A "materialização" de Emmanuel e a desobediência de Chico Xavier

ILUSTRAÇÃO RECONSTITUI MAQUETE INSPIRADA NOS TRAÇOS DO CRISTO REDENTOR, MAS COM O FAMOSO RETRATO DE EMMANUEL COLADO NELE. O "CORPO" TAMBÉM ERA REVESTIDO DE ILUMINAÇÃO. FOTO DE 1954.

Um detalhe insólito da trajetória de Francisco Cândido Xavier foram suas farras de materialização. Seus episódios contestam a imagem de "médium confiável", que os seguidores, simpatizantes e mesmo "isentões espíritas" e alguns leigos da "religião espírita" fazem de Chico Xavier.

Entre 1952 e 1954, Chico Xavier esteve envolvido, direta ou indiretamente, com espetáculos de suposta materialização. Como sabemos, elas apresentam aspectos duvidosos e, de tão fraudulentas, essas práticas eram registradas com câmeras e filmes fotográficos de baixa qualidade, para evitar que detalhes estranhos fossem realçados.

Devemos nos lembrar que, pelo menos, desde os anos 1930 existiram, com alguma frequência, máquinas fotográficas com material de boa qualidade. Há registros fotográficos e cinematográficos de imagens coloridas, com boa resolução. Embora isso seja uma técnica pouco acessível no Brasil, seria possível contratar fotógrafos estrangeiros ou adquirir material importado para tal empreitada. Mas isso não foi feito, talvez como pretexto de ser "em nome da simplicidade e da humildade".

Numa noite de abril de 1954 (algumas fontes atribuem a 1953), em Belo Horizonte, uma reunião "espírita" com a presença de Chico Xavier foi realizada, para "receber" o "espírito materializado" de Emmanuel, considerado mentor do "médium". Estava presente também o viúvo de Irma de Castro Rocha (Meimei), Arnaldo Rocha, que havia sido um dos anfitriões do espetáculo.

Supostas materializações apareciam, "anunciadas" por cheiros de perfumes. Uma foi atribuída à mãe de Arnaldo, Maria José de São Domingos Ramalho Rocha, que foi sogra de Meimei. Maria José era conhecida por perfumar Arnaldo e o irmão Orlando com "vidrinhos de cheiro". Outra foi atribuída à madrasta de Chico Xavier, Cidália, segunda mulher do pai do "médium", João Cândido. Em seguida, veio o suposto espírito da própria Meimei.

Com a suposta Meimei, uma pessoa que se dizia "tuberculosa", sentada na plateia, foi chamada. Era um rapaz que, chegando ao palco, recebeu do suposto espírito cordões fosforescentes e supostas energias de radioatividade, aparentemente apresentando posterior cura.

Músicas clássicas consideradas relaxantes ambientavam o espetáculo, e as supostas aparições eram envoltas de iluminação. O ápice do espetáculo se deu quando um suposto vulto surgia no palco, com um aparente ar austero e segurando uma tocha. Ele era envolto em uma luminosidade azul. Ele foi identificado como Emmanuel, e uma voz em off que representava o "espírito jesuíta" falou:

- Amigos, o que acabastes de ver e de ouvir representa maiores responsabilidades sobre os vossos ombros.

Depois veio uma outra sessão de curandeirismo. Depois de uma onda de perfumes, um suposto espírito atribuído a "irmã Sheila", conhecida no "meio espírita" como "enfermeira alemã que atuou na Segunda Guerra Mundial", apareceu.

Um paciente que dizia "se sentir muito mal" era advertido pelo suposto espírito: "Você come muita manteiga". Ela pediu para o paciente levantar a camisa, apalpou o estômago em sentido horizontal. Um truque de iluminação teria forjado "visceras" que davam a impressão de que o estômago ficou transparente. Provavelmente, foi uma projeção de imagem, como se observa em palestras, no momento de mostrar gráficos ou esquemas temáticos.

