Além de fajuta, a "caridade" de Chico Xavier exclui grande número de sofredores


A suposta caridade de Francisco Cândido Xavier, considerada "indiscutível" por um pretenso consenso de seus seguidores - que se esquecem do ditado "quem muito diz ser, no fundo não é, pois quem realmente é não precisa ficar dizendo" - , é duvidosa. 

Em seu tempo, ela tinha os mesmos padrões tendenciosos da "filantropia" espetacularizada de Luciano Huck, seguidor do "médium" a ponto de se lembrar da cidade de Pedro Leopoldo, ignorada até por muitos mineiros, para fazer seu quadro "assistencial" no Caldeirão do Huck, da Rede Globo de Televisão.

É, portanto, uma filantropia de valor duvidoso, que traz mais protagonismo e promoção pessoal para o suposto benfeitor do que resultados concretos. Pedro Leopoldo e Uberaba não atingiram padrões elevados de qualidade de vida, que seria o caso se houvesse, realmente, uma caridade transformadora. 

O Brasil, muito menos, pois, além de quase nunca ter resolvido sua crise - com a exceção dos 14 anos dos governos do Partido dos Trablhadores, que depois de 1985 foi o único a realizar políticas de inclusão social para os mais necessitados - , está caminhando para uma piora em todos os aspectos, além de ter se tornado uma preocupante vergonha mundial.

Daí que consideramos como blefe o mito da "caridade de Chico Xavier" que, pela grandeza com que se tratam tais ações, deveria ter, por si só, evitado tais desastres. Que "caridade" é essa que em nenhum momento impediu o Brasil de sucumbir ao caos e que "humanismo" é esse que não impede que Jair Bolsonaro chegue ao poder?

Não podemos mais perder tempo com relativismos e os malabarismos das palavras podem trazer argumentos que soam muito agradáveis, fazendo muita gente dormir tranquila, mas que não trazem sustentação com a realidade. A realidade, por desagradável que seja, é a realidade, e tentar brigar com ela usando o pensamento desejoso pode criar uma sensação agradável provisória, que se desfará numa decepção ainda maior que vem adiante.

Assim, não podemos tratar Chico Xavier ao sabor das fantasias. Também não basta admitir que ele "cometeu erros e imperfeições". Esses são artifícios feitos apenas para mascarar a idolatria e dissimulá-la, para que os chiquistas não se revelem fanáticos aos olhos dos outros.

A realidade em torno de Chico Xavier é das mais macabras e seu passado arrivista e sua trajetória reacionária e fraudulenta saltam tanto aos olhos que soa patética a declaração de Franklin Félix, com suas ideias confusas mesclando o conservador "espiritismo" brasileiro com o esquerdismo petista, no seu texto "Os mercadores espíritas da fé", quando se fala da "inquestionável caridade do médium":

"Guardadas todas as ressalvas a Chico Xavier e reconhecendo seu brilhante trabalho de assistência social e espiritual, lembrei-me de um episódio ouvido ainda criança que relatava a surpresa de Chico ao ganhar um tapete, tecido pelas próprias mãos que o entregava.

 Como sabia que era caro e para evitar que doasse ou trocasse por comida para seus beneficiados, sugeriu que as próprias senhoras “donas do presente” guardassem para ele.

Outra história, geralmente partilhada ao mesmo tempo com a primeira, dizia que Chico, ao receber um carro 0 quilômetro, pediu a um comerciante local que assistia a cena que trocasse o automóvel por macarrão. Em seguida, distribuiu entre as famílias empobrecidas de sua comunidade.

Desprendido, sempre transferia para instituições ou necessitados os presentes. Autor de 412 livros psicografados, Chico teria morrido milionário se cobrasse por eles. Nunca reivindicou absolutamente nada, ao contrário, doava os direitos autorais a instituições espíritas, ressaltando se tratar ele de um mero intermediário dos verdadeiros autores, os espíritos desencarnados".

Em primeiro lugar, o que Chico Xavier fazia não era Assistência Social, porque esta ação compromete os privilégios dos mais ricos. O que o "médium" fazia era Assistencialismo, à maneira de Luciano Huck, sempre dentro de um limitadíssimo e, na essência, inócuo, atendimento aos mais necessitados, sempre "aliviando a dor da pobreza", mas nunca "oferecendo a cura para a miséria". Lembremos que "aliviar a dor" não é o mesmo que "curar". É o que a Ciência diz.

