Tese de que Chico Xavier não colaborou com ditadura militar choca com verdade histórica



Um sério problema sobre os motivos que sustentam a tese de que Francisco Cândido Xavier não foi um colaborador da ditadura militar é a suposição de que, acolhendo o "médium", a Escola Superior de Guerra deu uma pausa no seu rigor repressivo, mesmo num tempo de radicalismo, para condecorá-lo.

Não faz o menor sentido. Embora se admita que, em quase tudo na vida, há mudanças de contextos e atitudes surpreendentes, no caso da Escola Superior de Guerra não há um contexto que possa relativizar seu rigor repressivo e dar, aos militares envolvidos, um "coração mole" para acolher Chico Xavier em seus aposentos, dando-lhe homenagens, prêmios e espaço para palestra.

Isso não tem a menor sustentação lógica. Não há como atribuir "momentos de humanismo" a uma instituição militar empenhada em exterminar a oposição à ditadura militar, a ponto de, nessa mesma época, o biênio 1971-1972, haverem seminários militares que apresentavam aparelhos e técnicas de tortura que tinham como expositores, entre outros, representantes do Pentágono, sede do Departamento de Estado dos EUA.

Nessa época tanto guerrilheiros como Carlos Lamarca e sua namorada Yara Yavelberg foram mortos em emboscadas. O deputado Rubens Paiva também foi assassinado, depois de ser preso e "desaparecido" nos bastidores da repressão militar. Um sem-número de opositores à ditadura militar também era morto em operações diversas.

A Censura Federal atuava com muito rigor, censurando até mesmo as canções de amor do cantor Odair José - espécie de ídolo tardio da Jovem Guarda que virou o ídolo do brega brasileiro - , o que glamourizou sua imagem entre setores da burguesia esquerdista brasileira.

Periódicos como Realidade, Folha da Tarde, Correio da Manhã e até mesmo O Pasquim tiveram que amenizar as coberturas progressistas ou anti-ditadura para adotarem uma abordagem quase asséptica em relação ao regime ditatorial.

Se bem que, no caso de Chico Xavier (ícone do pensamento religioso conservador da época), temos uma interessante tirada do jornalista José Hamilton Ribeiro (depois conhecido como repórter do Globo Rural, da Rede Globo), na Realidade de novembro de 1971. No texto, confirma o "calor humano" que manifesta o "bombardeio de amor" do "médium" e, da mesma forma, a Teologia do Sofrimento de Chico Xavier, através de uma pequena frase:

"Para os doutrinadores, a sessão terminou. Para Chico, é apenas uma mudança de fase: agora ele vai atender às centenas de pessoas que estão ali há várias horas, vindas de vários lugares, para vê-lo, ouvi-lo, tocá-lo. Para obter dele uma assinatura, um lápis usado, um botão de sua roupa, uma relíquia qualquer. A algumas pessoas proporcionará um sinal ou dirá algo que depois vai correr de boca em boca como mais uma manifestação de "Vida Maior". Aconteceu com o sr. João Guignone, presidente da Federação Espírita do Paraná. Ao cuegar a sua vez de abraçar o médium, ouviu-o dizer:

- Sabe quem está aqui do meu lado, cheia de emoção e querendo abraçá-lo? Sua mãe!

O Sr. João fingiu alegria, manteve a aparência e depois comentou com um companheiro:

- Acho que o Chico não está regulando bem. Disse que viu ao seu lado o espírito de minha mãe, e mamãe está viva em Curitiba!

Bem, foi ele chegar ao hotel e um interurbano do Paraná lhe dava a notícia.

A paciência de Chico para atender às pessoas vai longe. Não para de autografar livros, de interpretar situações, de dar conselhos e recomendar humildade, boas ações, espírito cristão.

- O sofrimento, filha, é uma dádiva de Deus. É com a dor que nós nos elevamos.

A cada um terá uma palavra amiga. Chico é dessas pessoas das quais a gente se aproxima e não quer se afastar mais. Espalha calor humano.

Mas agora vou ler a receita psicografada do pedido que fiz hoje em nome de Pedro Alcântara Rodrigues, alameda Barão de Limeira, 1327, ap. 82, São Paulo. Assim como no caso da alergia, não veio uma receita de remédios, mas uma orientação espiritual. Na letra inconfundível de psicografia, lá está: - "Junto dos amigos espirituais que lhe prestam auxílio, buscaremos cooperar espiritualmente em seu favor, Jesus nos abençõe".

O que pensar disso? Nem a pessoa com aquele nome, nem mesmo esse endereço existem. Eu os inventei".

