Se você adora Chico Xavier, agradeça à ditadura militar por isso

QUASE NINGUÉM PERCEBE, MAS CHICO XAVIER FOI O MAIOR COLABORADOR E APOIADOR DA DITADURA MILITAR E FOI ELA QUE DESENVOLVEU A IMAGEM "ADORÁVEL" QUE OS BRASILEIROS CULTUAM HOJE.
Nestes tempos de coronavírus, a religiosidade tornou-se a "cloroquina" mística das mentes aflitas, que, inseguras, se apegam à fé religiosa como um meio de salvação desesperada. Não é uma questão da saudável terapia da fé religiosa, quando usada com moderação, mas aquela visão cega do tipo "Entrego a ti, meu Deus", expressando mórbida submissão ao "desconhecido".
Mas isso seria altamente compreensível no caso de religiões tradicionais e anteriores à ditadura militar, como o Catolicismo e o Protestantismo (neste caso, sobretudo, a Igreja Batista). E, dentro dessas condições, seria até mesmo altamente aceitável, vide que muitas pessoas sentem essa insegurança e precisam delas, como crianças necessitando de uma babá. Neste caso, tudo bem.
O grande problema está no terrível cacoete de pessoas, nas redes sociais, apelarem para os "médiuns" do "espiritismo" brasileiro, como Divaldo Franco em seus "apelos pela paz" e, no conjunto da obra, as frases de Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, que circulam nesses mesmos espaços digitais.
Tudo é acionado como se fosse um piloto automático. Se o noticiário acumula notícias trágicas, como explosões vulcânicas, pandemias, ataques terroristas ou, quem sabe, a declaração de guerra de um país contra outro, os "robôs espíritas" acionam a palavra-chave "Chico Xavier" que, como um "Jair Bolsonaro do Cristianismo", aparece nos trend topics das redes sociais.
Mas isso é nas situações de emergência. Fora delas, é normal ver as "pessoas de bem", supostamente espiritualistas, despejar frases de Chico Xavier em um momento ou em outro, acreditando que, com isso, obterá a paz e tranquilidade, quando é apenas um analgésico emocional, uma anestesia psicológica, causando apenas um "efeito placebo" nas mentes humanas.
São frases que as pessoas nem percebem o que elas querem dizer. É só ver a assinatura de Chico Xavier e umas palavras soltas - como "recomeço" e "paz" - e elas jogam na Internet, pegando um meme ou apelando para o "Ctrl+C" e "Ctrl+V". Elas nem tem consciência disso e parecem estar em transe diante da mística em torno de Chico Xavier, que ninguém sabe se realmente foi um "iluminado" ou não.
INSTINTOS OCULTOS DA ESPÉCIE HUMANA
Daí que Chico Xavier, se prestarmos bem atenção, nunca foi essa pessoa "iluminada" que muitos falam dele. Também não é aquilo que os "isentões", num discurso bastante mascarado, dizem de Chico Xavier, um "homem simples e bom, mas imperfeito", como se isso fosse uma "carteirada por baixo", dentro de um contexto em que a mania de "isenção" produz gente que varia de esquerdistas débeis a bolsonaristas furiosos.
Seria necessário perguntar às pessoas se elas são realmente progressistas, altruístas, intelectualizadas e modernas. Será que são mesmos? Não basta dizer nem acreditar que, em tese, é qualquer dessas qualidades. Não seria bom as pessoas mexerem nos porões ocultos de suas mentes, para ver se ainda não existem aspectos sombrios e até macabros no seu interior?
É muito fácil ocultar aspectos sombrios. Um jovem rico que, escondido de todo mundo, estupra uma garota, ao ser detido pela polícia, logo faz cara de assustado e grita, contrariado "Isso é um absurdo! Eu nunca estuprei uma menina nem sou homem capaz de tamanha covardia".
O que chama a atenção hoje em dia é o perfil de apoiadores de Jair Bolsonaro, envolvendo ídolos considerados de grande popularidade e, alguns, apreciados até por gente pobre: o cantor Roberto Carlos, o craque Pelé, o ex-corredor Emerson Fittipaldi, os comediantes Sérgio Mallandro e Dedé Santana, a atriz Regina Duarte, que virou uma (ineficiente) secretária da Cultura, o treinador Luiz Felipe Scolari, etc.
E não é só. Uma maioria esmagadora de atletas olímpicos, que em suas propagandas expressavam os "ideais de superação" bastante idênticos aos trazidos por Chico Xavier, viraram apoiadores de Jair Bolsonaro, inclusive com um entusiasmo e uma fidelidade que valem até hoje, mesmo quando sabemos que personalidades apoiadoras do "mito", como Janaína Paschoal e Alexandre Frota, romperam com o hoje presidente da República.
