Os piores resmungões são os que não gostam de ver os outros reclamarem - II


CERCA DE TRÊS DÉCADAS APÓS PUBLICAR A QUEIXOSA, CHICO XAVIER, VERGONHOSAMENTE, VIROU UM RESMUNGÃO DIANTE DAS DÚVIDAS DOS AMIGOS DO FALECIDO JAIR PRESENTE.

O texto que reproduzimos na postagem anterior, sobre o conto "A Queixosa", de Reportagem de Além-Túmulo, de Francisco Cândido Xavier (com a colaboração não-creditada de Antônio Wantuil de Freitas), de 1943, é um atestado do moralismo punitivista do "espiritismo" brasileiro, baseado na Teologia do Sofrimento, corrente radical do Catolicismo da Idade Média que o "médium" sempre apreciou em sua vida.

Aqueles que se dizem "progressistas" mas se identificaram com o conto da "queixosa" devem parar para pensar. Afinal, eles caíram em contradição, afinal acolhem um texto de um moralismo severo, que, hipócrita, se passa por "bondoso" ao pedir aos sofredores aguentarem suas desgraças sem fim e sem controle, sob o pretexto de que "as bênçãos de Deus estão se aproximando".

Paremos para refletir. Lembremos daquele moralismo paterno ultraconservador: "se você se comportar direitinho, papai vai lhe dar um presente". É esse o moralismo de Chico Xavier, quando alega, com notável hipocrisia, que "é preciso aceitar o sofrimento, atraindo energias para as bênçãos futuras". Ele apela para a fé religiosa medieval, que se fundamenta no sentimento masoquista apoiado pela Teologia do Sofrimento.

Atrair "boas energias" ao aceitar e até gostar de sofrer? Isso não tem a menor coerência. Diante de uma catástrofe, um sorriso não fará diferença alguma e a serenidade só ocorre de maneira emergencial, conforme o contexto e dependendo da situação. 

Mas ninguém fica feliz quando acontecem desgraças sem controle, acumulando e crescendo feito bola de neve. Não há como ficar feliz, por exemplo, quando se liga o computador e não só é linchado na Internet, como tem fotos de sua vida particular usadas e reproduzidas, para fins depreciativos, em um blog de calúnia e difamação. 

A suposição de que "se Deus está comigo, quem pode ficar contra" não é consoladora. A realidade é muito complexa para as compreensões superficiais da fé religiosa. Afinal, não seria o pior queixoso aquele que justamente não gosta que os outros se queixem, sendo o reprovador da reclamação alheia justamente o pior resmungão, que não aceita ver os outros falando de problemas na vida?

Fala-se que os queixosos "não aproveitam as boas oportunidades da vida". E se houve algum empecilho no meio? E se alguma tragédia interrompeu o caminho do sucesso? E se um compromisso ocorreu para que uma outra oportunidade desaparecesse com o prazo expirado? Será que está errada a pessoa que se indigna diante de uma oportunidade que não se repete mais, ao menos com a qualidade que ela se apresentou na ocasião perdida?

O acúmulo de desgraças afeta até mesmo aqueles que possuem uma paciência maior para tais ocasiões. É do instinto psicológico humano, semelhante a de um animal quando acuado. Até um cãozinho considerado fofo pode se tornar agressivo quando acuado, e mesmo uma pessoa paciente não pode ser capaz de ficar feliz com sua overdose de desgraças.

EGOÍSMO DE QUEM NÃO QUER VER OUTROS RECLAMANDO DA VIDA

Quanto a quem reclama demais, a pessoa possui motivos para expor seus problemas para outras pessoas. Em muitos casos, o aparente excedente de queixas e lamentações é uma forma de chamar a atenção para os problemas que se acumulam na vida, causando insônias diante de tamanhas aflições.

Mais desgraçado é aquele que fica alardeando o tempo todo para as pessoas nunca reclamarem da vida, que é um mal ficar se queixando sempre sobre tanta coisa. 

O desejo de Chico Xavier, usando criminosamente o nome de "Humberto de Campos", em ato de verdadeiro falso testemunho - dizer uma coisa e jogar a responsabilidade para outrem - , de que outras pessoas evitem lamentações diante do pior infortúnio, é um ato bastante egoísta (sim, Chico Xavier sendo egoísta através de um ponto de vista).

Afinal, é um ato egoísta forçar que os desgraçados aceitem o sofrimento e finjam que estão felizes. Chico Xavier queria só ver gente sorrindo, alegres, e os outros que sofrem dor que se virassem para dar um falso sorriso, num ambiente de felicidade forçada que se revela egoísta porque o "médium" não queria saber de ouvir problemas. Isso é pura soberba.

Afinal, a ideia de que uma felicidade forjada deva ser feita para criar uma sensação de bem-estar mostra o caráter de orgulho e egoísmo de Chico Xavier, como também em outros nomes de elite, conforme aquela canção de Ivete Sangalo, "Não me conte seus problemas", lembrando que a cantora baiana participou do movimento conservador Cansei.

Até mesmo a alegação de que "é aceitando o sofrimento em alegria que atrairá boas energias para seu fim" é uma falácia, baseada sempre no bordão "Tudo passa" tão falado pelo "médium". Até porque essa alegação demonstra total insensibilidade pela dor do outro e comprova que Chico Xavier nunca teve vocação para ser um bom samaritano.

