Muitos brasileiros são egoístas e não sabem

BOLSONARISTAS RIEM DAS MORTES POR CORONAVÍRUS EM PROTESTO CONTRA A QUARENTENA, EM SÃO PAULO.
A manifestação contra a quarentena, em várias partes do Brasil, mostra o quanto o inconsciente de boa parte dos brasileiros, justamente a que se considera, moralmente, "quase perfeita", capaz de fazer juízos de valor e cobranças nos outros e dizer que está sempre com a razão, é um porão de sujeiras e objetos podres bagunçados e amontoados entre si.
Isso se assemelharia à Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro de 1904, se não fosse o fato de que, em vez das classes populares de 100 anos atrás, quem hoje protesta contra recomendações sanitárias é a sociedade rica, a classe média que adula os ricos e os "pobres de direita" que aceitam viver na miséria por se acharem "protegidos por Deus", sendo pobres financeiros com alma burguesa.
Naquela época, populares realizaram protestos violentos contra a recomendação do médico sanitarista Oswaldo Cruz de vacinação obrigatória contra a varíola, a febre amarela e a peste bubônica. Ele era diretor de Saúde Pública do governo do prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, e sua decisão se deve às muitas mortes causadas por essas doenças. As revoltas tinham como pretexto o descontentamento do povo contra os serviços públicos.
Em todo caso, a atitude dos bolsonaristas de hoje se nivela, de forma ainda mais piorada, aos miseráveis que não queriam ir a hospitais e postos de saúde que consideravam deficitários para serem vacinados. No caso atual, a revolta se relaciona à obrigatoriedade de isolamento e ao fim das aglomerações de pessoas, praticamente acabando com o lazer que movimentava a vida de muitos brasileiros.
A indignação teria sido compreensível, errada porém dentro da normalidade, se não fosse o detalhe do ato insano de manifestantes dançarem segurando o caixão de papelão, rindo dos mortos do coronavírus. A "fábrica de fake news" também colaborou ao usar uma dança funerária ritual de Gana, na África, para protestar contra a quarentena.
Durante os últimos anos, vemos a insanidade mental tomar conta de pessoas antes consideradas normais. Vemos pessoas conservadoras surtando e não é difícil saber por que famosos como Pelé, Regina Duarte, Sílvio Santos, Emerson Fittipaldi e Roberto Carlos decidiram apoiar Jair Bolsonaro.
Por outro lado, muita gente fica apavorada quando se cogita que, se vivos estivessem, Waldick Soriano e Francisco Cândido Xavier (sim, o "médium" Chico Xavier) teriam apoiado Jair Bolsonaro, mesmo quando toda a lógica dos fatos e todo o contexto social relacionado garantem essa hipótese.
Isso mostra, também, o outro lado dessa insanidade. Pessoas que se dizem "progressistas" mas vivem com ilusões e fantasias, e, em que pese a interpretação realista de uma parcela da realidade - como analisarem a forma como se comporta a grande mídia e o mercado financeiro em nossa sociedade - , ainda contam com resíduos incômodos de pensamento desejoso que parecem crostas difíceis de serem removidas.
NEUROSES DE GENTE "NORMAL"
A chegada do fenômeno do coronavírus - que ainda vai causar, em tempo recorde, milhares de mortes em todo o Brasil, se já não está causando - exige que o Brasil dê fim a posturas mentais e ideológicas de 45 anos atrás, que, resistindo às mudanças do tempo, mesmo quando perdem o sentido hoje em dia, se convertem em neuroses e paranoias psicológicas de gente considerada "normal".
Numa época em que crianças já aceitam saber que Papai Noel nunca existiu e se preparam para ver outras crianças morrendo em plena infância por doenças graves, adultos se revoltam quando se fala que feminicidas também podem morrer um dia - circulam na Internet suspeitas de que a imprensa está escondendo as mortes de alguns feminicidas famosos, velhos ou até na casa dos 50, 60 anos - e que "médiuns" podem ser desmascarados como farsantes que nunca falaram com os mortos.