Alguém ficou horrorizado com a comparação de Chico Xavier com Jair Bolsonaro? Preste atenção nesse sentimento de pavor, antes de falar bobagens. Afinal, o contraste que separa os dois, a dicotomia "amor-versus-ódio", é artificial, falsa e de sustentação frágil, e permanece em pé como aquele prédio construído sobre estruturas frágeis que permanece de pé porque não há ocupação nem tempestades a derrubá-lo.
Lembremos que houve situações em que Chico Xavier lembrava Jair Bolsonaro e vice-versa. No caso de Chico Xavier, tivemos o comentário ríspido do "médium" quando amigos de outro Jair, o Jair Presente - na ironia do sobrenome, ausente do mundo físico desde 1974 - , desconfiaram das "psicografias". Irritado com tal desconfiança (justa e merecida porque foram eles que conviveram com Jair Presente), o "médium" classificou tal sentimento de "bobagem da grossa".
Chico parecia a versão live action do personagem Eustáquio, do seriado de animação Coragem, o Cão Covarde (Courage, the Cowardly Dog), que fez muito sucesso na TV norte-americana e também repercutiu por aqui. Eustáquio, um velho ranzinza, tinha uma aparência bastante idêntica à que Chico Xavier teve no fim de sua vida. E, por trás da imagem adocicada do "médium", ele também era ranzinza e, como um reacionário, era tão radical quanto Olavo de Carvalho.
Compare também outros episódios que, mesmo indiretamente, envolveram Chico Xavier. As ameaças de morte a Amauri Xavier vinda dos seguidores do seu tio mostra que os adeptos de Chico Xavier, supostamente incapazes de sentir ódio e desejar ou praticar vingança "sequer para o pior inimigo", dão fortes indícios de que ele teria sido assassinado por um "espírita", lembrando que tais ameaças foram noticiadas pela revista Manchete, em agosto de 1958.
E o julgamento de valor de Chico Xavier contra pessoas humildes - na ironia da "imagem de humildade" que cerca o "médium" até hoje, na imaginação dos seus seguidores, mesmo os mais "leigos" - , como na vergonhosamente perversa acusação, contra as vítimas do incêndio criminoso no Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, a uma semana do Natal de 1961, descrita no livro Cartas e Crônicas, de 1966.
Chico Xavier acusou as pessoas humildes de terem sido "romanos sanguinários" do século II, em atribuições reencarnatórias feitas sem o menor fundamento. Foi como se Chico Xavier, silencioso com a culpabilidade de Adilson, o Dequinha, mentor e um dos executores do crime, acusasse as pessoas pobres e, em maioria, negras e mestiças, de "pagarem pelo que fizeram".
Com a mesma crueldade, Divaldo Franco, em discurso recente, acusou também as vítimas dos naufrágios, na época em que multidões fugiam de países do Oriente Médio e de países africanos marcados pela tirania, morrendo antes de alcançar a Europa (onde iriam viver em exílio pacífico), de terem sido "antigos colonizadores" considerados "sanguinários" e "tirânicos".
É um grande erro dos "espíritas". A hipótese de culpabilidade da vítima é feita sem fundamento, através de um cálculo grotesco e simbólico, através da relação entre abuso e prejuízo, que é a forma como os "espíritas" brasileiros entendem como "Lei de Causa e Efeito".
É, portanto, um raciocínio bruto e extremamente equivocado. Se a pessoa sofreu uma desgraça, um prejuízo enorme ou uma tragédia, isso é entendido, num entendimento "automático", como "pagamento" de alguma "falta passada", o que significa que tal julgamento de valor apresenta um forte risco de injustiça e crueldade, partida até mesmo de gente considerada "respeitável".
No caso de Chico Xavier, seu julgamento de valor, não bastasse a relativização do crime causado pelo rancoroso Dequinha, que, mediante essa avaliação, teria sido acidentalmente promovido a "justiceiro de Deus", e não bastasse a gravíssima acusação dada a pessoas pobres, veio também a acusação, ainda mais deplorável, de falso testemunho e transferência de responsabilidade: o "médium" atribuiu as acusações a Humberto de Campos, muito mal disfarçado de "Irmão X".
Isso é gravidade acima de gravidade e causaria vergonha nos brasileiros, se realmente eles são bastante esclarecidos. Há muitas sombras nas mentes das pessoas, gente que não é tão progressista como se imagina, nem tão moderna, nem tão vanguardista, nem tão futurista, nem sequer altruísta, que esconde aspectos muito sombrios de personalidade, tão assustadores que essas pessoas preferem deixar ocultos no inconsciente.
