminicídio, nos momentos de desavenças.
ESQUERDAS PRECONCEITUOSAS
O conservadorismo de Chico Xavier se confirma com uma fartura de fatos, argumentos e contextos. Sua raiz social é a Pedro Leopoldo rural, distrito de Santa Luzia, na Grande Belo Horizonte. O distrito seguia a tradição cultural de uma Minas Gerais saudosa não só do século XIX, mas do século XVIII, que fazia a sua sociedade ser marcadamente conservadora, procurando, na medida que possível, recuperar as bases sociais que marcaram a região durante o Ciclo do Ouro.
A partir dessas raízes, Chico Xavier teve formação católica ortodoxa. É um erro dizer que Chico Xavier foi católico heterodoxo. Ele era tão ortodoxo quanto os católicos que o repudiaram, talvez até mais, se percebermos que Alceu Amoroso Lima, do Centro Dom Vital, passou a se opor à ditadura militar no final dos anos 1960, enquanto o "moderno médium" permaneceu firme e até dando radical apoio ao regime.
As ideias de Chico Xavier deixadas nos livros são explicitamente conservadoras. Valores como a defesa da submissão humana e a rejeição ao senso crítico são constantes em sua obra. Ele recomendava calar-se até mesmo diante do abuso do opressor e apelar somente para a prece a Deus.
Além disso, a defesa de Chico Xavier da ditadura militar, o comparecimento dele a homenagens oferecidas pelos generais, a sua aversão profunda a Lula e o Partido dos Trabalhadores - que fazia de Chico Xavier um anti-petista por antecipação - , não podem ser desmentidos pelos malabarismos do pensamento desejoso. E, quando ocorrem tais relativismos, o resultado é um desastre.
Exemplo disso é Ronaldo Terra, que em sua tese acadêmica lançada em 2011, "Fluxos do Espiritismo Kardecista no Brasil: Dentro e fora do continuum meidúnico", dissertação de Mestrado em Ciências Sociais da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), ele aposta numa tese patética, sem pé nem cabeça, de que Chico Xavier apoiou a ditadura militar em função da "santidade do médium", uma desculpa esfarrapada para não incriminá-lo por estar ao lado dos opressores e não dos oprimidos:
"Assim, podemos afirmar que sua conduta amistosa em relação aos militares jamais seria questionada pelos espíritas e que, ao homenagear a ditadura, ele evita qualquer tipo de censura, podendo exercer livremente suas atividades e divulgar os preceitos da doutrina. Da mesma forma, os “comandantes políticos” aproveitaram-se da situação para usufruir do crédito revelado por um homem com perfil de santo, capaz de atrair indivíduos dos mais diversos segmentos religiosos, o que desviava o foco do clero e suas críticas".
Mas isso é fichinha. O pensamento desejoso vem de "isentões espíritas" que são muitos nas redes sociais, adotando um discurso "intelectual" e "reivindicando maior imparcialidade e objetividade nos questionamentos espíritas". São pessoas que usam a retórica da "imparcialidade" para evitar que os verdadeiros questionamentos desqualifiquem a reputação de Chico Xavier, considerado um grande vendedor de livros.
E também vemos o pensamento desejoso poluir as mentes ingênuas de setores de esquerda, que até ficam nervosos quando se associa Chico Xavier a qualquer contexto conservador. São esquerdistas de classe média, de formação urbana, que vivem em apartamentos confortáveis e veem as periferias de maneira paternalista, tudo que envolve o povo pobre eles pensam ser como um cenário do conto da Cinderela.
Daí o vexame que esquerdas ditas "sem preconceito", mas profundamente preconceituosas, deixaram, quando a campanha do "combate ao preconceito" que blindava a degradação sócio-cultural do povo pobre - patrocinada por oligarquias empresariais, políticas e midiáticas - e a relançava como "algo positivo", só serviu para ampliar reservas de mercado para tendências e fenômenos "extremamente populares", que agora podem tocar até em boates de luxo e festivais universitários.
A ideia de um povo pobre domesticado, tolo, de uma pobreza que é uma realidade negativa para quem a vivencia, mas é vista como "linda" pelo intelectual festivo, seja jornalista, músico, cineasta ou antropólogo, que nunca viveu em barracos prestes a cair, nunca vendeu produtos piratas e contrabandeados e levar dura da polícia e nunca vendeu seu corpo para ser espancado por um cliente e nunca recebeu voz de prisão pelo "crime" de descer o morro e tomar um inocente banho na praia.