A sociedade brasileira está presa a paradigmas que aprenderam a assimilar por volta da Era Geisel, conforme muitos especialistas dizem. O período de 1974 a 1979 é considerado "ideal" para uma sociedade marcadamente conservadora e atrasada porque foi nessa época que o Brasil atingiu um nível social considerado "moderado", onde a complacência com os erros humanos, o consentimento com o arrivismo e a nivelação sócio-cultural a níveis medíocres se tornou regra (não declarada formalmente nem de forma consciente) do nosso país.
Foi nesse período que Chico Xavier, antes um pitoresco caipira que se dizia paranormal, passou a ser considerado um pretenso símbolo de caridade, fraternidade e paz. E criou-se uma falácia de que ele "fez muita caridade", sem que houvesse a menor fundamentação dessa tese e nem mesmo provas de que isso realmente teria ocorrido.

A "CARIDADE" DE JORGE E MATEUS NOS EXPLICA COMO REALMENTE FOI A "CARIDADE" DE CHICO XAVIER: ATO DE PROMOÇÃO PESSOAL ÀS CUSTAS DA DOAÇÃO DOS OUTROS.
Não é difícil imaginar por que os seguidores de Chico Xavier são os mais neuróticos, os mais obsediados e os mais temperamentais, agindo até mesmo com rancor e fúria à menor contestação ao seu mito.
O apego a Chico Xavier como um suposto "ativista humanitário" e "símbolo de tudo o que existe de bom na espécie humana" é tanto que até se Jesus de Nazaré avisar as pessoas de que o "médium" era um picareta igual aos fariseus do seu tempo, os chiquistas vão logo dizendo ao mestre judeu: "Vê se corrige isso, Jesus!".
A obsessão por Chico Xavier atinge níveis preocupantes. Embora o "médium" seja associado a uma simbologia anti-ódio e anti-violência, seus seguidores são odiosos e violentos. A adoração a Chico Xavier é um caso grave de fascinação obsessiva, de tal forma que não são raros os "espíritas" que acabam contraindo demência, passando a velhice portando problemas psicológicos extremos.
Chico Xavier já fez um comentário ríspido contra os amigos de Jair Presente, quando estes desconfiavam das "psicografias" do jovem. Anos antes, o sobrinho de Chico Xavier, Amauri Xavier, morreu da mesma forma anunciada pelas ameaças de morte recebidas pelo rapaz, fato confirmado pela revista Manchete, em 1958.
Sim, os aspectos sombrios de Chico Xavier assustam muita gente, num tempo em que crianças aceitam deixar de crer em contos de fadas. O "médium" é adorado, por adultos e idosos, com uma cegueira emotiva e uma fascinação pior do que as princesas da Disney, e as teimosias intransigentes fazem com que, numa discussão entre defensores e adversários de Chico Xavier, são os defensores os mais irritados, os mais desesperados e os mais desequilibrados.
A "caridade" de Chico Xavier, um pretenso consenso no qual não existe fundamentação nem provas e do qual nem os resultados são demonstrados, é desmascarada na forma de tipos semelhantes de suposta ajuda ao próximo na qual os "filantropos" não passam de "atravessadores" da caridade alheia, meras "cigarras" a se vangloriarem pelo trabalho das formigas, estas que realmente fazem o trabalho de doação, mesmo nos limites fajutos do Assistencialismo (a "causa maior" do "médium").
Temos o caso de Luciano Huck, este admirador confesso de Chico Xavier, e está sendo trabalhado como "filantropo" nas mãos da mesma Rede Globo que realizou essa promoção ao "médium". Afinal, devemos nos lembrar que, embora Chico estivesse associado a atos de Assistencialismo desde os anos 1940, a imagem de "caridoso" só foi forjada nos tempos da ditadura militar, pela Rede Globo que era a emissora de apoio e sustentação ao regime.
Criou-se um "filantropo de fachada" para neutralizar a ascensão de ativistas verdadeiros como o sindicalista Lula, mais tarde presidente da República. Uma espécie de "caridoso" de ficção novelesca, esses velhinhos franzinos e dóceis da dramaturgia global, que faz a semiologia inverter os papéis: afinal, não foi Nelson Xavier que, na ficção do cinema, encarnou Chico Xavier, a verdade é que Chico Xavier é que virou Nelson Xavier interpretando um bom velhinho da novela das nove.
