Chico Xavier ofendeu amigos de Jair Presente

O JOVEM ENGENHEIRO E UNIVERSITÁRIO JAIR PRESENTE, MORTO EM UM AFOGAMENTO EM AMERICANA, INTERIOR PAULISTA, EM 1974.

É estranho o caso de Jair Presente, nome de um não-famoso usado pelas pretensas psicografias de Francisco Cândido Xavier. Ele havia sido um universitário e um engenheiro em começo de carreira, que nasceu em 10 de novembro de 1949, que faleceu precocemente se afogando numa praia em Americana, no interior de São Paulo, em 03 de fevereiro de 1974.

Embarcando no sensacionalismo da tragédia, Chico Xavier divulgou supostos textos atribuídos ao espírito de Jair Presente. O primeiro texto revela uma mensagem igrejista, bem ao estilo comportado do "médium". Isso causou uma reclamação por parte dos amigos de Jair Presente, que depois influíram em uma mudança na linguagem das mensagens posteriores. Apresentamos fragmentos de mensagens publicadas num blog Intruso Espírita.

Vejamos o teor do primeiro texto, de 15 de março de 1974:

"Meu pai, minha mãe, minha querida Sueli, peço-lhes calma, coragem.

Não estou em situação infeliz, mas sofro muito com a atitude de casa. Auxiliem-me. É tudo, por agora, o que lhes posso dizer. Tenho a mente nublada. Consigo entender muito pouco aquilo que se passa em torno de mim. As lágrimas dos meus queridos me prendem.

Que há, meu Deus?
Não pensem que desapareci para sempre. Estarei, porém, com vocês na condição em que estiverem comigo.

Fortes, me fortalecerão. Desanimados, me farão esmorecer.
É muita coisa para observar, entretanto não posso ainda. Creio apenas que perder o corpo mais pesado não é desvencilhar-se do peso de nossas emoções e pensamentos, quando nossos pensamentos e emoções jazem nas sombras da angústia.

Eu encontrei muito amparo, mas a não ser o meu avô Basso(1), a quem me ligo pelo coração, não tenho ainda memória para funcionar aqui; minha faculdade de lembrar está com vocês, assim à maneira de um balão escravizado. Ajudem-me. Preciso ver e ouvir aqui para retomar-me como sou".

Notem agora o trecho de uma das mensagens posteriores, de 25 de agosto, também de 1974:

"Oi, Gente! Vocês aí, vocês mesmo, entocados nos bancos. Papai, minha mãe, Sueli, Carlos, Sérgio, Wilson e conexos.

Não coloquem a imagem desta mensagem no gibi de ensinar; isso é conversa de casa, fora da prensa de imprensa. Se eu não garanto já o jamegão aqui deste modo, vocês estarão aí de olho cumprido e de espírito jururu. É duro isto, mas não fiquem matutando, encucados na ideia de que vou continuar assim; gíria não dá para nós, os que varamos o rio da mudança. Pedi favor para escrever assim, só para mostrar prá vocês que estou vivo, vivinho mesmo.

E quero dizer a meu pai que não fique de pensamento vidrado nas águas; se dei uma de peixe foi para nadar melhor. Fico abilolado quando meu pai começa a embarafustar na lembrança de Praia Azul. Papai tenha paciência. Voltei como vim. Não sabemos como é isso, não. Vamos deixar isso prá lá. Deus sabe tudo e em nossa moringa cabe somente alguma coisa. Estou bem, estou melhorando, mas vou largar esse negócio de palavras giradas. Já saí da bananosa, começo a compreender que preciso educar meus impulsos. Educar impulsos é qualquer coisa de progresso".

Há uma disparidade de linguagens, o que denuncia uma fraude. No primeiro texto, vemos o estilo pessoal de Chico Xavier. No outro texto, um excesso de gírias e uma linguagem neurótica cuja narrativa mais parece de algum jovem hippie que tenha ingerido um coquetel de maconha e cocaína, com um coloquialismo forçado demais e um nervosismo impróprio para um espírito que se supõe estar em melhores condições psicológicas passado o tempo de sua tragédia.

ACADÊMICOS ERRARAM AO ATRIBUIR "VERACIDADE" DAS MENSAGENS

Os acadêmicos Alexandre Caroli Rocha e Denise Paraná, atuando numa parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), declararam que as mensagens atribuídas a Jair Presente eram "verídicas" pelas seguintes alegações, conforme divulgou matéria no jornal O Liberal:

"O levantamento realizado no lote de cartas apontou 99 informações objetivas e passíveis de verificação. E todos os dados colhidos eram precisos e verídicos. Nenhuma informação extraída das cartas atribuídas a Jair Presente estava incorreta ou era falsa, segundo familiares e amigos entrevistados pelos pesquisadores. Também foram usados documentos, jornais da época e registros em cartórios. Dessa forma, o estudo entendeu que a possibilidade de Chico Xavier, que morreu em 2002, ter tido acesso ao menos parte das informações psicografadas é extremamente remota. Até mesmo informações consideradas como privativas pela família constam nas mensagens".