Além disso, Chico Xavier não viveu seus dias de "médium" na pobreza. Ele apenas renunciou o cachê e não tocava em dinheiro, por achar sujo, no sentido de ser tocado por mãos humanas diversas. Ainda assim, Chico Xavier viveu no mais absoluto conforto, embora sem o aparato de luxo que iria despertar desconfianças. Mas, descontada a falsa simplicidade, este benefício é comparável ao da família real britânica, sustentada por terceiros.

KARDEC REPROVOU "FECUNDIDADE PRODIGIOSA" QUE DEPOIS SERIA REALIZADA PELO PRÓPRIO CHICO XAVIER

Quanto ao mito de que Chico Xavier não foi "mercador espírita", devemos pôr em dúvida. Afinal, uma revelação, vinda não de opositores do "médium", mas de gente simpática a ele, como Ana Lorym Soares, que descreve o comercialismo do trabalho editorial combinado entre o próprio Chico Xavier e os dirigentes da "Federação Espírita Brasileira", no trabalho O livro como missão: A publicação de textos psicografados no Brasil dos anos 1940 a 1960. Diz o trecho:

"Cabia a eles (dirigentes da FEB) toda a responsabilidade material pela confecção dos livros, inclusive a parte administrativa e comercial do negócio. Era da alçada desse grupo o tratamento editorial dos textos a fim de torná-los livros aptos à manipulação e à leitura pelos consumidores".

Há uma ênfase no termo "consumidores", o que revela um contexto mercenário desse trabalho que, de forma escandalosa, divulga, por acidente, as fraudes literárias de Chico Xavier, embora não fosse esse o objetivo da historiadora, que preferiu não abrir a "carta-bomba" que explodiu ao longe.

Além disso, vamos repetir os alertas de O Livro dos Médiuns, a fundamental obra de Allan Kardec, que nos advertem sobre o material excessivo de livros sugerido por espíritos inferiores, na qual a Codificação deixa clara no Capítulo 23 - Da Obsessão:

"247. Os Espíritos sistemáticos são quase sempre escrevinhadores. É por isso que procuram os médiuns que escrevem com facilidade, tratando de fazê-los seus instrumentos dóceis e sobretudo entusiastas, por meio da fascinação. Esses Espíritos são geralmente verbosos, muito prolixos, procurando compensar pela quantidade a falta de qualidade. Gostam de ditar aos seus intérpretes volumosos escritos, indigestos e muitas vezes pouco inteligíveis, que trazem felizmente como contraveneno a impossibilidade material de ser lidos pelas massas. Os Espíritos realmente superiores são sóbrios nas palavras, dizem muita coisa em poucas linhas, de maneira que essa fecundidade prodigiosa deve ser sempre considerada suspeita".

A pretensa erudição nos livros de Chico Xavier é evidente, com a linguagem empolada que divaga demais sobre assuntos que podem ser abordados em um único lado de um simples folheto com os diâmetros de um telefone celular. E note-se que Chico Xavier fez muito mal com suas "cartas mediúnicas", quando queria usar todo um palavreado para "consolar" famílias de mortos, algo que não se recomenda fazer para não explorar o luto alheio com perturbações.

Note-se que são mais de 400 livros de frivolidades igrejistas. E muitos seguidores, mesmo os "isentos" e "não-espíritas", de Chico Xavier se esquecem das recomendações da Codificação, que no referido trecho fala explicitamente que "os Espíritos realmente superiores são sóbrios nas palavras, dizem muita coisa em poucas linhas".

Em contrapartida, Kardec nos advertiu, com muita antecedência, para desconfiarmos sempre da "fecundidade prodigiosa" das obras "mediúnicas" que "deve ser sempre considerada suspeita". "Volumosos escritos, indigestos e muitas vezes pouco inteligíveis". 

Só existe o artifício, que variou ao contexto kardeciano, de que boa parte dos volumes possuem poucas páginas e, muitas vezes, há o aparato de pequenas frases ou poemas curtos, que forjam uma falsa simplicidade, porque as mensagens não deixam de ser pretensiosas, pedantes, rebuscadas, prolixas e obscurantistas.

Com um hábito medíocre de leitura de livros predominante no Brasil, as pessoas pensam que a obra xavieriana é "esclarecedora" e "clara em suas palavras", porque simplesmente não leem direito os livros de Chico Xavier e, como estes possuem palavras soltas como "paz" e "fraternidade" e não aparece algum "não" próximo a elas, então as pessoas, sem entender direito a mensagem, acham que ela tem recado "pacifista", fosse um engodo gosmento de ideias mistificadoras.

E não há dinheiro em jogo nesses livros? Não existe almoço grátis. Até porque, se o lucro dos livros de Chico Xavier fosse realmente em favor dos pobrezinhos, teríamos visto os resultados. Eles simplesmente não ocorreram e até mesmo gente que não foi tão pobre assim está se vendo à beira do precipício. E olha que o Brasil adorou Chico Xavier mais do que qualquer outra pessoa na vida. E, mesmo assim, nada melhorou.

