Chico Xavier e seu "André Luiz" NÃO previram descobertas sobre glândula pineal


WOLFGANG BARGMANN, CIENTISTA ALEMÃO, JÁ ESTUDAVA A GLÂNDULA PINEAL DESDE,PELO MENOS, MEADOS DOS ANOS 1930.

Uma das maiores mentiras espalhadas pelo "movimento espírita", das quais se fabricou consenso na medida em que informações reveladoras seriam inacessíveis, é a de que Francisco Cândido Xavier e seu fictício "médico espiritual" André Luiz previram, com 60 anos de existência, descobertas científicas em torno da glândula pineal.

A mentira muito bem construída foi armada por um trabalho acadêmico feito em conjunto com aUniversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a Universidade de São Paulo, Universidade Anhanguera e "Associação Médica Espírita", montando uma narrativa "científica" depois publicada por uma publicação pouco expressiva no meio científico, a Neuroendocrinology Letters.

O título é em inglês, Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence, lançado em 2013 e de autoria dos acadêmicos Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Jr., Decio Iandoli Jr., Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti.

Tomando como base o livro Missionários da Luz, de 1945, os acadêmicos alegaram que a referida obra "mediúnica" de Chico Xavier conteve informações que julgam só terem encontrado em documentos científicos publicados a partir de 2005.

Os autores alegam que a mais antiga descoberta sobre glândula pineal - parte do cérebro que influi em impulsos emocionais e psíquicos, e que impele a mente para a paranormalidade - se deu em 1958, quando o cientista estadunidense Aaron Lerner, em 1958, isolou a substância melatonina, produzida pela glândula pineal, a partir de amostras extraídas de bois e vacas.

Os acadêmicos "espíritas" citam um capítulo de Missionário da Luz para justificar sua teoria, alegando que as obras científicas contemporâneas ao livro "mediúnico", ou seja, produzidas na década de 1940, seriam "extremamente escassas e altamente conflitantes". A citação está no capítulo dois de Missionários da Luz, "A Epífise":

"As glândulas genitais segregam os hormônios do sexo, mas a glândula pineal, se me posso exprimir assim, segrega «hormônios psíquicos» ou «unidades-força» que vão atuar, de maneira positiva, nas energias geradoras. Os cromossomos da bolsa seminal não lhe escapam a influenciação absoluta e determinada".

A tese não procede e a "descoberta" de Aaron Lerner não é "prevista" pela obra do suposto espírito de um médico. Além disso, também não faz sentido a descrição de fontes originais na bibliografia apresentada, pois os títulos consultados são contemporâneos, muitos entre 2010 e 2013, e os mais antigos datam de 1977 e 1979. Inferimos que os pesquisadores "espíritas" consultaram obras de segunda mão, sem buscar fontes próprias de estudiosos mais antigos.

TEMA DISCUTIDO HÁ MUITO TEMPO

O grande e preocupante erro que os acadêmicos "espíritas" é que as descobertas científicas são como pastéis feitos na hora, resultam de pesquisas vindas do nada e de estudos e hipóteses recentemente desenvolvidos. Isso é um sério equívoco.

Estudos relacionados à melatonina existem, pelo menos, desde 1917. Descobertas como considerar a melatonina como um anti-oxidante, em 1993, e em outros tratamentos à saúde, em 2005, são resultados de longos debates. Muitas hipóteses que se concluem como certas nas chamadas descobertas científicas, na verdade, haviam sido cogitadas muitíssimo antes, não obstante em muitas décadas antes.

Os autores simplesmente não "garimparam" as fontes científicas dos anos 1940, se contentando com material mais recente produzido por terceiros, sem cometer o verdadeiro procedimento científico de verificar fontes mais antigas, várias delas anteriores a 1945, ou a um expressivo material científico que os acadêmicos presumem ser "escassa e conflitante", mas fartamente acessível dentro dos meios acadêmicos de seus países de origem.