A pobreza só é "linda" para intelectuais festivos - e cinicamente pretensos esquerdistas - que nunca a viveram, porque eles, à distância, veem as favelas como paraísos desorganizados, dentro de uma retórica que consideram "sem preconceitos", talvez dentro daquela linha do "quem muito diz que é, é porque não é": uma retórica "sem preconceitos", mas preocupantemente preconceituosa, defendendo uma imagem caricatural do povo pobre que só agrada as elites.
A TESE ACADÊMICA
Outra acadêmica, Roberta Afonso Vinhal Wagner, autora da tese de Doutorado da Universidade Federal de Uberlândia, intitulada "O Coronelismo Despótico de Uberaba (MG): dos coronéis da Princesa do Sertão aos 'coronéis' do zebu na nova configuração hegemônica das elites uberabenses no período de 1960 a 2007", lançada em 2013, trabalha para a idealização do mito de Chico Xavier.
Ela faz uma imagem idealizada do "movimento espírita", que ela acredita ser uma "religião transformadora" e comprometida com a "filantropia e a educação libertadora". Roberta não parece ser uma esquerdista deslumbrada, mais parecendo uma acadêmica neutra que se guia pelas visões oficiosas de qualquer coisa.
Infelizmente, é uma tendência imposta pela comunidade acadêmica no Brasil, onde monografias precisam caprichar na forma, no aparato, criando um discurso de "objetividade" que se recusa a questionar problemáticas. É o que se chama de "cosmética da imparcialidade", que faz as teses acadêmicas se voltarem mais para atender a burocracia dos colegiados de pós-graduação do que para ter uma função social, pois muitas das teses "morrem" contraindo mofo nas estantes de bibliotecas.
O senso crítico é discriminado nos cursos de pós-graduação, creditado, preconceituosamente, como "opinião", e o que se chama de "problemática" nunca é problematizado de verdade, gerando teses acadêmicas meramente descritivas, que transformam tudo que é estabelecido pelo "sistema" como um "patrimônio". Patrimonializa-se o problema, portanto.
Analisamos a tese de Roberta sem reproduzir trechos da tese, pois o fato de que o arquivo PDF que consultamos não permite cópias, mesmo acionando os botões "Ctrl" e "C" e depois "Ctrl" e "F", sugere que a autora também não autoriza reprodução parcial dos trechos de sua tese, o que nos força a fazer uma interpretação sem citações, com a compensação de que a tese original está indicada no link acima inserido.
Roberta, na sua idealização do "espiritismo" brasileiro, apenas traça um ligeiro paralelo com a repressão vivida por movimentos de esquerda durante a ditadura militar. Ela até menciona que houve casos de "espíritas" que realizavam "práticas que desagradavam o poder local que estava associado, a nível nacional, com a ditadura militar".
No entanto, ela não consegue explicar por que os "espíritas" eram perseguidos e Chico Xavier não. Ele trabalhou como inspetor sanitário de gado zebu, e era protegido da Associação Brasileira de Criadores de Gado, através da Associação Brasileira de Criadores de Zebu, que mantinha boas relações com o "médium".
Roberta menciona também que o "movimento espírita" cresceu em Uberaba, apesar de sua contraditória tese de que ele "incomodava" a sociedade tradicional local. Mas ela não explica, por exemplo, por que o "espiritismo" brasileiro, em Uberaba, cresceu entre a alta sociedade, que também manifestou seu respaldo a Chico Xavier.
Há contradições em sua tese e Roberta, contrariando a verdadeira objetividade acadêmica, ainda prenunciou "fatos fascinantes" a respeito da vida de Uberaba, investindo numa adjetivação que, essa sim, dá margem a uma posição opinativa. Os relatos de que o "espiritismo" lutava por "sociedade igualitária" e "educação libertadora" são muito vagos, meramente opinativos e sem um caráter verdadeiro de objetividade. Quando é para elogiar Chico Xavier, valem as especulações.
Ainda assim, mesmo quando Roberta tenta mascarar os fatos, sua tese não deixa de mostrar que, com base nas afinidades de ideias e de sintonias vibratórias, o "médium" não teve dificuldades de ser um protegido da sociedade conservadora uberabense. E foi fácil ele, assim que se instalou na cidade do Triângulo Mineiro, contrair em seu favor um fortíssimo lobby, junto a setores das elites econômicas, políticas e sócio-culturais, que o fez se tornar um ídolo religioso e uma pretensa unanimidade. O apoio da sociedade conservadora confirma o conservadorismo de Chico Xavier.