Com apologia ao sofrimento, Chico Xavier perde pontos da sua "caridade"
E isso como se não bastasse essa "inquestionável caridade" nunca ir mais dos mesmos padrões de Assistencialismo que hoje promovem figuras como o apresentador de televisão Luciano Huck, também empresário e um dos ícones do neoliberalismo político brasileiro - ele é um dos "cabeças" de movimentos como Agora!, Renova BR, Estamos Juntos e Direitos Já - , e é apadrinhado por personalidades como o ex-presidente e um dos fundadores do PSDB, Fernando Henrique Cardoso.
Huck é assumidamente admirador de Chico Xavier, dentro dos padrões "distanciados" que muitos "isentões" - que hoje dominam a narrativa "equilibrada" quanto à adoração ao "bondoso médium" - tanto adoram. Huck foi ver a cinebiografia dramatizada do "médium", com sua esposa Angélica Ksyvickis, em 2010. Ele teria sido um dos que visitaram o "médium" em vida, assim como Aécio Neves (cuja admiração ao "médium" era recíproca).
Ainda sobre Huck, uma edição do quadro Lata Velha, um dos momentos "assistenciais" do Caldeirão do Huck, foi gravada na cidade de Pedro Leopoldo, cidade que poucos sabem ser da Região Metropolitana de Belo Horizonte e, normalmente, é esquecida até pelos próprios mineiros. Fora de Minas Gerais, há quem pense que Pedro Leopoldo é uma cidade do Triângulo Mineiro, como Uberaba.
Há pontos que minimizam a quase nada a "caridade" de Chico Xavier que muitos dizem ser "inquestionável", uma "pegadinha" que conseguiu enganar até os céticos e mesmo os críticos mais severos do "médium". Como no que o Código Nacional de Trânsito define como perda de pontos para a carteira de motorista, temos tambem aspectos que diminuem a "caridade" de Chico Xavier a nada, rebaixando o "bondoso médium" a um anão moral, através de fatos e não de opiniões, vale lembrar aos desavisados:
1) ASSISTENCIALISMO - A "caridade" de Chico Xavier se limitou a ações meramente paliativas, que somente "aliviaram a dor da miséria", sem no entanto oferecer a "cura" da pobreza. Elas nunca fizeram os pobres superarem de verdade a sua inferioridade social, e os pobres que ficam esperando pelos donativos são sempre os mesmos, o que significa que essa "caridade" nada ajudou, sendo meramente um Assistencialismo de efeitos medíocres, que nem de longe conseguiu resolver as desigualdades sociais.
Devemos considerar que Assistencialismo e Assistência Social são diferentes. A Assistência Social "mexe" com os privilégios dos ricos e faz os pobres superarem sua condição de pobreza, alcançando significativa prosperidade. Não é isso que se vê entre os "espíritas", que apenas produzem efeitos paliativos, que correspondem ao Assistencialismo, prática realizada atualmente por figuras como Luciano Huck e que correspondeu à verdadeira "caridade" de Chico Xavier.
2) TEOLOGIA DO SOFRIMENTO - A corrente católica que se fundamenta na defesa da desgraça alheia como um "atalho" para atingir as bênçãos divinas é uma espécie de "holocausto do bem", capaz de fazer qualquer tirano virar um "benfeitor" se ele se dispuser de um aparato de benevolência e belas palavras para convencer um oprimido de que aguentar a opressão é "garantia da graça divina", combinando meritocracia com beatitude religiosa.
Só que, com essa corrente radical do Catolicismo medieval, difundida, no Brasil, por Chico Xavier com mais intensidade do que os católicos propriamente ditos, expressa um oculto egoísmo do "benfeitor", que, em vez de socorrer um oprimido, sugere para ele se conformar com seu sofrimento ou sofrer ainda mais para superá-lo, o que significa, em outras palavras, que é como se deixasse um náufrago à deriva, pedindo para que ele nadasse, se quisesse evitar o afogamento. Menos pontos para o "benfeitor" que faz apologia do sofrimento alheio, e isso inclui Chico Xavier, explícito em tais ideias, na sua obra doutrinária.