DESEJAMOS A MORTE DOS ENTES QUERIDOS, ENQUANTO OS ASSASSINOS VIRAM OS NOVOS "ENTES QUERIDOS"
As profundezas ocultas da natureza humana, no Brasil, através do exemplo de bolsonaristas, dos quais se incluem um considerável número de esportistas olímpicos - que outrora fizeram o mesmo discurso de meritocracia e "superação" que agradaria Chico Xavier - , antes símbolos de "caráter imperfeito, porém esforçadamente bom", nos educa sobre o lado oculto dos brasileiros.
Há dissimulação em tudo. Até no intelectual de centro-direita que se fantasia de "esquerdista" para agradar pessoas de influência estratégica, e o fingimento se sustenta até quando for possível, mesmo que a mentira valesse até depois do fim da vida.
No ideário de Chico Xavier - ele mesmo tendo que carregar por décadas uma mentira, que foi a de lançar livros falsários que carregavam o crédito de autores já falecidos - , seus valores retrógrados e medievais, que defendiam da resignação e até do prazer pelo sofrimento extremo (ninguém fala, mas existem os masoquistas religiosos, apoiados abertamente por nossa sociedade "normal"), fazem com que seus seguidores, que falam tanto em "humanismo", sejam os mais desumanos, de maneira bem mais cruel do que se pode admitir.
O próprio Chico Xavier deu mau exemplo, juntando crueldade e hipocrisia, no caso da tragédia do Gran Circo Norte-Americano, atingido por um incêndio criminoso em Niterói, a uma semana do Natal de 1961. Xavier, com seu julgamento de valor e sem qualquer tipo de fundamentação, acusou as vítimas do incêndio, gente humilde, de terem sido romanos sanguinários que viviam na Gália do século II. Com tal acusação, foi como se Chico Xavier dissesse, sádico: "finalmente, os sanguinários romanos do passado pagaram por merecer".
O julgamento de valor combinou falta de perdão (logo de um "médium" que pedia para que perdoássemos todos e até ele por qualquer falha, mesmo grave), preconceito social contra os pobres e, além disso, falso testemunho e transferência criminosa de culpa contra quem não cometeu o juízo de valor. A acusação foi atribuída a Humberto de Campos, mal disfarçado pelo nome de Irmão X, que Chico passou a usar para continuar usurpando, de maneira irresponsável, o autor maranhense.
Os chiquistas são tresloucados. Por associação, os divaldistas também. Juntos, chiquistas e divaldistas se aproveitam das redes sociais, num momento de pânico devido ao coronavírus, para mandar pretensas mensagens de paz.
Vídeos com Divaldo Franco (que já devia se aposentar, encerrar suas atividades e se isolar socialmente), com todo o falso mel de sua voz, falando em "solidariedade e paz", é de uma farsa terrível, pelo superficialismo de pedir união e misericórdia sem perceber que o ódio e os conflitos humanos são fruto da desigualdade social que a religião não enxerga: aquela em que uns têm demais o que lhes é supérfluo e outros não chegam a ter sequer o basicamente necessário.
A religião "espírita" finge considerar tais problemas, mas ela sempre se apressa a pedir a "misericórdia" da galinha com a raposa. Os "espíritas" logo se precipitam em dizer para os sofredores ficarem felizes em suas desgraças enquanto aceitam, complacentes, os abusos de seus algozes, enquanto se cruza os braços (ou se esforça como um escravo ferido por açoites) esperando que Deus trouxesse a bonança, geralmente de maneira tardia ou póstuma.
Criou-se uma péssima educação moral e supostamente espiritualista, sob um engodo que mistura conceitos de "filosofia oriental" com valores religiosos medievais, no qual as pessoas, sob o pretexto de serem generosas, acabam sendo terrivelmente egoístas, sem perceberem e sem terem a consciência disso.
Sob o caso, por exemplo, das mortes prematuras, que o "espiritismo" brasileiro cinicamente glamouriza, alegando aos mortos suposto fim de suas missões espirituais e atribuindo, cruelmente, "feliz destino" a quem vai "para uma vida melhor", que revela um egoísmo dos mais cruéis, no nível dos mais sanguinários aristocratas do Império Romano, nos níveis de um rei Herodes.
Embora camuflado por sentimentos e palavras dóceis, isso acaba criando, nas famílias, um desejo oculto de morte de entes queridos, uma perversidade mascarada por mil desculpas. É como se expulsássemos do nosso convívio as melhores pessoas, os mais valiosos amigos ou parentes, os cônjuges mais preciosos.