E no caso da desgraça causar danos irreparáveis? A alegria vai fazer cicatrizar as dores profundas da tragédia? Evidentemente, não. Em todo caso, por mais que se usem desculpas agradáveis, pedir para os outros aguentarem os sofrimentos e nunca reclamarem é demonstração de falta de humanismo, erro mais grave quando ocorre sob o rótulo "humanista" do "espiritismo" brasileiro.

CHICO XAVIER SE CONTRADISSE NOS CASOS DO CIRCO DE NITERÓI E DE JAIR PRESENTE

Dentro daquela frase "faça o que eu digo, mas não o que eu faço", Chico Xavier caiu em contradição várias vezes, como se não bastasse o conjunto da obra ser uma coleção de violações graves em relação aos postulados da Doutrina Espírita.

Mas em duas vezes Chico Xavier demonstrou atitudes deploráveis, como no julgamento de valor contra as vítimas do incêndio criminoso no Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, em 17 de dezembro de 1961, dado cinco anos depois.

Citado em Cartas e Crônicas, de 1966, o juízo de valor de Chico Xavier acusou, sem a menor fundamentação, de terem sido "gauleses sanguinários" as pessoas humildes que foram ver um belo espetáculo, arrasado por um ato vingativo de um ex-funcionário, Dequinha, que acendeu fogo em várias partes do circo.

É como se colocasse um atenuante a Dequinha, consentindo com o seu crime, embora reprovasse verbalmente. Mas o mais grave é que Chico Xavier queria dizer, no fundo, que as vítimas "pagaram pelo que mereciam".

E o maior agravante é o falso testemunho, no qual Chico Xavier, como se "reclamasse" da inocência do povo pobre, que "enfim sofreu as consequências de suas atrocidades", foi colocado na conta de Humberto de Campos, que não estava mais vivo para reivindicar algum respeito. Mesmo o pseudônimo "Irmão X" não atenua o crime cometido por Chico Xavier.

Chico Xavier, também conhecido pelos comentários ríspidos do tipo "não vamos responder a nossos acusadores para não pôr querosene nesse incêndio", sabendo que poderia ser igualmente rude em suas respostas, também é conhecido pelo caso Jair Presente, jovem universitário falecido em fevereiro de 1974.

Se apropriando do nome do jovem paulista para forjar "psicografias", Chico Xavier claramente mudou o estilo da primeira para as mensagens posteriores, criando uma linguagem amalucada que parece neurótica demais até para os padrões da linguagem hippie, muito comum naquela época, também 1974.

Da segunda psicografia até, pelo menos a sexta, onde a linguagem parecia neurótica e com um excesso de gírias que nenhum "bicho-grilo" diria em sua coloquialidade, que a impressão que tem é que o suposto espírito de Jair Presente "cheirou pó" ao chegar na "pátria espiritual".

Os amigos de Jair Presente desconfiaram da primeira mensagem, que tinha aquela narrativa ascéptica e igrejista própria de Chico Xavier, e das posteriores, porque conviveram com o rapaz e sabiam da forma como ele era capaz de se expressar em vários momentos de sua vida.

Mas aí, Chico Xavier ficou irritado e fez essa declaração, de caráter bastante ríspido: "Não creio que a rapaziada esteja acreditando muito no que digo. De vez em vez, escuto algum deles a dizer: 'Mas esse Jair não tem jeito, não'. Mas isso é bobagem da grossa".

Para piorar, Chico Xavier, depois de dar essa declaração, manifesta nos bastidores, não mediu o menor escrúpulo de botar as mesmas frases sob o crédito de Jair Presente, em suposta psicografia de 1975. A mensagem tem o estilo pessoal de Chico Xavier (é só comparar com a forma como o "médium" dizia nas entrevistas do Pinga Fogo da TV Tupi):

"Não creio que a rapaziada esteja acreditando muito no que digo. De vez em vez, escuto algum deles a dizer: “Mas esse Jair não tem jeito, não”. Mas isso é bobagem da grossa. Quem tem jeito para melhorar e consertar é só aquele Cristo amoroso e bom de todos os dias. Mas, isso é isso. Se fosse eu o vivo da história, talvez não acreditasse no amigo morto e ficaria ainda mais vivo, se ouvisse mensagens dos que houvessem caído em algum barato do pró-terra-de-pedra e cipreste, antes de mim".

Chico Xavier se apressou a botar tudo na conta de Jair Presente - é fácil responsabilizar os mortos pelas más ideias trazidas por supostos médiuns - , porque viu que estava bancando o resmungão, se nivelando abaixo da "queixosa" de três décadas atrás.

Como um farsante, ele demonstrou, mais do que qualquer outro, o grande mal daqueles que não gostam de ver os outros reclamando: é a inveja de ver que essas pessoas têm algum motivo para reclamar.

Aquele que não gosta de ver os outros reclamando e usa desculpas moralistas para sustentar seu ponto de vista é que só sabe reclamar sem motivo, como o juízo de valor que Chico Xavier deu contra os amigos de Jair Presente.