A glândula pineal é um assunto discutido, pelo menos, desde os anos 1830, portanto, mais de um século antes do supostamente pioneiro trabalho de "André Luiz". Hipóteses que só se tornaram conhecidas a partir de 1958 foram concebidas muito antes, sob o nível de suposições, e estavam sendo testadas há muito e muito tempo. Nenhuma descoberta científica traz um dado recente, mas a confirmação de uma hipótese longamente trabalhada, analisada e discutida.

A "novidade" é, na verdade, uma confirmação. Afinal, são muitos e muitos estudos, vários deles demorados devido à dificuldade de recursos, mas outros pela complexidade de uma questão, através de testes que sucessivamente negam ou põem em dúvida uma hipótese a qual somente um teste posterior e tardio, em muitos casos de forma repentina, chegam a um resultado esperado.

Em 1943, um dos mais expressivos trabalhos sobre glândula pineal foi produzido pelo cientista alemão Wolfgang Bargmann, Handbuch der mikroskopischen Anatomie des Menschen (título que quer dizer Manual da Anatomia Microscópica do Ser Humano). Não existe uma tradução conhecida no Brasil do livro de Bargmann, autor que não é mencionado pelos acadêmicos "espíritas".

Isso é um grave erro. Afinal, Bargmann era um importante pesquisador sobre glândula pineal e seu trabalho, como pesquisador da Universidade de Kiel, na Alemanha, foi muito expressivo no seu meio e bastante estudado nos círculos científicos da Europa.

Lembra o estudioso espanhol Francisco Lopez-Muñoz, doutor em Medicina pela Universidade Complutense de Madri, no livro organizado por ele e outros autores (Fernando Marin e Cecílio Alamo), Melatonin, Neuroprotective Agents and Antidepressant Therapy, no capítulo "History of Pineal Gland as Neuroendocrine Organ and the Discovery of Melatonin":

"Em 1943, Wolfgang Bargmann (1906-1978), do Departamento de Anatomia da Universidade de Kiel, coletou todo o conhecimento histológico sobre a glândula pineal que deu origem à primeira monografia específica no campo de pesquisa em relação à epífise".

Em nenhum momento os acadêmicos "espíritas" citam o trabalho pioneiro de Bargmann e se preocupam, no entanto, em observar supostas citações científicas não somente em Missionários da Luz, mas em outros livros da chamada série "A Vida no Mundo Espiritual", da obra de Chico Xavier creditada a André Luiz.

Os autores até admitem que as discussões sobre "glândula pineal" mais antigas que se tem conhecimento estavam na obra do médico e filósofo greco-romano Galeno (de dados biográficos ainda inseguros e cuja bibliografia, em boa parte, se perdeu), que viveu entre os séculos II e III de nossa era.

Quanto à literatura "conflitante" dos anos 1940, os acadêmicos "espíritas" não conseguiram explicar os pontos contraditórios de forma clara, se limitando, no seu parecer, ao seguinte relato, na tradução em português do referido texto:

"Apesar de existir apenas uma sentença no livro sobre a possível relação entre a glândula pineal e o exercício físico, é notável que essa relação não foi abarcada pela literatura científica na década de 1940. Evidências atuais sustentam que o exercício e o efeito da melatonina parecem exercer uma influência favorável em diversos sistemas do corpo humano. De qualquer modo, estudos adicionais se fazem necessários para esclarecer os achados contraditórios nessa área".

O que os autores menosprezam é que não há problema algum em haver teses conflituantes, por se tratar, na Ciência, do efeito natural dos estudos e debates. O que esperariam os autores, claramente vinculados a uma religião, por sinal igrejeira e herdeira dos fundamentos católico-medievais? Que a Ciência fosse um paraíso de concordância ou, quando muito, de mornas divergências?

A ignorância do nome de Wolfgang Bargmann e a alegação de que as modernas descobertas só vieram em 1958 desqualifica os acadêmicos, mais preocupados com uma cosmética "científica" que procura legitimar a obra de Chico Xavier, creditada a André Luiz, cujo conteúdo pretensamente científico apresenta irregularidades e em nenhum momento traz a precisão nem a honestidade intelectual necessárias.



