Chico Xavier deturpou o Espiritismo. E isso não é bom

CHICO XAVIER E SUAS OBRAS QUE OFENDEM OS POSTULADOS ESPÍRITAS ORIGINAIS.

Nem sempre falar de coisas agradáveis é garantia de fidelidade doutrinária, de expressão de ideias saudáveis nem de manifestação de honestidade intelectual. No caso de Francisco Cândido Xavier, as obras representam, sim, verdadeiras ofensas aos postulados espíritas originais.

Devemos nos lembrar que o pedagogo Allan Kardec havia dado duro para conceber e difundir suas ideias. Pagava as viagens com o próprio dinheiro, a sociedade não lhe apoiava e ele teve que enfrentar resistências de muita gente, inclusive de pessoas católicas.

Chico Xavier, por outro lado, sempre foi fervoroso católico apostólico romano, que é o nome que se dá ao Catolicismo medieval fundado pelo imperador Constantino. E isso não pode ser subestimado, porque sabemos do contraste que é o Espiritismo de Kardec e o "espiritismo" de Chico Xavier, expresso em muitos aspectos.

Xavier fugiu da coerência do cientificismo espírita, criando devaneios igrejistas diversos. Retrógrado, o caipira de Pedro Leopoldo mudou o rumo do Espiritismo, que deixou de andar para a frente impulsionado pelo Iluminismo francês para retroceder aos níveis do Catolicismo jesuíta medieval, sobretudo quando se refere à Teologia do Sofrimento, que levou o medievalismo católico às últimas consequências.

Nota-se que os princípios de Xavier eram para que os sofredores aguentem seus infortúnios calados, sem manifestar queixas - Xavier dizia "sem queixumes", era típico dele - , esperando que o "socorro de Deus" ocorra no "momento oportuno". Era uma espécie de "holocausto do bem", onde não cabem metáforas, uma vez que não se pode tratar como uma metáfora uma ideia bastante explícita.

Chico Xavier manifestava ideias e práticas que contrariam os postulados espíritas originais - como sua obra "mediúnica" inicial, que, a partir de Parnaso de Além-Túmulo, usou "nomes ilustres" para promover sensacionalismo e mistificação, o que Kardec reprovou, explicitamente, em várias partes de sua obra, principalmente O Livro dos Médiuns.

Sem o menor fundamento, Xavier também concebeu mundos espirituais ao sabor das fantasias terrenas, sem que houvesse um estudo científico que indicasse a presença desses mundos em tais concepções. E esse "mundo espiritual" era concebido como uma desculpa para as pessoas continuarem sofrendo, imaginando que um "mundo melhor" lhe estaria à espera após a morte.

Em muitos casos, Xavier criava mais ilusões do que as ilusões que ele condenava em sua obra - como as manjadas desventuras do sexo, do álcool e das drogas - , porque pregava aos sofredores que, aguentando os infortúnios em excesso, tudo seria compensado com as bonanças supostamente previstas para a vida espiritual.

Não fosse apenas isso, Chico Xavier também expressava uma pretensa superioridade moral e espiritual que fazia dos seus seguidores afoitos candidatos à corrida para o Céu, de maneira com que elas, vivendo terríveis infortúnios - como uma "maldição", uma boa parte dos adeptos de Chico Xavier têm filhos morrendo prematuramente em tragédias repentinas - , achassem que "algo melhor" lhes espera no além-túmulo.

O grande problema é que a vida espiritual, embora seja uma certeza sustentada pelo âmbito filosófico, ainda é um misterioso enigma no âmbito científico, que até agora não conseguiu estabelecer, mesmo de maneira especulativa, como realmente é a vida no além-túmulo.

Sem qualquer base científica e sem qualquer fundamento teórico - as "teorias científicas" dentro do "meio espírita", como no livro Cidades do Além, de Heigorina Cunha e Chico Xavier, são na verdade invencionices pseudo-científicas, praticamente obras de ficção - , o "mundo espiritual" é concebido como algo fantástico, com condomínios de luxo, hospitais gigantescos, animais domésticos (!) e até crianças (?!?!), além de florestas e bosques imponentes.

"CATOLICIZAÇÃO" NÃO SE DEU POR "ENTUSIASMO ACIDENTAL"

Muitos consideram que a influência católica introduzida por Chico Xavier e defendida também por Divaldo Franco foi "acidental", motivada por um "saudável, porém extremo, entusiasmo pelas raízes religiosas", e isso faz com que a deturpação do Espiritismo fosse não só aceita, mas também estimulada e até mesmo consolidada.

A principal desculpa que se usa é que o Espiritismo se catolicizou pelas "tradições da religiosidade popular brasileira", criando um suposto diferencial da doutrina brasileira em relação à francesa. E isso dá margem a interpretações bastante confusas.

Isso, porque, na prática, as pessoas acabam afirmando, sem querer, que existem "dois espiritismos", o francês e o brasileiro. Mas, de maneira contraditória, os brasileiros, bajulando o pedagogo de Lyon, afirmam que "só existe um Espiritismo, o de Kardec".

São confusões mentais entre tantas que envolvem a adoração a Chico Xavier, que envolve uma emotividade tóxica que parece moral e vibratoriamente elevada, mas à menor contrariedade se resulta em explosões de raiva e ódio inimagináveis a quem, em tese, adora um "símbolo da paz e do amor ao próximo".

