Não adianta passar pano e dizer que "médiuns" são "envividados morais"
Na tentativa de passar pano para os "médiuns" do "espiritismo" brasileiro, atribui-se seus erros e suas más consequências a ideia de que eles "vieram para enfrentar provas e expiações" e são "pessoas endividadas" moral e existencialmente, sendo dotadas de imperfeições e risco de cometer muitos erros.
O problema não é admitir essa realidade, mas é ver que isso só serve para tentar abafar os erros graves cometidos por gente como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco. A admissão de seus erros e imperfeições tem caráter tendencioso e oportunista, e a forma com que tais limitações são divulgadas serve mais para livrá-los de punições e manter a reputação dos "médiuns" na sociedade.
Falar que alguém é imperfeito é chover no molhado, principalmente numa época em que o erro é tão banalizado que resultou na crise política em que vivemos. A atitude de, em tese, assumir nossos erros e defeitos virou uma desculpa para abafar as más consequências, porque acreditamos que o erro é "uma qualidade universal".
Acabamos passando pano nos defeitos dos "médiuns", dos ricos, dos políticos conservadores, dos apresentadores de TV, dos atores de novelas, dos craques de futebol, das cantoras e cantores popularescos, da influenciadora digital, até do Jair Bolsonaro do qual uma considerável parcela de seguidores de Chico Xavier sente horror em ser comparado, apesar do conservadorismo extremo e explícito unir o "médium" e o "capitão".
Aí os seguidores de Chico Xavier, sem poder desmentir o conservadorismo do seu ídolo, que salta aos olhos de tão evidente - na medida em que são pateticamente fantasiosos e sem fundamento os esforços para "esquerdizar" o "médium", para agradar os Franklin Félix da vida - , tentam um apelo desesperado de arrumar uma desculpa. "Mas esse direitismo são apenas as opiniões pessoais que Chico teve no passado", alegam eles, na tentativa de brigar com os fatos. "Além disso, essas opiniões não tinham efeito doutrinário", acrescentam, no seu desespero.
Não tinham? É só prestar atenção, nos livros e depoimentos de Chico Xavier, pouco importando os nomes alheios que eles carregam, porque está claro que, se houve mesmo autoria espiritual, Chico Xavier concordava com tudo o que eles pensavam, e o reacionarismo é tão claro e com efeito doutrinário, pois é impossível separar o "homem" do "médium", o qual mantinha uma mesma linha de pensamento seja nas opiniões pessoais e nas obras doutrinárias.
Além disso, há muitas provas que as ideias de Chico Xavier eram tão reacionárias que ficamos perguntando se Eduardo Cunha, sendo um membro da seita evangélica Assembleia de Deus, teria, em vez de consultar os dogmas de sua religião, consultado a literatura xavieriana para esboçar suas "pautas bombas" que viraram, depois, programas políticos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
RESPONSABILIDADE, QUE É BOM, NADA
É fácil dizer "somos imperfeitos", "Quem nunca errou na vida?", "os médiuns são endividados e viveram para enfrentar provas" etc. Isso parece bonito, é um arremedo de autocrítica que tranquiliza a todos e dá a falsa impressão de que todo mundo é "gente como a gente", essa falácia hipócrita que, no fundo, transforma a simplicidade humana em lixo, como se ser normal fosse ser sórdido.
O problema é que continuam sendo escondidos os piores instintos e os piores sigilos morais. As pessoas desenvolvem sua falsidade, querem ser "tudo de bom" e apenas usam os seus defeitos para uma espécie de "carteirada por baixo", espécie de envaidecimento invertido, pelo que tem de imperfeito ou até mesmo pelo que tem de sórdido.
É essa postura que gerou o caos em que vivemos, que faz as pessoas se acostumarem tanto com os erros da humanidade, que acabam se apegando ao que há entre o medíocre e o deplorável, e acabam elegendo como suas maiores diversões os reality shows como Big Brother Brasil, palcos da safadeza humana, e as vídeocassetadas nas quais as pessoas costumam se dar mal de repente.
Mas quem pensa que os seguidores de Chico Xavier não são tão desumanos assim, se engana. Essas pessoas também se divertem com o sofrimento alheio, ouvindo estórias de gente perdendo entes queridos e sofrendo adversidades das mais cruéis - do tipo de alguém que pega o prêmio da loteria e é assaltado e morto na esquina - , sentindo prazer oculto pela desgraça alheia e se entretendo com a "masturbação com os olhos" a que se reduziu o ato da comoção humana.
