Chico Xavier atrapalhou estudos sobre contatos entre vivos e mortos


A "psicografia" irregular de Francisco Cândido Xavier atrapalhou, com toda certeza, os estudos realmente sérios a respeito da comunicação entre vivos e mortos. Esses estudos sérios existem, mas eles se tornam comprometidos quando se legitima algo que se demonstra extremamente falho em muitos aspectos.

Não podemos confundir estudos sérios com o processo tendencioso de mascaramento pseudo-científico, trazido por uma elite academicista composta de nomes como Alexander Moreira-Almeida e Alexandre Caroli Rocha, que servem mais para fazer apologia a Chico Xavier e a blindá-lo com uma falsa imparcialidade científica, que nada questiona e que só cria um aparato insosso e sem efeito de pretensa objetividade.

Existem trabalhos de pesquisa sobre vivos e mortos, e no Brasil a pesquisadora Sônia Rinaldi é uma das autoridades do assunto, contando com uma aparelhagem de Trans-Comunicação Instrumental (TCI), que procura capturar imagens e sons de possíveis espíritos desencarnados.

Esses trabalhos são comprometidos, porque há uma grande perda de tempo em discutir a obra de Chico Xavier, devido à teimosia de seus seguidores, que se escondem na máscara de pesquisadores distanciados (não sectários nem beatos) para legitimá-lo e evitar contestá-lo, sob a desculpa de que qualquer contestação soasse "precipitada", "sem fundamento científico", "excessivamente opinativa" ou até mesmo "depreciativa".

Esse mascaramento acaba não apenas comprometendo os estudos sobre comunicação entre vivos e mortos, apesar de todas as alegações de "se somarem" a esse tema, mas desperdiça qualquer esforço de questionar o trabalho irregular de Chico Xavier, além do fato de exigir critérios demasiadamente complicados para buscar possíveis irregularidades.

Segundo Allan Kardec, pode-se, por exemplo, questionar um trabalho supostamente mediúnico pela simples análise textual: para ele, é suficiente verificar a validade ou não de um trabalho observando aspectos de linguagem textual, estilo e personalidade de cada autor atribuído, com base em material deixado em vida, e se for apontado um erro, isso pode desqualificar uma "psicografia".

TESES ACADÊMICAS, NO BRASIL, DESESTIMULAM SENSO CRÍTICO

O grande problema é que a turma de "acadêmicos espíritas" como Moreira-Almeida, Caroli Rocha e tantos outros se deixa levar pela aparente indignação de intelectuais brasileiros históricos, como Osório Borba e Malba Tahan (pseudônimo de Júlio César de Melo e Souza), que os "pesquisadores do Espiritismo" no Brasil creditam como "comprometedora" de suas posições contestatórias à obra de Chico Xavier.

Além disso, o próprio trabalho desses "acadêmicos espíritas" segue a pior tendência existente nos trabalhos universitários, uma tendência à assepsia crítica dos trabalhos monográficos e à discriminação ao senso crítico, confundido com "mera opinião", que tornam as pesquisas de pós-graduação escravas de uma cosmética neutralizante, em que "problemáticas" são meramente estudadas sob o enfoque descritivista, sem que houvesse uma contestação firme e direta.

Essa tendência, que não envolve apenas o Espiritismo, mas outros âmbitos sociais e fora do eixo religioso, faz com que as pesquisas e projetos de pós-graduação ficassem viciados num aparato de "objetividade", numa narrativa neutralista onde se tem a presunção de acolher pontos polêmicos, mas sempre com o objetivo meramente expositivo, que não permitisse o pesquisador de interferir na "problemática" abordada.

Isso se compara aproximadamente a uma pesquisa médica sobre os males de cada doença, na qual se limita a identificar os micróbios agentes do respectivo mal, mas sem a preocupação de se criar uma vacina para combater a doença e tais agentes. Em vez disso, cria-se uma "neutralidade" na qual se supõe que "pode ou não" haver tal doença, havendo a hipótese dela ser considerada "saudável".

Dessa maneira, a função social do intelectual de apontar males e problemas sérios não é estimulada nos trabalhos universitários. Em vez dessa tarefa, cria-se uma narrativa, dotada de texto maçante pelo aparato da "abordagem científica" e "linguagem científica", que só serve para agradar as bancas examinadoras, mas que, uma vez transformada em tese acadêmica pronta, sua serventia se perde pelo caráter questionador extremamente estéril, em que pese o cumprimento de rígidas regras acadêmicas.

Isso é um problema geral e faz com que um sem-número de teses acadêmicas fosse condenado ao mofo das bibliotecas de pós-graduação. Os quinze minutos de fama do acadêmico autor de cada tese podem se refletir num prestígio social posterior em artigos e trabalhos a serem feitos, mas é necessária uma produtividade constante para compensar a erosão questionadora dos trabalhos, porque as "pesquisas" não sobrevivem depois do momento a que estão expostas, condenadas que são ao esquecimento, pela sua esterilidade social.

As atividades de Alexander Moreira-Almeida, Alexandre Caroli Rocha e tantos outros acadêmicos "espíritas" se inserem nesse universo estéril da cosmética da "objetividade" e defendem supostas pesquisas que, sob a pretensão de trabalhar com "imparcialidade" um tema escolhido, impedem a função social do questionamento de um sério problema.