3) DEFESA DA DITADURA MILITAR - Não podemos considerar como "estratégia de sobrevivência" o apoio que Chico Xavier deu à ditadura militar (e também ao AI-5, que o "médium" considerou "necessário para tirar o Brasil do caos da subversão". Esse apoio o coloca como um "espírita de direita" ainda mais radical do que Divaldo Franco e Carlos Vereza que, perto do "bondoso médium" mineiro, parece um esquerdista militante.
Em primeiro lugar, Chico Xavier foi enfático demais, na sua defesa da ditadura e na sua rejeição ao esquerdismo, para que subestimemos ou relativizemos esse apoio. Era um apoio convicto, escancarado e insistente. Nenhum fingidor faria tamanho apelo, porque teria medo de parecer estar forçando a barra. E Chico Xavier teria sido mais contido se usasse o apoio à ditadura militar apenas para salvar a sua pele.
Em segundo lugar, Chico Xavier não teria chegado ao ponto de aceitar uma homenagem feita pela Escola Superior de Guerra, até porque teria sentido horror a esse nome, se seu apoio à ditadura fosse meramente "estratégico". Se aceitou, é porque seu apoio à ditadura chegou ao nível da cumplicidade com esse regime. E se a Escola Superior de Guerra homenageou Chico Xavier, é porque este foi colaborador decisivo da ditadura militar.
A ESG, nos tempos de repressão radical - época do AI-5, o período 1971-1972, quando Chico Xavier manifestou apoio aos militares, houve ampla perseguição, prisão, tortura e assassinato de oponentes - , era tão rigorosa no seu rigor repressivo que a instituição militar nunca iria homenagear quem não colaborasse com a ditadura militar, até porque isso exigiria gasto de dinheiro para cerimônias, cessão de espaço e fabricação de prêmios. Pelos argumentos lógicos, conclui-se que Chico Xavier foi, sim, colaborador da ditadura militar.
4) A ILUSÃO DA IGUAL CONSIDERAÇÃO A OPRIMIDOS E OPRESSORES - A aparente "caridade" de dar igual consideração a oprimidos e opressores, através de conceitos vagos de "paz" e "fraternidade" que emocionam as pessoas, não é mais do que uma ilusão.
Afinal, é uma "paz sem voz", muito estranha, na qual se pede aos oprimidos se resignarem com sua desgraça e verem com misericórdia os abusos do opressor, sob o pretexto de que este "não escapará da Justiça Divina". Ou seja, é uma "paz" que não resolve as desigualdades sociais, apenas as acoberta pela suposta conciliação de desiguais.
Quanto não pode haver, sob a máscara da religiosidade e da fraternidade, prazeres ocultos em ver o outro sofrer, sobretudo ao ouvir as tais "lindas estórias" de gente que perdeu muita coisa, para não dizer tudo, e viveu traumas e humilhações. Só porque essas pessoas se superaram não significa que se entreter com tais estórias fosse algo digno de humanismo, muito pelo contrário.
A ênfase emotiva das pessoas em ver que outros enfrentaram a desgraça para conhecer o sucesso é sinal de sentimentos desumanos. A apologia ao sofrimento humano, dessa forma, reduz drasticamente o nível de "caridade" de Chico Xavier, porque acaba o desqualificando, devido ao fato de que, ao aconselhar um grande número de pessoas a aceitar a própria desgraça, está, na verdade, deixando de ajudar muitos seguidores.
Existem modos das palavras ferirem de maneira perversa, e um dos modos são as palavras aparentemente dóceis. Daí ser fácil dizer ao outro que perdeu tudo que "tudo passa", através de uma insensibilidade em níveis cruéis, mas que é dissimulada pela retórica religiosa.