É muito fácil fingir e é até confortável fingir para si mesmo. Criar uma mentira na qual a pessoa representa "tudo de bom" oculta verdadeiros bolsonaristas que se escondem nos instintos ocultos de muita gente "de esquerda", que, da boca para fora, havia gritado "Lula Livre" para dar boa impressão a amigos e à sociedade.
Não há como admirar, ao mesmo tempo Chico Xavier e o ex-presidente Lula. Pela "embalagem", isso é possível e muitos o fazem, mas pelo conteúdo, sabe-se que isso coloca a pessoa em contradição, como o próprio colunista "espírita", Franklin Félix, que escreve para "Diálogos da Fé", da revista Carta Capital, demonstra, apresentando uma visão muito confusa de Espiritismo e esquerdismo que briga com a realidade, apesar das ideias prometerem uma "abordagem mais pacifista" de tudo.
Isso porque a realidade coloca o "médium" e o ex-sindicalista como antagônicos. É a natureza das ideias, dos contextos, dos fatos que desafiam qualquer pensamento desejoso, e que faz com que muitos brasileiros, horrorizados, prefiram fantasias e dissimulações, que lhes parecem agradáveis, do que se perturbar com a autocrítica e com a contundência de fatos desagradáveis e verdades dolorosas.
COLABORAÇÃO COM A DITADURA MILITAR
O lado oculto de Chico Xavier é o seu apoio incondicional à ditadura militar, posição que ele não fez qualquer atitude de autocrítica nem arrependimento. Ultraconservador, Chico Xavier dizia que os brasileiros deveriam "orar pelos militares", porque eles faziam do Brasil um "reino de amor". A repressão era entendida pelo "médium" como uma "medida necessária para combater o caos".
Isso mostra um dado bastante sombrio e que faz as pessoas, iludidas com a imagem de "contos de fadas" atribuída ao "médium", se revoltarem. Mas essa imagem foi justamente a que foi trabalhada pela ditadura militar para levar, para a posteridade, um "Chico Xavier adocicado e pueril", feito sob medida para que a ignorância do brasileiro médio nas redes sociais se impulsionasse a publicar suas frases e suas "lindas histórias" nas redes sociais.
Sim, a ditadura militar "fabricou" o "homem bondoso" que muitos acreditam que Chico Xavier - em verdade, falsário literário e reacionário ranzinza - , e, o que é pior, o "médium" foi condecorado pela própria ditadura, algo que deveria ser levado em conta e que foi trazido pelo biógrafo Marcel Souto Maior, solidário ao "médium".
A premiação, feita pela Escola Superior de Guerra - espécie de "laboratório intelectual" que planejou o golpe militar de 1964 e sustentou a ditadura, e fez parcerias com a instituição civil IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), de perfil liberal e anti-esquerdista - , não pode ser entendida com relativismos diversos.
A situação é clara. Se Chico Xavier recebeu condecoração da Escola Superior de Guerra, é porque ele colaborou com a ditadura militar. E já se começa a considerar que as "cartas mediúnicas" enviadas supostamente por espíritos de mortos comuns teriam sido um artifício para aceitar as mortes prematuras, que depois se estenderiam com a conformação com as mortes de presos políticos da ditadura militar, que o imaginário popular suporia "estarem mais felizes no outro lado".
O mito de Chico Xavier que hoje se conhece, supostamente "ecumênico" e "progressista" a ponto de ainda enganar os ateus e os esquerdistas, foi montado pela ditadura militar e seu braço midiático mais atuante, a Rede Globo, com base no mesmo método que o jornalista britânico Malcolm Muggeridge, católico e conservador, fez com Madre Teresa de Calcutá.
É aquele padrão conservador de "bondade humana", envolvido numa suposta caridade paliativa, o Assistencialismo, pregador de um modelo conservador de vida, baseado na aceitação da desgraça humana e na condenação da individualidade (considerada "bode expiatório" do egoísmo humano). é assustador que muitos considerem isso "progressista", porque isso é marcadamente conservador.
Daí que é necessário as pessoas reverem seus valores. Afinal, não foi Chico Xavier um progressista, seus seguidores é que não são tão progressistas quanto se acham. Há muita gente mais marcadamente conservadora do que se imagina e isso é grave, porque pessoas que se consideram "esclarecidas" e "avançadas" acabam se nivelando abaixo dos bolsonaristas, que podem ser estúpidos, reacionários, rancorosos e violentos, mas, pelo menos, são sinceros em seus maus posicionamentos.