Dois textos reforçam conservadorismo medieval em Chico Xavier

SEGUNDO O SAUDOSO LETRISTA MARCELO YUKA, "PAZ SEM VOZ NÃO É PAZ, É MEDO".

As pessoas são tomadas pelas embalagens belas da religião "espírita", que não têm a menor ideia de seu conteúdo conservador, bem diferente do Espiritismo francês. Enquanto o Espiritismo original olhava para a frente, influenciado pelo Iluminismo, a sua suposta tradução brasileira, mesmo evocando "positivamente" as "tradições religiosas populares", anda para trás, fundamentada na herança do Catolicismo jesuíta de raízes medievais, que prevaleceu no tempo do Brasil colonial.

Confundindo embalagem com conteúdo, baseadas na ilusão de que uma embalagem bonita só pode trazer um conteúdo bonito, as pessoas não conseguem perceber o conteúdo oculto do "espiritismo à brasileira", que vende a falsa imagem de uma "filosofia espiritualista racional e progressista". Essa ilusão causa divergências e conflitos, mas a última coisa que todos os envolvidos fazem é acolher as ideias originais de Allan Kardec, bajulado até as últimas consequências, mas nunca devidamente estudado.

Ficam ofendidos quando alguém aponta que as ideias de Francisco Cândido Xavier sempre foram medievais. É bom prestar atenção em suas reações. Afinal, ninguém conhece o segredo de suas almas, e muito se revolta por coisa nenhuma, e não estamos falando no moralismo "espírita" de "evitar reclamar da vida", mas da própria reação contra a realidade dos fatos.

As pessoas que levantam da cadeira, indignadas quando se chama Chico Xavier de conservador e medieval, deveriam prestar atenção nas ideias dele, pois mesmo os memes das frases mais agradáveis dele mostram um viés ultraconservador de fazer bolsonaristas ficarem babando. Duas frases, creditadas a Emmanuel, reproduzidas abaixo, confirmam esse conservadorismo que deixaria até a extrema-direita boquiaberta.

Lembremos que neste caso não funciona a desculpa tão comum do "não foi Chico Xavier quem disse". Sabemos que as mensagens "espirituais" possuem autoria duvidosa, tudo veio da mente do "médium" ou, se não dele, de "espíritos" então muito bem encarnados como Manuel Quintão, Antônio Wantuil de Freitas, Luís da Costa Porto Carreiro Neto, Waldo Vieira e outros.

No entanto, se admitirmos a tese de que "foram os espíritos que disseram", há também a crença, praticamente unânime, de que Chico Xavier concordava com eles. É o caso de Emmanuel, "reaparição" do antigo padre, jesuíta e radicalmente medieval, Manuel da Nóbrega, tão conhecido de nossa História colonial. Só a evocação do padre Manuel da Nóbrega confirma que Espiritismo, no Brasil, a influência maior é a do Catolicismo da Idade Média.

E como dizer isso se as pessoas ainda se iludem com o clima "princesas da Disney" que o "espiritismo à brasileira" mostra para as pessoas? Apesar da religião falar tanto em "racionalidade", ela é a que mais se torna irracional, não à maneira do irracionalismo tragicômico das seitas neopentecostais, mas na maneira que explora as fraquezas emocionais humanas, de forma ainda mais perigosa do que os célebres "cobradores de dízimos".

As próprias ideias de Emmanuel podem ajudar as pessoas a compreender o ultraconservadorismo do "espiritismo" brasileiro. Pelas razões apresentadas, não dá para tirar Chico Xavier dessa. O pensamento do "médium" era tão conservador que, no auge da ditadura, a Escola Superior de Guerra o homenageou. Alguém com um pingo de lucidez iria imaginar que a ESG perderia tempo e dinheiro prestando homenagens a quem não colaborou com a ditadura militar?

As ideias abaixo são fundamentadas pela Teologia do Sofrimento. O "espiritismo" brasileiro em nenhum momento declarou ter a influência dessa corrente radical do Catolicismo da Idade Média, mas suas ideias coincidem muito com elas, como se análogas fossem. A prática diz muito mais do que os rótulos, o ato de ser revela e confirma o que o "dizer ser" tenta desmentir, em vão.

Também não há como relativizar o conservadorismo, falando da "aceitação do infortúnio em silêncio" como apenas "uma pequena questão de paciência à espera de uma vida melhor", imaginando que a "vida maior" que seria o mundo espiritual tem as mesmas caraterísticas da Terra. Só que se sabe, em contrapartida, que, se o mundo espiritual fosse como a vida terrena, essa não teria sido necessária, não é mesmo?