Os problemas, nesses trabalhos, são meramente descritos. Os trabalhos seguem o rigor formal de citar metodologias, justificativas, objetivos e outros critérios exigidos pelos editais de pós-graduação. Mas tudo isso gera um trabalho cosmético: há toda uma verborragia "científica" que não raro transforma o texto em algo difícil de ler, pelo material meramente descritivo e pela tarefa estéril de não interferir na "problemática" abordada, acabando por "patrimonializar" o problema.

Em outras palavras, a "patrimonialização" do problema consiste em sua preservação. O pesquisador se supõe sem a responsabilidade de intervir num problema, acreditando se limitar a tratá-lo com "objetividade". Há uma falta de coragem nisso, uma vez que o pesquisador não consegue enfrentar a complexidade do problema, se limitando apenas a descrevê-lo, descumprindo o papel social do intelectual que, no mundo desenvolvido, não tem medo de usar o senso crítico, mesmo que seja para derrubar totens e paradigmas consagrados.

CHICO XAVIER E SUAS CONFUSÕES

O que vemos, nos supostos debates acerca de Chico Xavier, mesmo fora da ciranda acadêmica de Moreira-Almeida, Caroli Rocha e companhia, é que, sob o verniz da "imparcialidade", existem pessoas querendo puxar para trás nos questionamentos apresentados.

Criando um discurso no qual supostamente admitem "irregularidades" e "problemas", mais para mostrar um pretenso distanciamento sectário em relação ao "médium", seus partidários mais "isentos" agem com a preocupação em neutralizar o senso crítico e blindar seu ídolo religioso, evitando que ele fosse desqualificado com questionamentos mais aprofundados.

Chico Xavier foi famoso por criar confusões nos meios literários e ele é apontado como culpado de tantos problemas causados, tanto na proteção à memória literária dos escritores mortos, quanto ao estudo dos fenômenos mediúnicos, porque o trabalho do "médium" mostra graves problemas, sobretudo quanto aos estilos de linguagem, e dar alguma consideração a esse trabalho complica as pesquisas sobre o que deveria ser a obra mediúnica.

Essa complicação se dá pelo seguinte aspecto. O Brasil é um país jovem em termos de história, e se o Primeiro Mundo ainda está engatinhando nas pesquisas sobre comunicação entre vivos e mortos, nosso país não será aquele que oferecerá respostas a respeito dessas atividades. Ao dar alguma credibilidade, por mais relativa que seja, ao trabalho de Chico Xavier, se pressupõe que o Brasil ultrapassou o Velho Mundo nos processos de atividade mediúnica, o que não tem o menor sentido lógico.

Há sérios problemas que a comunidade acadêmica deixa passar, e a aparente recomendação de Caroli Rocha em deixar que primeiro se analisem a vida espiritual e a comunicação mediúnica é feita mais por medo do que por cautela. Até porque essas recomendações nunca são feitas.

Caroli Rocha não aconselhou a retirada das obras "mediúnicas" de Chico Xavier das livrarias, até que o resultado de algum exame fosse feito, e, além disso, o medo que o acadêmico "espírita" demonstra diante da simplicidade do senso crítico daqueles que invalidam a obra atribuída ao espírito de Humberto de Campos - surpreendentemente de acordo com as recomendações de Kardec, apesar de nomes como Osório Borba, Malba Tahan e Attila Paes Barreto serem laicos - revela o quanto os seguidores do beato de Pedro Leopoldo querem blindá-lo.

Através de Chico Xavier e da forma com que se deu a consideração ao seu trabalho irregular, criou-se um precedente para trabalhos que ofendem a memória das pessoas mortas, por mais que suas mensagens não sejam agressivas nem grosseiras.

A partir de Chico Xavier - que demonstrou manipular, por seus interesses pessoais, o nome de "Humberto de Campos" e "Irmão X" para produzir livros - , criou-se uma tendência de um seleto número de escritores, pintores e oradores medíocres, que se autoproclamam "médiuns" e se beneficiam pela máscara da "caridade", em usar nomes de mortos para promover sensacionalismo, ganhar muito dinheiro (apesar do persistente pretexto do "pão dos pobres", "remédio dos doentes" e "lar dos desabrigados"), fama e prestígio.

Com isso, sem que pesquisas realmente sérias fossem estimuladas, mensagens de natureza fake são impunemente produzidas, em escala industrial, sejam elas creditadas por mortos anônimos ou por personalidades famosas. E isso acaba sendo não só prejudicial, mas extremamente nocivo.

Se o morto acaba perdendo o seu corpo físico, que, falecido, torna-se apenas um cadáver ou um pó cremado pelo fogo, isso é perfeitamente natural. Mas ver que o morto passa a perder, simbolicamente, o seu legado, e o seu nome passa a ser usado por pessoas que criam mensagens das mentes delas, sob o mascaramento das "mensagens cristãs", isso é extremamente grave.

E se consideramos essas supostas mediunidades como algo "legítimo" ou "quase legítimo", estamos contribuindo para o triste quadro das dificuldades de pesquisar seriamente a comunicação entre vivos e mortos, porque acabamos aceitando qualquer "trote telefônico" que se supõe vindo "do lado de lá", parafraseando a famosa frase de Chico Xavier sobre a suposta comunicação dos mortos: "o telefone costuma tocar do lado de lá".