O efeito iludiu e deslumbrou a plateia, e, depois do suposto exame, a aparição declarou: "Agora levarei a radiografia ao Plano Espiritual para que a estudem e lhe dêem um remédio". Mas o evento seguinte seria acompanhado de um outro recado, desagradável a Chico Xavier.

Nesse evento, apareceu novamente o suposto espírito materializado de Emmanuel, que supostamente "surpreendeu" Chico Xavier apresentando uma "luminosidade" que, segundo ele, dava "ares de superioridade". Chico então perguntou: "Emmanuel?", o que se seguiu de resposta positiva.

Nessa ocasião, Arnaldo Rocha deu os seguintes depoimentos:

"A materialização de Emmanuel foi magnífica! Emmanuel é um belíssimo tipo de homem. Atlético, alto, provavelmente 1 metro e 90 centímetros de altura. Sua voz clara, forte, baritonada, suave mas enérgica, impressionou-nos muito. O andar e os gestos elegantes, simples, porém aristocráticos. No grande e largo tórax um luzeiro multicolorido. Na mão direita, erguida, trazia uma tocha luminescente e sua presença sempre irradiava paz, harmonia, beleza e felicidade". 
(Chico Xavier - Mandato de Amor)

"Não posso deixar de mencionar as materializações de Nina Ameira, de Meimei, de minha mãe, e a fantástica materialização de Emmanuel, de cujo episódio, aliás, gosto de citar um aspecto científico da manifestação espiritual: como todo mundo sabe, o Chico era um homem baixo, mas, no momento do transe, uma luz começou a projetar um vulto luminoso de um homem de mais ou menos uns um metro e oitenta centímetros de altura, de compleição atlética, bonito, com voz enérgica e doce ao mesmo tempo, a portar uma tocha incandescente na mão".
(Carlos Alberto Braga Costa - Chico, Diálogos e Recordações)

O suposto espírito, com sua voz em off, muito provavelmente de um locutor que agia escondido - como havia também locutoras que se passavam por Meimei e Sheila, entre outras - , acabou advertindo a Chico Xavier sobre as "materializações":

"Eu não quero! Eu não quero que o Chico sirva de médium de materialização. A sua missão é a missão do Livro! Não é médium com tarefas de efeitos físicos… Amigos, a materialização é fenômeno que pode deslumbrar alguns companheiros e até beneficiá-los com a cura física. Mas o livro é chuva que fertiliza lavouras imensas, alcançando milhões de almas. Rogo aos amigos a suspensão destas reuniões a partir desse momento".

A advertência, embora tivesse sido feita sob o pretexto de fazer Chico Xavier se limitar a tarefas "simples", como se concentrar nos livros e "pregar o Evangelho", teve como verdadeiro objetivo evitar que investigações sérias, sobretudo jornalísticas e científicas, desqualificassem o "médium", que, como se sabe, teve muitos incidentes incômodos e suspeitos entre os anos 1940 e 1960, incluindo o processo judicial do caso Humberto de Campos e o caso Amauri Xavier.

As atividades teriam sido definitivamente suspensas. No entanto, Chico Xavier, que sempre pregou a obediência absoluta e a subordinação a quem quer que fosse - ele sempre aconselhou aos sofredores a não somente suportar as desgraças sem queixumes, mas a servir, de maneira submissa, até mesmo aos seus algozes - , não obedeceu às determinações do suposto Emmanuel.

Dez anos depois, Chico Xavier se envolveu em espetáculo de materialização ainda mais grotesco, em Uberaba, feito por Otília Diogo, suposta médium desta cidade do Triângulo Mineiro. Os espetáculos não tinham a aparente elegância dos eventos de 1953 ou 1954, se destacando mais pelo caráter pitoresco da Irmã Josefa, do dr. Veloso e de um menino de nove anos, personagens encenados por Otília, que depois foi revelada como farsante, utilizando técnicas de ilusionismo circense.