Chico Xavier era apoiador da "cura gay"



A imagem "progressista" de Francisco Cândido Xavier foi uma interpretação errada influenciada por uma narrativa que "adocicou" a imagem do "médium", famoso por ser um suposto paranormal acusado de participação em fraudes de psicografia e materialização de espíritos e de, como pregador, ser um reacionário convicto.

Tais acusações mostram provas robustas, contundentes, porque elas são inúmeras e tantas - desde problemas na expressão de estilo dos supostos autores mortos até assinaturas "espirituais" que em nada lembram as assinaturas dos mortos deixadas em vida - , daí que os adeptos de Chico Xavier seguem uma reação psicológica que é a Negligência pelo Excesso de Evidências.

A negação se dá porque as pessoas têm tantas provas a conhecer e verificar que preferem refugiar em sua ignorância, que lhe garante as impressões agradáveis que lhes servem como analgésico psicológico. Dessa maneira, para proteger um ídolo religioso, as pessoas preferem ser ignorantes, renegar a realidade - sob a desculpa dela ser "amarga" - e manterem-se confortáveis (ou prisioneiros?) de suas fantasias.

Há vários aspectos reacionários da obra de Chico Xavier. Várias provas foram reunidas num texto publicado pelo blog Charlatães do Espiritismo. Um dos textos que chama a atenção pelo risco de interpretações equivocadas se deve à "cura gay", que Chico Xavier defendeu, não da maneira explicitamente declarada, mas de uma forma sutil, embora identificável pela natureza dos contextos de sua pessoa, seu tempo e do conjunto de sua obra.

Vamos ao que ele disse a um dos jornalistas entrevistadores no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, no final de julho de 1971:

ALMYR GUIMARÃES Chico, tem aqui uma pergunta de dona Maria Lúcia Silva Gomes. Pergunta: "Como se explica o homossexualismo e a perturbação no comportamento sexual à luz da doutrina espírita?"

CHICO XAVIER Temos tido alguns entendimentos com Espíritos amigos e notadamente com Emmanuel a esse respeito.

O homossexualismo, tanto quanto a bissexualidade ou bissexualismo como a assexualidade são condições da alma humana. Não devem ser interpretados como fenômenos espantosos, como fenômenos atacáveis pelo ridículo da humanidade. Tanto quanto acontece com a maioria que desfruta de uma sexualidade dita normal, aqueles que são portadores de sentimentos de homossexualidade ou bissexualidade são dignos do nosso maior respeito. E acreditamos que o comportamento sexual na humanidade sofrerá de futuro revisões muito grandes, porque nós vamos catalogar, do ponto de vista de ciência, todos aqueles que podem cooperar na procriação e todos aqueles que estão numa condição de esterilidade.

A criatura humana não é só chamada à fecundidade física, mas também à fecundidade espiritual. Quando geramos filhos, através da sexualidade dita normal, somos chamados também à fecundidade espiritual, transmitindo aos nossos filhos os valores do espírito de que sejamos portadores.

Não nos referimos aqui aos problemas do desequilíbrio nem aos problemas da chamada viciação nas relações humanas. Estamos nos referindo a condições da personalidade humana reencarnada, muitas vezes portadora de conflitos que dizem respeito seja à sua condição de alma em prova ou à sua condição de criatura em tarefa específica.

De modo que o assunto merecerá muito estudo e poderemos voltar a ele em qualquer tempo que formos convidados. Porque nós temos um problema em matéria de sexo na humanidade, que precisaríamos considerar com bastante segurança e respeito recíproco.

Se as potências do homem na visão, na audição, nos recursos imensos do cérebro nos recursos gustativos, nas mãos, na tatilidade com que as mãos executam trabalhos manuais, nos pés; se todas essas potências foram dadas ao homem para a educação, para o rendimento no bem, isto é, potências consagradas ao bem e à luz em nome de Deus, seria o sexo, em suas várias manifestações, sentenciado às trevas?

Em princípio, Chico Xavier não deixa claro sua postura, se levarmos em conta apenas essa declaração. À primeira vista, ele parece não ser contra nem a favor do homossexualismo (hoje se fala na causa LGBTQ, num contexto mais amplo), e ele faz uma pegadinha com seu público, numa aparente ênfase à ideia de que "os homossexuais merecem o nosso mais absoluto respeito".

Isso faz com que os apressados que costumam ler e interpretar as coisas sem pensar, num contexto em que a maioria dos internautas primeiro escreve bobagens e depois só apagam quando a repercussão negativa já se espalhou nas redes sociais e até na grande imprensa. Daí para imaginar que Chico Xavier, conhecido pela voz aparentemente efeminada, virar um defensor da causa LGBTQ, é um pulo. Só que tal atribuição é rigorosamente ERRADA (desculpem a caixa alta).

Isso porque existe uma diferença em respeitar e apoiar. Respeita-se um opositor, o que não quer dizer que se esteja dando respaldo ao que ele faz, diz ou pensa. "Absoluto respeito" também não sugere uma hipótese de um "respeito mais apoiador". Muito pelo contrário, é possível respeitar e discordar completamente de uma ideia. Respeito, no caso, é a legitimação da postura, atitude ou ideia de outro, sem necessariamente se compartilhar dela. Apoia-se ou rejeita-se conforme cada caso.