O que os autores esquecem são dois problemas. Um é que Chico Xavier pode ter obtido as informações "inacessíveis" através da leitura fria, que é a interpretação de inúmeros aspectos e informações de depoimentos de familiares e amigos de um morto. Estes deixam de ter consciência de que forneceram informações para o "médium", porque acham natural contar tudo nas reuniões dos "auxílios fraternos" no Grupo Espírita da Prece, entidade onde Chico atuava em Uberaba.

Isso é muito comum em "casas espíritas" e as pessoas que contam todas as informações para atendentes em "auxílios fraternos" não se dão conta que fornecem detalhes que "rechearão" as pretensas psicografias. Elas acreditam que há apenas coincidência entre tais "informações", quando na verdade elas ofereceram os ingredientes para a fabricação da mensagem pretensamente "mediúnica".

Outro problema é em relação aos familiares. Pode ser que uma tia de um morto saiba algo que a mãe desconhece, ou que os amigos saibam de algo que os familiares não têm a menor ideia. Nem todos os familiares sabem, cada um, tudo do que o morto pensou, disse ou viveu, e pode ser que uma informação privativa dos pais de um morto podem ser desconhecidas dos demais parentes, e que nem por isso podem trazer veracidade para as pretensas psicografias.

Caroli e Paraná ainda caíram em contradição, quando disseram que as cartas atribuídas a Jair Presente são "verídicas", mas vieram com essa ressalva, descrita na reportagem: "É reiterado, porém, que o estudo não comprova que as cartas tenham realmente sido escritas por alguém morto, mas sustenta que os relatos apresentados nela são verídicos".

Isso significa que as cartas não são verídicas. A conclusão é completamente equivocada e "escorregadia", só para citar, por ironia, uma definição de Caroli sobre os casos de contestação das "psicografias" supostamente atribuídas a Humberto de Campos.

O que Caroli se recusa a admitir é que as análises textuais - nas quais se observam os estilos de cada mensagem - podem apontar fraudes, sobretudo quando um autor possui aspectos pessoais bastante definidos. E no caso de Jair Presente, nota-se um duplo equívoco, seja pela primeira mensagem, com o estilo pessoal de Chico Xavier, e nas mensagens posteriores, com uma linguagem forçadamente coloquial, nervosa e com excesso, também forçado, de gírias.

"BOBAGEM DA GROSSA"

O Chico Xavier que tanto apelava para "ninguém julgar quem quer que fosse"  fez um grave juízo de valor, ofendendo os amigos de Jair Presente. Estes, que melhor conheceram o rapaz e conviveram com ele, desconfiavam das supostas psicografias, que nem de longe representavam o estilo de escrita  e de linguagem do amigo morto.

Eles reclamavam e diziam que não havia jeito de acreditar nas pretensas mensagens espirituais. E aí, Chico Xavier, nos bastidores, teria resmungado a respeito dos amigos do jovem: "Não creio que a rapaziada esteja acreditando muito no que digo. De vez em vez, escuto algum deles a dizer: 'Mas esse Jair não tem jeito, não'. Mas isso é bobagem da grossa".

Em seguida, o "médium" aproveitou e resolveu, em mensagem publicada em 19 de julho de 1975, colocar seu comentário pessoal sob o crédito de Jair Presente, acrescentando a ele uma mensagem que retoma o estilo individual do "médium":

""Não creio que a rapaziada esteja acreditando muito no que digo. De vez em vez, escuto algum deles a dizer: “Mas esse Jair não tem jeito, não”. Mas isso é bobagem da grossa. Quem tem jeito para melhorar e consertar é só aquele Cristo amoroso e bom de todos os dias. Mas, isso é isso. Se fosse eu o vivo da história, talvez não acreditasse no amigo morto e ficaria ainda mais vivo, se ouvisse mensagens dos que houvessem caído em algum barato do pró-terra-de-pedra e cipreste, antes de mim".

O grave problema disso é que, infelizmente, o prestígio religioso de Chico Xavier falou mais alto do que qualquer realidade ou aspecto lógico. Amigos que conviveram pessoalmente com Jair Presente não podem levar crédito, no caso de questionar as "psicografias", mas, quando se trata em aceitá-las, vale até mesmo as "informações privativas dos familiares". É lamentável que o privilégio religioso se ponha acima da realidade, sob todos os aspectos.