Chico Xavier não é o dono da Verdade. Mas muitos tratam como se ele fosse


Francisco Cândido Xavier é um dos poucos brasileiros que gozam de uma abordagem oficial e uma narrativa dominante na qual a fantasia prevalece, onde somente podem existir ideias e conceitos agradáveis. A realidade não encontra lugar nesse imaginário onde o pensamento desejoso exerce sua supremacia.

Neste sentido, a Verdade torna-se escrava de Chico Xavier e ela só pode apresentar coisas agradáveis a seus seguidores. Se há um aspecto negativo, o pensamento desejoso inicia uma força-tarefa para adotar muitas relativizações, de forma a evitar que a imagem agradável do suposto médium se desfaça feito castelo de areia atingido pelas ondas do mar.

Mesmo quando a idolatria de Chico Xavier tenha mudado sutilmente de postura, trocando o deslumbramento escancarado por uma falsa modéstia, substituindo, pelo menos aparentemente, o fanatismo exaltado pela "admiração simples" e trocando as atribuições de semi-deus para as de "homem simples e imperfeito", o pensamento desejoso continua exercendo sua supremacia.

Afinal, retira-se Chico Xavier do céu, logo no horário do jantar no banquete divino, e troca-se o pedestal público por um altar privado nos lares de seus seguidores. Em todo caso, a blindagem de Chico Xavier, de fazer inveja aos grandes políticos do PSDB, intitulados "tucanos" - o partido teria recebido a simpatia do "médium" no final da vida deste - , continua de pé.

Esse procedimento vai contra os ensinamentos originais da Doutrina dos Espíritos. Contraria, sobretudo, as recomendações de rigor da Lógica e do Bom Senso. A Razão não pode atingir Chico Xavier, que, tratado como se fosse uma "fada-madrinha do mundo real", não pode ser alvo de questionamentos, por mais fundamentados que eles sejam.

Isto faz com que teorias das mais tolas, trazidas por Alexandre Caroli Rocha e Ronaldo Terra, sob o verniz da "abordagem científica", em torno de Chico Xavier. Se o "médium" apoiou a ditadura militar, foi pela "santidade", uma tese sem pé nem cabeça, que minimiza, em dada circunstância, o caráter repressivo da Escola Superior de Guerra, indo contra a Verdade da História (era tempos de radicalização da ditadura).

A teoria da "santidade" de Terra cria problemas graves de abordagem, porque, se acreditarmos na sua tese, teríamos que admitir que, em dado momento, a Escola Superior de Guerra deixaria de lado seu radicalismo repressivo - que, entre 1971 e 1972, já patrocinava seminários militares que mostravam instrumentos de torturas de presos políticos - para homenagear um suposto humanista. Embora essa atitude fosse virtualmente possível, não havia contexto nem interesse para ela se realizar.

O pensamento desejoso de Terra, além de criar um "lado bom" da ESG, destoando da realidade da ditadura - que chegava a prender o deputado Rubens Paiva, pai do escritor Marcelo Rubens Paiva, em pleno início de passeio da família, em 1971 - , dava a Chico Xavier um estranho humanismo, que dá igual consideração com opressores e oprimidos, o que não é da natureza do verdadeiro humanismo.

Terra acabou, com sua tese absurda, legitimando a ditadura militar, embora não sabemos da postura político-ideológica desse suposto intelectual, que, depois de lançar sua tese pela UNESP, se apagou completamente, como um medíocre útil para a burocracia dos cursos de pós-graduação, que fogem do senso crítico (ferramenta maior do pensamento científico) como o diabo foge da cruz.

No caso de Caroli Rocha, seu acovardamento de não admitir senso crítico em relação à obra supostamente mediúnica que leva os nomes de "Humberto de Campos" e "Irmão X", se baseia em desculpas relacionadas a procedimentos que o próprio "movimento espírita" não realiza, que é estudar a relação da comunicação entre vivos e mortos e a natureza da vida no além-túmulo.

Caroli Rocha deu um tiro no pé, porque o "movimento espírita" se recusa a fazer esses estudos, porque criou artifícios que dão a falsa impressão de que os dois temas estão "fechados". Ou seja, Chico Xavier já "se comunica" com os mortos e há um "mundo espiritual" representado em Nosso Lar. Então Caroli Rocha, não bastasse sua covardia analítica, suas desculpas para evitar "teorias taxativas" que desqualifiquem as "psicografias" deram com os burros n'água.