O de Chico Xavier é um caso de respeito discordante. E, ainda assim, com tendência de acolher os homossexuais para convencê-los de abrir mão dessa condição. Se observarmos a fundo as ideias de Chico Xavier, que se fundamentam na submissão a Deus e em outras bandeiras católicas ultraconservadoras - como a servidão no trabalho - , notemos que ele foi um precursor da "cura gay", que aparece implicitamente nesse trecho aparentemente generoso de seu depoimento:

"E acreditamos que o comportamento sexual na humanidade sofrerá de futuro revisões muito grandes, porque nós vamos catalogar, do ponto de vista de ciência, todos aqueles que podem cooperar na procriação e todos aqueles que estão numa condição de esterilidade.

A criatura humana não é só chamada à fecundidade física, mas também à fecundidade espiritual. Quando geramos filhos, através da sexualidade dita normal, somos chamados também à fecundidade espiritual, transmitindo aos nossos filhos os valores do espírito de que sejamos portadores".

Ele enfatiza justamente a estrutura familiar tradicional, de forma sutilmente oculta pelo termo "procriação". Lendo com pressa, tem-se a falsa impressão de um Chico Xavier receptivo à causa LGBTQ. Mas, observando as entrelinhas, relacionando os contextos de sua pessoa, seu conservadorismo e suas ideias, vemos que é o contrário, mas o "respeito" que o "médium" enfatizou aos homossexuais revela que, para ele, a comunidade LGBTQ é aproveitável na ressocialização, desde que fizesse a tal "cura gay".

A "cura gay" é um termo trazido por evangélicos neopentecostais, nos seus surtos de reacionarismo aberto, e quer dizer a conversão dos homossexuais em heterossexuais, nos quais se evitam as relações homoafetivas (de pessoas do mesmo sexo) e mesmo os desejos sexuais se tornam bastante reprimidos.

A ideia é que se obedeçam as condições biológicas sexuais, visando a ideia de "procriação" (eis a palavrinha discreta na "generosa" exposição de Chico Xavier) e respeitando a estrutura familiar conservadora, em que há um casal hétero de homem e mulher criando filhos, que podem ser gerados biologicamente ou adotados.

Um trecho que revela o caráter homofóbico de Chico Xavier está em Vida e Sexo, livro lançado em 1970, portanto não muito distante da época do depoimento no programa da TV Tupi de São Paulo. Em um trecho do livro, diz-se o seguinte:

A homossexualidade, hoje chamada também transexualidade, definindo-se, no conjunto de suas caraterísticas, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos de base materialista mas é perfeitamente compreensível à luz da reencarnação.

Embora a sociedade terrena seja constituída, em sua maioria, por criaturas heterossexuais, o mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em experiências dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos aos heterossexuais.

A vida espiritual pura e simples rege-se por afinidades eletivas essenciais; contudo, através de milênios e milênios, o Espírito passa por fileira imensa de reencarnações, ora em posição de feminilidade, ora em condições de masculinidade, o que sedimenta o fenômeno da bissexualidade, mais ou menos pronunciado, em quase todas as criaturas.

O homem que abusou das faculdades genésicas, arruinando a existência de outras pessoas com a destruição de uniões construtivas e lares diversos, é em muitos casos induzido a buscar nova posição, no renascimento físico, em corpo morfologicamente feminino, aprendendo, em regime de prisão, a reajustar os próprios sentimentos, ocorrendo o mesmo com a mulher que tenha agido de igual modo.

Pouco importa se as mensagens são atribuídas ao espírito do jesuíta Emmanuel, considerado por alguns setores do "espiritismo" brasileiro como figura lastimável em vários aspectos. No entanto, sabe-se que, se isso for o caso, Chico Xavier concordava praticamente com tudo e, se discordava, passava a concordar, pela atribuição tardia a Emmanuel como "mensageiro tardio do Cristo". Mesmo os mais ávidos seguidores de Chico Xavier creem que suas opiniões se "confundem" às dos "espíritos".

Note-se que, segundo Chico Xavier, o homossexualismo é fruto de uma confusão mental da pessoa que era de um gênero sexual na encarnação posterior e reencarna com uma diferente. O "médium" atribui a homossexualidade como uma perturbação, resultante de "faltas passadas", como a "destruição de uniões construtivas e lares diversos".

Aqui a "cura gay" de Chico Xavier se torna explícita: "O homem que abusou das faculdades genésicas (...) é em muitos casos induzido a buscar nova posição, no renascimento físico, em corpo morfologicamente feminino, aprendendo, em regime de prisão, a reajustar os próprios sentimentos, ocorrendo o mesmo com a mulher que tenha agido de igual modo".

Lembremos que as cirurgias "trans", que procuram adaptar o corpo físico às necessidades psicológicas de quem não se acostumou com a condição sexual do nascimento e quer assumir outra, são reprovadas pelo "espiritismo" brasileiro, uma vez que desafiam o "poder de Deus" e as determinações que os "espíritas" acreditavam ser uma predestinação divina mediante as missões morais do espírito reencarnado.

"Reajustar os próprios sentimentos" é a forma com que Chico Xavier definiu como "cura gay", que é a renúncia dos instintos homossexuais e a adaptação da atual condição biológica às naturezas físicas da atual encarnação. Ou seja, se uma mulher reencarnou como homem, ela terá que se adaptar à natureza e as condições do corpo masculino, obedecendo os "desígnios de Deus", conforme também lembrou certa vez o periódico fluminense "Correio Espírita", divulgador das ideias de Chico Xavier.