Esquerdistas que cultuam Chico Xavier são conservadores

Devemos repensar os valores e os interesses. Afinal, uma maioria considerável de brasileiros se envolve em causas e decisões que não lhes são espontâneas e nem fazem parte de suas intenções e gostos particulares.
Há muito fingimento e isso é bem mais comum do que se imagina e atinge muita gente que parece "legal", mas que em algum momento revela seus aspectos lamentáveis, aqui e ali. E isso envolve as chamadas forças progressistas, definidas como "de esquerda", no Brasil.
Há muitos ditos "esquerdistas" que apresentam aspectos sombrios. Defendem a degradação da cultura popular, sob a desculpa de associar os fenômenos midiáticos, considerados popularescos, à vontade natural do povo pobre, ignorando que este é tratado de maneira caricata pela indústria do entretenimento e pela sociedade do espetáculo.
Para piorar, são pessoas que, em parte, tentam fingir o tempo todo que são "de esquerda". A outra parte é esquerdista mesmo, mas age com boa-fé. Elas destoam de pautas progressistas e, volta e meia, acolhem fenômenos e tendências que veem o povo pobre como uma massa de animais domesticados, e isso se torna claro com toda a campanha que se faz, dentro dos meios esquerdistas, em prol do "funk", um dos principais ritmos popularescos feitos no Brasil.
Apesar disso, essas pessoas sempre ocultam seu lado conservador e, como se obedecessem a um protocolo, participam de causas e posições de esquerda com falsa lealdade, mais para obter vantagens sociais futuras, ganhar projeção pessoal e atrair elogios daqueles com quem, no fundo, possuem divergências sérias, mas passíveis de mascaramento.
Daí que existe gente conservadora nas esquerdas, sendo tanto os esquerdistas genuínos como os infiltrados que sempre carregam a mentira de parecerem também "esquerdistas de verdade", mesmo com o coração batendo forte pelos movimentos conservadores moderados (centro-direita) dos quais finge fazer duros ataques de repúdio.
Estamos numa época em que as verdadeiras naturezas das pessoas se revelarão, assim que terminar o prazo do isolamento social. Assim como já percebemos que antigos golpistas políticos, como Janaína Paschoal, Reinaldo Azevedo, o ex-ator Alexandre Frota e o roqueiro Lobão, sem serem progressistas, no entanto se tornaram democráticos e legalistas, veremos, no campo progressista, a revelação de futuros reacionários, dentro daqueles que, em 2018, deram seu voto a Fernando Haddad.
As naturezas ocultas revelarão casais supostamente estáveis se divorciando, falsas solteiras revelando que seus maridões vivem em algum balneário do Nordeste brasileiro, pessoas reacionárias por trás de pessoas aparentemente modernas, e pessoas moderníssimas por trás de tradicionalistas convictos. É questão de tempo e o isolamento social, como uma espécie de "sauna" espiritual, irá tirar dos poros as sujeiras escondidas e guardadas secretamente, a sete chaves, do nossos cofres mentais.
No caso de Francisco Cândido Xavier, comprovadamente um ideólogo do ultraconservadorismo, que não é menos conservador do que Edir Macedo e Silas Malafaia, já crescem na Internet as aceitações e admissões de comparação entre o "médium" e o presidente Jair Bolsonaro, tornados equiparados no seu reacionarismo, enquanto que cada vez mais perde sentido a suposta polarização que parecia separar os dois.
As esquerdas que apreciam Chico Xavier, nesse contexto, se revelam bastante conservadoras. Afinal, as pessoas que se valem pela "boa embalagem" do "médium", e, se identificam com ele, é porque se identificam com ideias conservadoras de Chico Xavier, marcadas por um prisma medieval de religiosidade e moralidade.
Além disso, ideias relacionadas a pautas conservadoras, como "reforma trabalhista", "cura gay", "Escola Sem Partido" etc estão presentes nos livros e nos depoimentos de Chico Xavier, que era um partidário da Teologia do Sofrimento, corrente católico-medieval que defendia que os infelizes deveriam aguentar em silêncio até mesmo a pior das desgraças, sob o pretexto de que "Deus irá socorrer no momento oportuno", que geralmente ocorre muito tardiamente, para não dizer póstuma.
Não há como ser, ao mesmo tempo, chiquista e esquerdista. Os elementos de conexão dessas duas posturas antagônicas são frágeis: a imagem idealizada de Chico Xavier associada a uma forma paternalista de "caridade" e a símbolos dóceis de religiosidade e consolação humana, e uma simbologia mitificadora de um esquerdismo infantilizado e pouco combativo.
Isso cobrou um preço caro para as esquerdas, porque a postura conciliadora, que envolveu até mesmo setores corruptos e do baixo-clero da direita, que durante anos ocupou a base aliada dos governos Lula e Dilma Rousseff, o que fez com que interpretações tendenciosas associassem o Partido dos Trabalhadores à corrupção política, tese corroborada pelo "espiritismo" brasileiro em maioria.
São extremamente superficiais e frágeis as teses que definem Chico Xavier como um progressista ou até mesmo como um esquerdista, através de teses especulativas e sem fundamento, inclusive sua glorificada "caridade", da qual não se tem provas nem fundamentos de que tenha ocorrido, embora, em contrapartida, ela não viesse do próprio "médium", mas dos seguidores ordenados por ele, e se fundamentasse nos limites paliativos do Assistencialismo.
Diante desses aspectos, é só argumentar profundamente para um "chiquista de esquerda" para ele se revelar conservador. Se ele não se acha errado nesta postura, um debate de ideias e posições dará num caminho de argumentos que levará sempre a alguma postura conservadora do "progressista", algum instinto homofóbico oculto ou alguma declaração do tipo "os trabalhadores estão ganhando demais, eles precisam perder um pouco de dinheiro".
Além do mais, o próprio ato da religiosidade, estranhamente enfatizado pelas forças progressistas, independente de citar ou não o "médium" ou o "espiritismo" brasileiro, já é conservador, se considerarmos que o esquerdismo surgiu sob um viés ateísta ou agnóstico, buscando romper com as estruturas ideológicas religiosas que impulsionaram o capitalismo a partir da Idade Moderna.
Há pontos ocultos nas esquerdas que as fazem tão conservadoras quanto a centro-direita (PSDB, por exemplo). "Funk" e Chico Xavier são também duas expressões acolhidas pelo ideário de Luciano Huck, um dos símbolos da centro-direita nacional, divulgador do primeiro e devoto do segundo, do qual, aliás, se inspira para forjar projetos supostamente filantrópicos, como supostamente filantrópicos haviam sido os projetos do "bondoso médium".
Se um esquerdista se acha defensor convicto de Chico Xavier, podem anotar. Ele não é progressista, é conservador. Ele pode, até certo ponto, usar de todo malabarismo argumentista para justificar ao mesmo tempo seu progressismo e a devoção chiquista, mas chega um momento em que ele se manifestará uma pessoa bastante conservadora, que só se situa na tendência esquerdista mediante interesses estratégicos, em grande parte de promoção pessoal.
Nos preparemos porque, depois da quarentena, nosso país não será mais o mesmo. Haverá muitos desmascaramentos, em boa parte surpreendentes, e isso causará choques e decepções. No caso da adoração a Chico Xavier, isso irá desmascarar um bom número de "progressistas" que não passam de conservadores mascarados. As circunstâncias mostrarão isso.