A desculpa da "vida melhor", longe daqui, não é muito diferente do que a ditadura militar pregava com o lema "Brasil, Ame-o ou Deixe-o". E pensar que muitos ainda ficam incomodados quando se fala que Chico Xavier era apoiador e até colaborador da ditadura militar.
Enquanto isso, assassinos ricos e famosos são tratados como se fossem entulhos no porão que continuam lá, sem uso, mas quando se fala de descartá-los, as pessoas se revoltam, irritadas. O que se discute, na Internet, é que quatro feminicidas famosos estão na casa dos 80 anos e não há um relato de que eles um dia ficarão doentes e falecerão.
No entanto, em tempos de fake news contaminando até nossa imprensa profissional, inventou-se que um velho feminicida, famoso pela antiga vida de "playboy", virou "influenciador digital" aos 81 anos, mesmo, na época, não estando em condições físicas nem psicológicas para enfrentar haters nas redes sociais.
Não podemos dizer que feminicidas também morrem. Suas mortes são ocultadas pela imprensa, e elas não são poucas e ceifam, mesmo em causas aparentemente "naturais" - como um infarto, câncer ou mal súbito - , mesmo os feminicidas de 45 a 68 anos de idade. Dizer isso, porém, traz um risco de ser entendido como "preconceituoso", "rancoroso" e "impiedoso", mesmo quando os óbitos são justificados pela masculinidade tóxica muito comum entre os feminicidas, que envolvem de dirigir bêbado um automóvel, fumar e beber demais e consumir eventualmente cocaína.
A confusão mental de quem se incomoda com a tragédia dos feminicidas os leva a contradições. Num momento dizem "o que a morte deles tem a ver com minha vida?", mas por outro lado apelam para "deixá-los viver em paz". Os assassinos, inclusive os feminicidas, acabaram se tornando os "entes queridos" de uma sociedade doentiamente moralista, até porque eles, ao dizimar pessoas, acabam contribuindo para essa necropolítica que se torna o "sonho de consumo" de muitos conservadores de plantão.
Há a teoria do "alpinismo moral", na qual se leva ao exagero o perdão ao inimigo achando que ele está perdoado até dos danos que este faz à sua saúde, como se pudéssemos brigar com as Leis da Natureza. O "alpinismo moral" é um arremedo de evolução social tendenciosa.
No "alpinismo moral", o sujeito não necessariamente se arrepende dos crimes cometidos, apenas deixa de praticá-los, bancando o "bonzinho", mas o perdão social é tão concessivo que ele, em vez de aprender com as desilusões da vida, reconstrói seu orgulho e sua presunção e recupera os privilégios sociais antes ameaçados pelo risco de condenação criminal, afastado pela impunidade. Guilherme de Pádua é um exemplo típico disso.
E isso mostra o lado secreto do moralismo religioso, que chega ao ponto insano de achar que a Morte seleciona caráter, com a nossa sociedade brasileira, entorpecida por mil "terraplanismos" aqui e ali, das fake news da Internet ao moralismo medieval "espírita", da libertinagem do "funk" à ânsia masoquista de ver as nossas riquezas econômicas serem entregues a empresas estrangeiras.
As pessoas acabam achando que nossos obituários precisam ser "os mais fofos possíveis", de preferência com mortos que podem ser enquadrados num vídeo de slides com fundos musicais feitos para bichinhos fofos no YouTube.
Mas se chegamos ao ponto de ver pessoas rindo dos mortos pelo coronavírus, tudo pode acontecer. Senhoras cristãs se revoltando porque alguém falou que aquele velho feminicida que virou notícia em todo o Brasil está no leito de morte ou já faleceu, alegando que, em detrimento com as leis da Natureza, sua masculinidade tóxica não cobra o preço natural dos descuidos à saúde combinados com temperamento explosivo.
Sob o verniz do espiritualismo e de outros valores que, duplamente, tanto exaltam a libertinagem do "funk" quanto o obscurantismo do "espiritismo" brasileiro, criaram-se neuroses terríveis que corrompem as mentes de pessoas consideradas "normais" e que mostram suas neuroses ocultas,