Portanto, é um conceito conservador, fundamentado na Teologia do Sofrimento e suas palavras dóceis para fazer as pessoas não só aceitarem como, também, gostar da sua própria desgraça, baseado na falácia de que "dia de desgraça é véspera de bênçãos". Vai dizer para alguém que perdeu casa e familiares numa tragédia que a felicidade vai bater à sua porta. Quanta desumanidade não pode haver por trás de palavras tão doces?

Vamos aos textos. Embora um deles seja creditado a André Luiz, as ideias parecem análogas às que levam o crédito de Emmanuel e que se encaixam muito bem no repertório ultraconservador presente em toda a obra de Chico Xavier.

As obras datam de épocas diferentes, 1963 e 1979, mas consistem no mesmo ultraconservadorismo. Recomenda-se a leitura cautelosa, para não se envolver emocionalmente nas argumentações falaciosas, sempre prontas a atingir quem possui fraqueza emocional:

NO SILÊNCIO DA PRECE 

Por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira - Atribuído ao suposto espírito de André Luiz
- Opinião Espírita (sic). FEB, 1963

Miríades e miríades de unidades de vida microscópica palpitam na concha da boca.
Em torno de ti, no silêncio de tua prece, os átomos se agitam em vórtices intermináveis na
estrutura material da roupa que te veste e dos sapatos que te calçam.

A eletricidade vibra esfuziante por quilômetros e quilômetros de fios, transformando-se,
não longe de ti, em força, luz e calor.

Milhares de criaturas humanas num perímetro de algumas léguas em derredor, falam,
cantam e choram sem que ouças.

Outros milhões de vozes em dezenas de idiomas, nas ondas hertzianas, entrecruzam-se
à tua volta sem que as registres.

Raios sem conta chovem sobre ti sem que lhes assinales a presença.

Inúmeros fenômenos meteorológicos se sucedem em toda parte, sem que consigas
relacioná-los.

O planeta faz giros velozes carregando-te, em paz e segurança, sem que tomes qualquer
conhecimento disso.

°°°

Igualmente, no silêncio de tua prece, acionas vasto mecanismo de auxílio e socorro na
atmosfera que te rodeia, comparável a imenso laboratório invisível.

O teu influxo emocional dirige-se além de teus sentidos para onde te sintonizes, através
de insondáveis elementos dinâmicos

°°°

Não descreias da oração por não lhe marcares fisicamente os resultados imediatos.

O firmamento não é impassível porque te pareça mudo.

No silêncio de tua prece mental, podes expressar até mesmo com mais veemência do
que num discurso de mil palavras, o hino vibrante do amor puro, a ecoar pelo Infinito,
assimilando no âmago do ser a Divina Luz, que te sublimará todos os anseios e
esperanças, na renovação do destino.

===============

Silencia e Espera

Por Francisco Cândido Xavier - Atribuído ao suposto espírito de Emmanuel - Calma. GEEM, 1979.

No tumulto das inquietações da Terra, é provável encontres igualmente os desafios que se erigem por testes de compreensão e serenidade, no caminho de tantos companheiros de experiência.

Quanto possível, habitua-te a entesourar paciência, com a qual disporás de suficientes recursos para adquirir as forças espirituais de que necessitarás, talvez, para a travessia de grandes provas, sem risco de soçobro nas correntes do desespero.

Provavelmente ainda agora estarás suportando a incompreensão de pessoas queridas, em forma de prevenções e censuras indébitas; entretanto, se o assunto diz respeito unicamente ao teu brio pessoal, cala-te e espera.

Se amigos de ontem transformaram-se em adversários de tuas melhores intenções, tolera as zombarias e remoques de que te vês objeto e de nada te queixes.

Diante de criaturas que te golpeiem conscientemente a vida, impondo-te embaraços e desilusões, desculpa e esquece, renovando os próprios pensamentos na direção dos objetivos superiores que pretendas alcançar.

E ainda mesmo que agressões e ofensas te firam nos recessos da alma, sugerindo-te duros acertos de conta, à face da manifesta injustiça com que te tratem, não passes recibo nas afrontas que te sejam endereçadas e nada reclames em teu favor.

Não piores situações em que alguém te coloque, não te revoltes, nem te lastimes.

Silencia e espera, porque Deus e o Tempo tudo esclarecem, restabelecendo a verdade, e, para que os irmãos enganados ou enrijecidos na ignorância se curem das ilusões e das crueldades a que se entregam, bastar-lhes-á simplesmente viver.