Note que algumas coisas sombrias de Chico Xavier são citadas, explicitamente ou por acidente. Sem saber, Zé Hamilton mencionou o "bombardeio de amor" implícito no "calor humano" manifesto pelo "médium". O "bombardeio de amor", love bombing em inglês, é uma tática muito perigosa de dominação humana, através da exploração de apelos de afetividade e beleza. É como um "canto-de-sereia" moderno.

Há também a confirmação de fraudes psicográficas através de dois casos: da mãe de um dirigente "espírita" do Paraná, que estava viva em Curitiba e só veio a falecer pouco antes desse homem voltar à capital paranaense.

Mesmo que a mãe do dirigente tivesse falecido, não existe lógica alguma que fizesse com que ela estivesse realmente ao lado de Chico Xavier. Não há motivação lógica, não há argumentação alguma que possa sustentar isso. Até porque, se ela acabou de falecer, ela estava passando por um período de "despertar" do mundo espiritual e não teria condições de aparecer ao lado do "médium", que, portanto, estava errado na sua abordagem.

VERDADE HISTÓRICA

Não há como legitimar Chico Xavier, já que, no caso da mãe do dirigente "espírita", afirmar que ela "realmente" estava com o "médium", mesmo na hipótese dela ter morrido (mas, talvez, pouco depois de tal suposição - e ainda havia a notícia prévia de que ela havia sido idosa e doente), não haveria a pressa dela "disparar", do Paraná ao Triângulo Mineiro, para ficar ao lado do "médium".

Isso vai contra a lógica dos fatos e ela ainda estava sob o impacto da desencarnação. Ela estava "despertando" e começando a reconhecer a nova situação. Da mesma forma, não se exige, de alguém que acaba de acordar, que ele já esteja imediatamente na escola ou no local de trabalho, não é mesmo?

Se isso ocorre em fatos comuns, quanto mais em dados da nossa história política. Dar uma interrupção no rigor repressivo da Escola Superior de Guerra, que homenageou Chico Xavier pela sua "santidade", não faz o menor sentido, pois estaria em conflito e em total falta de coerência com a tarefa histórica da entidade militar.

Da mesma forma, também não pode ser atribuído oportunismo, supondo que a ESG premiou Chico Xavier para forjar, na instituição, uma imagem mais positiva para a sociedade, porque não era propósito da instituição ser adorada pelo povo. Além disso, se quisesse trabalhar uma imagem positiva na sociedade, já tinha a grande imprensa para tal empreitada.

Não existe lógica alguma que livre Chico Xavier da colaboração com o regime militar, porque a realidade dos fatos segue para esse hipótese, desagradável a muitos. E devemos acrescentar que não é raro haver alianças entre Religião e a tirania política, desde a Idade Média até mesmo as alianças entre a Igreja Católica alemã e o nazi-fascismo.

"Conheces todos os segredos da sua alma? Além disso, sem ser vicioso ele pode ser leviano e frívolo", diz a Doutrina dos Espíritos a respeito de "médiuns" extremamente falhos, mas cujos defeitos não podem ficar por panos passados pelos "flanelinhas digitais" das redes sociais. Um defeito pode trazer prejuízos gravíssimos, e não é o bordão "quem nunca errou na vida?" que vai deixar tudo como está.

Quem garante que Chico Xavier não teve o propósito pessoal de ser reacionário? Não era só questão de sobrevivência, até porque mesmo essa hipótese lhe desmente o mito de humanista que o "médium" tanto carrega, porque os verdadeiros humanistas não dão consideração a opressores nem usam o apoio a tiranias para salvar a própria pele. Quem é humanista prefere se sacrificar pelos oprimidos e não compactuar com os opressores, sob o pretexto de "ter o caminho livre para a missão cristã".

Parando para pensar, renegar que Chico Xavier colaborou com a ditadura militar entra em choque com os fatos históricos. Além de apelar para uma estranha "santidade" que dá consideração aos opressores, ela minimiza o rigor repressivo da Escola Superior de Guerra.

Numa época em que a repressão, no Brasil governador pelo general Emílio Garrastazu Médici, tornou-se radical e extrema, a Escola Superior de Guerra só homenagearia quem quisesse colaborar com o regime ditatorial. Se não fosse assim, não haveria cerimônia nem diploma, porque isso requer tempo e dinheiro para quem não compartilha dos mesmos compromissos da instituição. Daí que fatos verídicos mostram que Chico Xavier, realmente, colaborou com a ditadura militar.