A "catolicização do Espiritismo" foi um projeto perverso da "Federação Espírita Brasileira" que preferiu o igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing ao cientificismo original kardeciano. Com o andar das circunstâncias, Chico Xavier foi escolhido para "traduzir" o pensamento roustanguiano de acordo com a realidade brasileira, tirando apenas alguns aspectos considerados incômodos.

Criou-se um "jeitinho" - devemos perceber que Chico Xavier só é adorado, hoje, porque o "jeitinho brasileiro", com suas conveniências, promoveu um deturpador doutrinário e autor de livros fake em um pretenso "símbolo da paz entre os povos" - e aí o sobrenome Roustaing virou um "palavrão", associado apenas à parte desagradável do seu pensamento ("Jesus fluídico" e "criptógamos carnudos"), enquanto a parte positiva de suas ideias lhes era desvinculada.

Neste sentido, o pensamento roustanguista, em valores ligados ao Catolicismo medieval, era desvinculado do advogado de Bordéus e promovido como se fossem "ideias universais". Ou seja, ideias associadas ao Catolicismo medieval, que remetem à submissão humana, ao respeito incondicional e até cego às hierarquias - permite-se que, por exemplo, se aceitem abusos dos algozes, se eles tiverem um status hierárquico maior, como ser pai ou patrão - , eram vistos como "acima das ideologias, dos tempos e dos povos".

Em outras palavras, é como se o que há de positivo no pensamento roustanguiano fosse creditado como um valor "de todo mundo", como se não fossem valores conservadores nem associados a esta ou aquela pessoa.

E diante da figura "ecumênica" de Chico Xavier, uma série de manobras do pensamento desejoso, do "jeitinho brasileiro", da "memória curta" e até de interpretações tendenciosas, são feitas para legitimar sua pessoa: dependendo do contexto, o "espiritismo" brasileiro é considerado "não-religião", até sua catolicização mais mistificadora é creditada como "espiritualidade", ideias retrógradas, quando ditas em palavras suaves, se passam por "progressistas" e a deturpação é vista como "de acordo com os postulados espíritas originais".

É uma série de inverdades, mitos, mistificações, meias-verdades em certos casos, e todo um rol de incoerências e inconsistências que fazem do "espiritismo" brasileiro a doutrina mais confusa e contraditória do Brasil.

O "espiritismo" brasileiro chega a ter um agravante em relação às seitas evangélicas neopentecostais: por mais obscurantistas, corruptas e gananciosas que elas sejam, elas possuem uma coerência doutrinária que os "espíritas" não possuem. Iludidos pela embalagem "agradável" dos "espíritas", os brasileiros ignoram a sordidez presente nessa religião.

Pois os "espíritas" traem o tempo todo o legado de Allan Kardec. Traem mais do que Judas Iscariotes teria traído Jesus Cristo. Os "espíritas" traem e continuam beijando, de forma traiçoeira, o pedagogo francês. Traem sempre, 24 horas por dia, sete vezes por semana, mas, de maneira hipócrita, não só juram "fidelidade absoluta" como têm o cinismo de exigir dos outros o "respeito absoluto" que os próprios "espíritas" não exercem, apesar de alegações da boca para fora nesse sentido.

A ascensão de Chico Xavier, que no Primeiro Mundo seria algo digno de uma comédia do Monty Python, se deve às debilidades diversas do povo brasileiro, vulneráveis à mais perigosa mistificação religiosa (que funciona como um "canto de sereia" através do "bombardeio de amor"), resultantes da fraqueza emocional, da fragilidade cognoscitiva, que faz os brasileiros perderem o senso de discernimento das coisas, e da desinformação generalizada até do mais simplório conhecimento.

Por isso, atitudes como a falta de aprofundamento do conhecimento literário e histórico fez com que se aceitassem como "literariamente genuínas" as obras de Chico Xavier, que mostram distorções quanto a aspectos pessoais dos supostos autores espirituais - o "Humberto de Campos" espiritual é bem diferente, em estilo, do Humberto de Campos que esteve entre nós - e aberrantes falhas históricas, defeitos graves e preocupantes apontados por intelectuais sérios e renomados.

Se o Brasil fosse menos ingênuo, Chico Xavier não seria "espírito de luz", nem "símbolo de paz e fraternidade", nem "homem simples, humilde e imperfeito", nem coisa alguma que lhe desse alguma consideração. Seu destino seria o repúdio e, posteriormente, o mais absoluto esquecimento, e esse destino será dado quando as pessoas se despirem de suas paixões religiosas, que ainda mexem com os corações até de quem se acha "isento" e "não-espírita", mas está sujeito a tais tentações.

Paixões religiosas são uma tentação tão ou mais perigosa que a do sexo, do dinheiro e das drogas, produzindo alucinações, catarses, ganâncias e ilusões que ainda são mais traiçoeiras, porque nunca são identificadas nem assumidas como tais e levam as pessoas a perdições muito piores. Pelo menos, sabendo dos males existentes, as tentações do sexo, do dinheiro e das drogas podem ser facilmente curadas, enquanto a religião, sobretudo "espírita", joga as pessoas para o caminho da perdição, por conta de sua perigosa cegueira emocional, trazida a partir de Chico Xavier.