Caroli Rocha preferiu brincar de ser matemático e, apesar de ser especialista em literatura, preferir analisar os estilos dos "autores espirituais" pela combinação isolada de sílabas. Autoproclamado especializado em análise textual, é justamente essa especialidade que ele não faz e se recusa terminantemente a fazer, como intelectual medíocre que ele é.

Um conhecimento razoável em literatura é capaz de derrubar as "psicografias". Em Parnaso de Além-Túmulo, dois exemplos já indicam fraudes apenas com uma simples leitura. O suposto Olavo Bilac aparece com textos estranhamente cansativos e sem a musicalidade dos versos da obra original do poeta parnasiano. Na suposta Auta de Souza, o original estilo ao mesmo tempo infantil e feminino de seu lirismo pessoal é substituído pelo habitual estilo individual, masculino e grosseiro de Chico Xavier.

E aí surgem, na Internet, idiotas extremos, retardados mentais cuja linha de raciocínio é capaz de fazer os bolsonaristas mais imbecis ficarem coçando a cabeça, virem com a seguinte barbaridade: "Quem é que não quer se expressar com o mesmo estilo de linguagem do maravilhoso médium Chico Xavier?".

SUBJUGAÇÃO OBSESSIVA

Aqueles que deveriam investigar e questionar Chico Xavier, os peritos jurídicos, os jornalistas investigativos e os pensadores acadêmicos, são tomados de perigoso tipo de obsessão, a Subjugação, que é mais grave do que a Fascinação, que já é um terreno bastante ameaçador para a vida das pessoas.

É como se eles, ao verem as palavras "Chico Xavier" em sua frente, seus corações batam forte e, temerosos, se recusem a estabelecer qualquer questionamento severo, mesmo à luz da Razão, e, quando são obrigados a questionar, criam narrativas relativizadoras que, não raro, resultam em teses inescrupulosamente absurdas. Não custa descrever, de O Livro dos Médiuns, o que diz o Capítulo 23 - Da Obsessão, no item 240:

"240. A subjugação é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, fazendo-a agir malgrado seu. Esta se encontra, numa palavra, sob um verdadeiro jugo.

A subjugação pode ser moral ou corpórea. No primeiro caso, o subjugado é levado a tomar decisões freqüentemente absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão considera sensatas: é uma espécie de fascinação. No segundo caso, o Espírito age sobre os órgãos materiais, provocando movimentos involuntários. No médium escrevente produz uma necessidade incessante de escrever, mesmo nos momentos mais inoportunos. Vimos subjugados que, na falta de caneta ou lápis, fingiam escrever com o dedo, onde quer que se encontre, mesmo nas ruas, escrevendo em portas e paredes.

A subjugação corpórea vai às vezes mais longe, podendo levar a vítima aos atos mais ridículos. Conhecemos um homem que, não sendo jovem nem belo, dominado por uma obsessão dessa natureza, foi constrangido por uma força irresistível a cair de joelhos diante de uma jovem que não lhe interessava e pedi-la em casamento. De outras vezes sentia nas costas e nas curvas das pernas uma forte pressão que obrigava, apesar de sua resistência, a ajoelhar-se e beijar a terra nos lugares públicos, diante da multidão. Para os seus conhecidos passava por louco, mas estamos convencidos de que absolutamente não o era, pois tinha plena consciência do ridículo que praticava contra a própria vontade e sofria com isso horrivelmente".

Isso se aproveita de uma orientação dos meios acadêmicos brasileiros que, diferente do que ocorre na Europa, onde o senso crítico é aproveitado em monografias financiadas pelo Estado que, não raro, oferecem xeque para as fenomenologias analisadas, podendo uma monografia, mesmo com abordagem mais objetiva e imparcial, porém contestatória, derrubar um modismo ou um fenômeno.