É insuficiente, nestes casos, usar a "carteirada por baixo" e dizer, com peito estufado, que "aqui também não tem santo, não, santo é Deus", como os seguidores de Chico Xavier falam sobre si. A ideia não é dizer que tem defeitos, que é imperfeito e enfrenta "provas e expiações", porque isso, na verdade, não revela autocrítica e sim um certo orgulho mórbido pelos próprios defeitos, criando zonas de conforto para não se evoluírem.
Ultimamente começa a se desenhar um cenário, no Brasil, no qual as pessoas acabarão exibindo seus lados ocultos e sombrios. Será um grande, incontrolável e inevitável desmoronamento social. Afinal, o simples ato de "assumir defeitos e imperfeições" é insuficiente, diante do medo de se assumir, de verdade, as piores responsabilidades. Diz-se que "é imperfeito" e "sempre errou na vida" para evitar ser punido por isso, criando a falácia de que "todos erram sempre na vida".
Com essa falácia, se todo mundo erra, ninguém será punido, porque não há como punir um erro que é considerado comum a qualquer pessoa. É a tese da "universalização dos defeitos", que faz com que se crie, na humanidade, um padrão rasteiro de moralidade e qualidade de vida, na qual se permitem corrupções, misérias, limitações, tragédias etc. Passamos a não querer o melhor para nós mesmos e acreditamos na ilusão de que certos desastres "trazem graça" para nossa vida.
A atribuição de "imperfeição" aos "médiuns" chega ao ridículo de uma mudança de abordagem, na qual se supôs que Chico Xavier "já se mudou para o Reino dos Puros", estando no "céu" ao lado de Deus e Jesus. A narrativa mudou, Chico Xavier foi "chamado" para fora do "céu" e "voltou" na condição de um espírito de alguém imperfeito, que "cometeu erros".
O mais ridículo é que uma das narrativas que disseram que Chico "encerrou as encarnações" alegou que o "médium", após rever entes queridos no além-túmulo, foi "sugado" por Deus, à maneira de um gigantesco aspirador de pó, para ingressar definitivamente no mais alto plano espiritual.
Ficou risível a "devolução" diante da mudança da forma com que os adoradores de Chico Xavier passaram a vê-lo. Ele "estava" no "Reino dos Puros", como "assistente de Deus", e teve que largar tudo porque os valores foram revistos e ele era apenas um "sujeito imperfeito", que teria que "voltar" para a "erraticidade dos humanos comuns". Foi constrangedor isso, o que mostra o quanto o fanatismo dos chiquistas faz em suas caneladas e recuos constantes.
E é isso que se torna grave, e, digamos, gravíssima a declaração de que os "médiuns" são apenas "pessoas endividadas enfrentando provas". Isso é chover no molhado. A ideia, com isso, é evitar que os "médiuns", como Chico Xavier e Divaldo Franco, sejam desmascarados. Cria-se a concessão de "imperfeição", fazendo-os descer alguns degraus para não sofrerem a queda vertiginosa dos farsantes a serem desmascarados. Mas isso é suficiente para desfazer a máscara e há quem admita que a "edição além-túmulo" do evento Você e a Paz está "cancelado" definitivamente.
Tudo isso, se fosse visto por Kardec, receberia deste uma resposta certeira. "Tudo isso virou uma bagunça. Dizer que alguém é imperfeito e vive para sofrer provas e expiações é óbvio, e não há mérito em dizer isso, se não existem responsabilidades para enfrentar as consequências, que aliás tentam ser afastadas pelos espíritos faltosos, pois não adianta admitir erros e dívidas se espera-se de tal posição a moratória", teria, talvez, dito ele.
Em todo caso, é mais uma atitude que põe em xeque a credibilidade dos "médiuns" e mostra a cegueira dos seus seguidores, mesmo aqueles que se dizem "laicos", "isentos" e até fingem que são "ateus ou céticos". Isso porque, para tentar blindar seus ídolos religiosos e dissimular o fanatismo que envergonha os outros, chiquistas, divaldistas e similares passam a abrir mão da "santidade" que acreditavam ter os seus ídolos, para evitar vê-los como mentirosos e oportunistas que realmente são ou foram. É uma "carteirada por baixo" que serve para proteger o apego a esse fanatismo.