Os livros tiveram renda que enriqueceu os cofres dos dirigentes da FEB. Chico Xavier foi alvo de um "culto à personalidade" cheio de falsas modéstias e falsa humildade (devemos desconfiar dos malabarismos da retórica humana, a desmentir sempre o que sempre se faz), era sustentado pela FEB e, como ídolo religioso, gozava de uma soberba que se comprovava no tratamento com o povo pobre.

As religiões podem ser mercenárias, apoiar governos tirânicos e coisas piores. Não é o "espiritismo", que já desde seu surgimento traiu Kardec acolhendo o roustanguismo - que desenhou as ideias hoje conhecidas, no Brasil, como "kardecistas" - , que trará um diferencial. Devemos desconfiar dos "espíritas" que comemoram demais uma arrecadação de muito dinheiro, porque ninguém faz isso quando o dinheiro realmente se destina aos pobrezinhos, órfãos e doentes em geral.

CHICO XAVIER DEIXOU DE AJUDAR MILHÕES DE PESSOAS

Num cálculo lógico, vemos que a suposta caridade de Chico Xavier quase nada ajudou. Isso porque as pessoas assistidas não saíram de sua inferioridade social, apenas recebendo donativos que se esgotam em pouco tempo, e já não eram maravilhosos, pois, por dentro de donativos comuns, havia roupas estragadas, alimentos de marcas ruins, remédios com prazo de validade vencido e outros, como se o povo pobre fosse o "lixo das elites".

Além dessa "caridade indiscutível" de Chico Xavier nunca ter ultrapassado os limites hoje associados a Luciano Huck, há o agravante de que o "médium", ao defender a Teologia do Sofrimento (corrente radical do Catolicismo da Idade Média), sonegou ajuda a milhões e milhões de pessoas.

Ao dizer que as pessoas deveriam "aguentar a pior adversidade, em silêncio e sem queixumes, apenas mantendo a fé em Deus", além de coisas do tipo "se a tarefa for difícil e o trabalho, longo e exaustivo, mesmo assim continue trabalhando" (coisa que faria um bolsonarista ficar de queixo caído), Chico Xavier quis dizer, de forma oculta, que "não queria ajudar tanta gente".

No conto do Bom Samaritano, no Novo Testamento, vemos que essa condição não seria a dos "espíritas", conforme lemos no Evangelho de São Lucas, Capítulo 10, entre os versículos 30 e 37, conforme conta uma parábola de Jesus de Nazaré:

"E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.
E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo.
E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o (*), passou de largo.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão;
E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;
E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar.
Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?
E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira.

Lucas 10:30-37".

(*) Em várias fontes, o levita chega a parar para observar as condições da vítima do assalto, mas depois vai embora, indiferente.

Enquanto evangélicos neopentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus) e os "espíritas" exaltam esse texto, eles se esquecem que são eles justamente os que se encaixam nos exemplos de egoísmo.

Nota-se que o sacerdote em questão corresponde ao neopentecostal, que vê o sofredor e vai embora, diretamente. O levita seria o "espírita", que até para para ver o sofredor e identificar as suas feridas, mas, depois dessa pesquisa, vai embora, sem fazer coisa alguma para livrar a vítima de sua infeliz situação.

E é isso que vem à tona diante dos apelos de Chico Xavier aos sofredores, ao ponto de dizer, para alguém que sofria pesadas adversidades na vida, o seguinte recado:

"O sofrimento, filha, é uma dádiva de Deus. É com a dor que nós nos elevamos".

Por semelhantes frases, Madre Teresa de Calcutá foi identificada à Teologia do Sofrimento. Aqui os incautos promovem Chico Xavier como um suposto progressista, erroneamente definindo-o como "libertário", quando sabemos que esse recado é de uma perversidade terrível, sendo uma espécie de "holocausto" ou "AI-5" dissolvido em palavrinhas dóceis.

Isso já derruba a imagem de Chico Xavier como um caridoso, porque fazer apologia ao sofrimento humano é uma perversidade. Pedir para as pessoas aguentarem caladas as adversidades da vida, sem reclamar, não é garantia alguma de evolução moral e espiritual, até porque, insensível, Chico Xavier e o "espiritismo" que ele concebeu não medem sequer a gravidade da angústia alheia, pedindo ao oprimido apenas que ele aceite a condição em que se encontra e espere o "socorro de Deus". Daí que tal apelo de Chico Xavier é, portanto, uma terrível negação da verdadeira caridade.