Aqui, o que impera é a cosmética "científica", um aparato que se limita a uma verborragia prolixa e rebuscada que simule "imparcialidade" e um falso questionamento, em teses monográficas que seguem uma fórmula padronizada:

1) INTRODUÇÃO - O pós-graduando, seja em Especialização, Mestrado, Doutorado ou outro estágio de formação, tenta explicar as razões do tema de estudo, em um texto maçante cujo único ponto relevante são os agradecimentos aos orientadores e outros colaboradores, na Introdução propriamente dita (como capítulo da monografia), enquanto dá as primeiras diretrizes de sua pesquisa;

2) DESENVOLVIMENTO - Em outro ponto maçante, o pós-graduando faz uma descrição acrítica das fontes pesquisadas e, havendo destaque em hipóteses conflitantes, elas seriam mencionadas de forma meramente descritiva, sem que houvesse uma contestação. Quando muito, coloca-se alguma outra fonte que corrobora com uma das teses para exemplificar algum respaldo teórico. Em suma, essa etapa da monografia se resume a um mero desfile de fontes bibliográficas consultadas e, eventualmente, fontes orais também pesquisadas, muitas vezes por meio de entrevistas.

3) CONCLUSÃO - Nessa etapa, quando o pós-graduando poderia adotar uma posição a respeito do tema estudado, o que ocorre é praticamente uma "passagem de pano" na "problemática", que é desproblematizada, transformada de fenomenologia para "patrimônio", onde o questionamento é evitado ao máximo. O que ocorre é apenas uma "constatação imparcial" do tema analisado que, com base nas fontes consultadas, é "preservado" em seus pontos controversos, como um médico que, estudando sua doença e seus efeitos, se recusa a combatê-la.

Junte-se a subjugação obsessiva a essa abordagem intelectualmente estéril, já comum em diversos fenômenos - podemos exemplificar o caso do "funk", um processo de entretenimento "popular" desenvolvido a partir de estranhas iniciativas empresariais e midiáticas - , nas quais se "desproblematiza" uma "problemática", diferente do que se faz lá fora.

Daí vemos Chico Xavier, um sujeito de práticas irregulares e aspectos macabros em sua trajetória - que envolvem desde seu apoio a fraudes de materialização e as suspeitas de assassinato do sobrinho Amauri Xavier por integrantes do "meio espírita" - , livre de qualquer questionamento, como se seus graves erros tivessem sido pequenas molecagens, mesmo quando elas atingem a memória cultural de personalidades mortas.

"FADA-MADRINHA DO MUNDO REAL"

A narrativa que protege Chico Xavier no imaginário dos brasileiros é absolutamente fantasiosa. Mas ela se baseia na mesma narrativa que o inglês Malcolm Muggeridge fez para blindar a reacionária Madre Teresa de Calcutá. Essa narrativa se baseia num modelo de "santidade para consumo", feito para entreter as pessoas através da idolatria a supostas "pessoas de bem".

Do mesmo modo, essa "narrativa" se baseia em aspectos de manipulação da mente humana, como o "bombardeio de amor", que, no caso da exaltação de supostos humanistas, se expressa através de apelos falsamente belos, principalmente baseados no contraste da feiura física dos supostos benfeitores, "compensada" por uma alegada "beleza interior" que sugere "luminosidade plena".

É criado, nesse discurso, um "pacote" no qual se incluem supostas atividades de "assistência social", que na verdade são mero Assistencialismo, que é a "caridade" de efeitos inócuos, que não rompem com as estruturas de desigualdades sociais, apenas evitando os efeitos mais extremos e poupando as elites de perder seus privilégios.

Há, também, o apelo publicitário dos "benfeitores" abraçando e cumprimentando miseráveis ou carregando crianças pobres no colo, além de frases de auto-ajuda que mais parecem apologias à desgraça humana. Tudo para simular um "humanismo de consumo" para o recreio das emoções baratas, das "masturbações com os olhos" das comoções premeditadas (as pessoas já se preparam para "chorar" ouvindo "lindos casos") e do sado-masoquismo religioso da Teologia do Sofrimento que une Chico Xavier e Madre Teresa.

No Brasil, o "método Muggeridge" foi introduzido pela Rede Globo, emissora que apoiava a ditadura militar, para promover Chico Xavier através da propaganda travestida de jornalismo documentário, por meio do programa Globo Repórter. Mas ensaios do "método Muggeridge" já haviam sido feitos pelos Diários Associados, com uma matéria de O Cruzeiro, com textos atribuídos a Emmanuel, e Chico Xavier carregando um bebê no colo, à maneira de Madre Teresa.

