Por que perdão não pode ser confundido com permissividade

HUMBERTO DE CAMPOS FILHO AGIU ERRADO AO PERDOAR, NO SENTIDO DE PERMISSIVIDADE, CHICO XAVIER.

É evidente que é válido e recomendável superar o ódio e promover o perdão, mas, infelizmente, perdoar é frequentemente confundido com permissividade, como se houvesse um calote moral dado a um infator, que recebe o sinal verde para fazer tudo o que quer, como se nada tivesse acontecido, apesar de eventuais e, não raro, graves danos.

Nem mesmo a narrativa fake da parábola da mulher adúltera, inventada pela Idade Média - o texto teria sido inserido no Novo Testamento no século XIV (enxertado no Evangelho de João, capítulo 8, versículos 1 a 11), como um texto metafórico para inocentar sacerdotes católicos acusados de traição - deixa de mostrar uma lição contundente.

Na suposta recomendação, ficticiamente atribuída a Jesus Cristo, que disse à mulher adúltera salva de ser apedrejada: "vá e não peque mais". O que isso significa? Significa que o suposto Jesus teria aconselhado a mulher adúltera a não cometer o objeto de seu erro, embora saibamos que o texto é bastante duvidoso por corresponder mais a um moralismo medieval que, por mera coincidência, está de acordo com os princípios de coerência moral.

Evidentemente o contexto é muito duvidoso, porque historiadores confirmam que a inserção textual foi tendenciosa e inexistente na Bíblia original. Mas o conselho de "não cometer o mesmo erro" pode ser inferido, fora desse propósito de sacerdotes medievais querendo salvar sua pele (e seu poder), em uma reflexão mais coerente sobre o ato de perdoar.

PREFIXO E SUFIXO

Evidentemente, a palavra "perdão" não pode ser entendida como "perda grande", porque traria distorções gramaticais sérias - nos níveis daquelas que criam neologismos como "forçação" (de barra), uma insólita palavra com dois "c" cedilhados - , mas ela pode ser quase compreendida nesse sentido, numa abordagem mais filosófica.

Isso porque, quando se perdoa alguém, pede-se a essa pessoa que se ceda de alguma forma. O perdão não é um ato gratuito de se dizer "vá e continue fazendo". É, sim, uma concessão de relativa misericórdia, desde que a pessoa abrisse mão do motivo de seu grave erro.

Nesse sentido filosófico, podemos fazer uma "licença poética" e atribuir o sentido de "perda" ao "perdão" por coincidir o prefixo "perd" a "perda" e por ser o sufixo "ão" associado à forma de intensidade. Nesse sentido, o "perdão" tem mais a ver com "perda" do que com "ganho".

Dizemos isso porque o Brasil virou um paraíso da complacência, no qual criminosos de elite recebem punições brandas ou mesmo a impunidade, daí que o "perdão" virou sinônimo de "permissividade", de forma que se deveria substituir o termo "perdão" por "premiação".

Poucos conseguem entender que a concessão do perdão requer ao infrator ou criminoso abrir mão do motivo de seus erros. Se seu trabalho foi desastroso, ele terá que deixar de executar a tarefa. Se ele se promove demais às custas de uma tendenciosa "caridade" (feita para impressionar a sociedade ou, em alguns casos, para permitir que ricaços "lavassem dinheiro"), ele terá que deixar a filantropia. Se ele é um mau governante, deverá ser destituído do poder.

O perdão nunca significa a manutenção dos motivos de erros graves. Apenas consente em permitir que as pessoas sigam, quando seus erros não são tão nocivos assim, e há uma consciência exata de corrigir o erro e executar a mesma tarefa com maior cuidado, prudência e capacidade. Mas isso é uma exceção a uma regra que recomenda que o infrator viva uma vida sossegada e em paz, mas abra mão daquilo que o fez cometer um grave erro.

"ESPIRITISMO" E CHICO XAVIER

O "espiritismo" brasileiro é beneficiado por essa ideia de perdão-permissividade que faz a religião ser um rol peculiar de ações oportunistas e tendenciosas. Com um conteúdo "catolicizado" e um repertório ideológico conservador, fundamentado na Teologia do Sofrimento e num moralismo punitivista, no entanto os "espíritas" querem estar "bem na fita" com as forças progressistas, a ponto de haver um confuso movimento "espíritas à esquerda".

Esse "movimento", que mais parece ser o de uma minoria de "terraplanistas" voltados ao esquerdismo político-ideológico, salvo a atuação lúcida de membros como Sérgio Aleixo e Dora Incontri, mais parece um clube de "espíritas" confusos e contraditórios, que acendem velas para dois senhores antagônicos (Allan Kardec e Francisco Cândido Xavier) e são lideradas por um confuso e panfletário Franklin Félix. A página tem endereço no Facebook.

Mas o exemplo de perdão-permissividade mais grosseiro e complacente partiu do filho de Humberto de Campos com o mesmo nome e que, tendo sido profissional de TV, tem foto na Internet ao lado de Hebe Camargo. A forma como Humberto de Campos Filho se rendeu a Chico Xavier foi o mais aberrante caso de rendição humana, dos mais vergonhosos e traiçoeiros, em submissão a um ídolo religioso acusado de fraudes.

Pois a postura de Humberto de Campos Filho tornou-se oposta a do cético que taxativamente se recusou a reconhecer qualquer autenticidade nas supostas psicografias atribuídas a seu pai. Era mais lógico e consistente nesses argumentos céticos, mas o destino o fez se render ao "espiritismo" igrejeiro e, com isso, cair no canto-de-sereia de Chico Xavier, que armou uma "emboscada do bem" através de uma reunião doutrinária e amostras de Assistencialismo em Uberaba, em 1957.

Humberto Filho até passou a atribuir à mãe a desconfiança das "psicografias", se contradizendo à própria necessidade de solidariedade familiar recomendada pelo Espiritismo original. Ver que o "unificador" Chico Xavier jogou Humberto Filho contra a mãe, preferindo uma duvidosa "incorporação" do finado pai é constrangedor.

Pela ótica da idolatria religiosa, não obstante contaminada por fanatismo doentio e emotividade tóxica, a atitude de Humberto de Campos Filho em relação a Chico Xavier foi um ato de "confraternização" e "perdão infinito". Alguns beatos, idiotizados, poderiam até classificá-lo como "ato de amor", dentro dessa emotividade tóxica do balé das palavras.

No entanto, esse foi o exemplo mais perigoso e vergonhoso de perdão-permissividade, de um consentimento para que um farsante religioso, com comprovados indícios de fraudes "mediúnicas" ao longo dos anos - que vão de revelações acidentais de gente solidária a Chico Xavier até relatos de "leitura fria" de colaboradores do "médium" - , ao ponto de Humberto Filho se mostrar contra a própria mãe, contraditoriamente aderindo ao "médium" que exalta a submissão às mães.

Descontando o aspecto surreal dessa postura filho versus mãe, o que se vê é um perdão-permissividade que fez Chico Xavier abrir precedente para outros oportunistas usarem os nomes dos mortos da maneira que quiserem, reduzindo os falecidos a meros garotos-propagandas da "fé espírita" e de imaginários condomínios de luxo que são as "colônias espirituais".

Dessa maneira, não se observa o perdão como sinônimo de "perda", de renúncia aos motivos de seus graves erros. A "psicografia" irregular de Chico Xavier ganhou o sinal verde de um dos familiares lesados, e abriu precedente para o estranho fenômeno dos "médiuns donos dos mortos". Só num país desinformado e ignorante como o Brasil para aceitar tudo isso, o que poderia fazer com que "perdão" esteja mais para "ganhão".