BAIXO IMPACTO CIENTÍFICO DE PUBLICAÇÃO E INDÍCIOS DE PLÁGIO EM CHICO XAVIER

A revista Neuroendocrinology Letters é uma publicação internacional fundada em 1979, dedicada à neuroendocrinologia e publicada pela Maghira & Maas Publications. Atualmente seu editor-chefe é o médico Peter G. Fedor-Freybergh, da Universidade de Santa Elizabeth de Saúde e Trabalho Social em Bratislava, na Eslováquia.

Segundo o Journal Citation Reports, ligado à agência jornalística Reuters, que anualmente divulga o impacto científico de periódicos relacionados, o Neuroendocrinology Letters não costuma ter expressivos índices. Em 2016, por exemplo, a publicação atingiu apenas 0,918 no seu fator de impacto.

Define-se como impacto científico a combinação de fatores como a presença de artigos de um periódico em citações científicas, a relevância dos assuntos estudados, a credibilidade dos pesquisadores no seu meio e a contribuição dos seus textos para impulsionar estudos, discussões e pesquisas.

Considera-se um fator de impacto científico satisfatório quando ele atinge, pelo menos, 2. Quanto melhor o fator de impacto, mais relevante é a publicação. Na tabela mostrada por outro periódico, o Jornal Impact, os fatores de impacto nos últimos dez anos de Neuroendocrinology Letters é considerado bastante expressivo, com seu pico atingindo 1,621 em 2010 e exercendo um desempenho decadente a cada ano.

Em 2013, quando foi publicado o artigo sobre as "psicografias científicas" de Chico Xavier, o fator de impacto de Neuroendocrinology Letters atingiu o índice de 0,935, o que soa desanimador para os "espíritas", pois a festejada "descoberta científica" trazida pelos acadêmicos "espíritas", além de falha, tornou-se cientificamente irrelevante e até duvidosa.

Denunciado por plágios que, para desespero dos chiquistas, são dotados de fartas provas documentais e argumentistas, Chico Xavier não iria trazer façanhas científicas em seus livros. Além dos trechos da "série André Luiz" apresentarem informações científicas de forma superficial e especulativa e narradas com o pedantismo digno de ambiciosas novelas da Rede Globo de Televisão, tais relatos também não estão livres de acusação de plágio.

Até hoje, conhecemos indícios de plágios em obras como Nosso Lar, que teria combinado a cópia da tradução da FEB para A Vida Além do Véu (The Life Beyond the Veil), do reverendo inglês George Vale Owen, com a colaboração de Antônio Wantuil de Freitas e as sugestões do então menino-prodígio da "mediunidade", Waldo Vieira, fã de ficção científica e que, depois, mais crescido, "desenhou melhor" a personalidade de André Luiz, então da lavra Wantuil / Xavier.

Há uma suspeita de que um prestigiado livro acadêmico disponibilizável em 1945, Manual de Anatomia Humana, obra de 1920 de Benjamin Batista e Alfredo Monteiro, um grande livro que continha informações bastante usadas por pesquisadores iniciantes.

Não há um indício, em princípio, que Chico Xavier tenha recorrido a esse livro para copiar trechos para a "série André Luiz". Mas é bem possível e, talvez, digno de probabilidade, que tenha utilizado essas fontes. Pesquisas posteriores devem ser feitas para esse fim.

O que se sabe é que o trabalho dos acadêmicos "espíritas" é desqualificado pelas falhas acima apresentadas, recorrendo a um periódico de baixo fator de impacto no meio científico e usando abordagens falhas, nas quais não consegue argumentar por que a literatura científica dos anos 1940 era "escassa e conflitante" e ainda menospreza o trabalho expressivo de Wolfgang Bargmann. Com isso, a tentativa de legitimar cientificamente a obra de Chico Xavier falhou em definitivo.