A narrativa de glorificar Chico Xavier foi feita pela ditadura militar mediante vários objetivos. Um é oferecer alternativa ao Catolicismo, que estava emergindo como oposição ao regime ditatorial, outro é também neutralizar a ascensão de pastores eletrônicos "neopentecostais", como Edir Macedo e R. R. Soares.

Mas o que as esquerdas ignoram por completo é que o mito de Chico Xavier já nasceu anti-petista, porque seu objetivo foi criar um "ativista" nos moldes conservadores, porém supostamente "ecumênicos", o que fez enganar também esquerdistas e ateus. Quando aos esquerdistas, eles ignoram que o mito de Chico Xavier surgiu justamente para abafar a ascensão de um operário, Luís Inácio Lula da Silva, que chamava a atenção da opinião pública nos anos 1970.

Neste sentido, Chico Xavier, que ideologicamente havia sido um pré-bolsonarista - só não apoiando o armamento da população, mas ainda assim com um perfil abertamente reacionário - , era o Luciano Huck do seu tempo, através de medidas de suposta caridade, meramente marqueteiras, que se tornaram, com o tempo, desculpas para abafar qualquer crítica feita ao "médium".

Eram ações espetacularizadas. Assistencialismo praticado por terceiros mas que, depois, levavam a assinatura do suposto benfeitor. Peregrinações tendenciosas, feitas para alimentar a promoção pessoal às custas dos mais necessitados. Ações que produzem o mais apaixonado louvor ao "benfeitor" da ocasião, embora os resultados dessa "admirável caridade" sejam baixíssimos, sem tirar os pobres da inferioridade social, mesmo quando parcialmente realizam alguma relativa emancipação financeira.

O mais sutil, e isso os militares e os grandes empresários de mídia já previam, é que essa "caridade" renderia debates e conflitos, porque os beatos do suposto benfeitor ficam defendendo ele o tempo todo, usando apenas os pobres como "gancho", como que numa operação de sequestro, quando se usa a vida do refém para tentar proteger e favorecer o sequestrador.

Supostas caridades como as de Chico Xavier e Luciano Huck, feitas por elites em geral querendo forçar o bom-mocismo, trazem baixos resultados sociais. Elas não rompem com as desigualdades sociais, porque mantém intatos os privilégios dos mais ricos, que apenas cedem uma parcela inexpressiva de seu patrimônio para tentar promover uma imagem positiva na sociedade.

Isso tudo blinda Chico Xavier e faz com que nenhuma ação possa contradizer sua trajetória ou anular sua idolatria. A recente "concessão" dos chiquistas, que agora definem Chico Xavier como "endividado" e "imperfeito", cuja "missão" havia sido "enfrentar provas na vida", nada adianta para abafar sua imagem idealizada, como "fada-madrinha do mundo real", como também não traz coisa alguma de realista, antes dando um verniz politicamente correto às fantasias em torno do "médium".

Afinal, essas atitudes de transformar Chico Xavier em alguém "gente como a gente" são só uma "carteirada" por baixo, que não exercem compromisso algum com a Verdade, que em muitos momentos é bastante dolorosa.

Os chiquistas, embora reneguem no discurso, a ideia de "donos da verdade" ("ninguém é dono da verdade", dizem, com estranho alarde), tratam Chico Xavier como seu dono, porque para eles não há questionamento que possa contrariar seu ídolo religioso. As virtudes humanas foram "privatizadas" por Chico Xavier, enquanto o ódio tornou-se um "patrimônio público", dentro desse país de Bolsonaros, milícias e bolsomínions, além de chiquistas que, quando podem, são também odiosos.

Se for pela Verdade e pela Razão, veremos que Chico Xavier era, na verdade, deplorável e desprezível, como um fraudador literário, como um mistificador, um católico medieval e um reacionário severo, além de ter sido um grande charlatão. Fatos confirmam isso, para desespero dos chiquistas, mesmo os "isentos". A Verdade machuca e, muitas vezes, traz coisas desagradáveis.