Como um conservador, Chico Xavier não mudou de visão após a ditadura militar


O pensamento desejoso de vários seguidores de Francisco Cândido Xavier seguem diversos caminhos, contrariando até mesmo o mito "unificador" do "médium". Uns, à esquerda, chegam mesmo a defini-lo, erroneamente, como "marxista", apenas por qualificações meramente especulativas associadas a supostas humildade e caridade.

Já no "centro", os "isentões" tentam minimizar tudo em Chico Xavier, desmentindo, se possível, até que ele respirava. A mania de desmentir para blindar o "médium" faz com que fosse preverível que se prevaleça a mais tola fantasia em seu favor do que qualquer realidade, mesmo confirmada em fatos, que pôr em xeque a sua reputação.

"Eu não acredito no óbvio, porque é óbvio demais para ser verdade", clama o "isentão espírita", senhor da palavra final (embora autoproclame "não querer ser dono da verdade", desculpa habitual em todo aquele que se acha, sim, "dono da verdade"), que sempre desconfia da Lógica e da Razão, quando ela vai contra suas convicções em torno de Chico Xavier.

Pseudo-intelectual, o "isentão espírita" tem mania de argumentar "cientificamente" e de "forma imparcial" verdadeiras tolices, como se fosse um Caio Coppolla da "fé espírita". Num país como o Brasil, em que intelectualismo tem que se limitar a uma cosmética de palavras difíceis e textos formais ao invés de exercício do raciocínio crítico, a blindagem em torno de Chico Xavier atinge níveis surreais. A verdade não toca nele. Deixe que as fantasias cuidem dele direitinho.

O apoio que Chico Xavier deu à ditadura militar recebeu, de Ronaldo Terra, uma desculpa tola, travestida de tese acadêmica. Ele juntou duas teorias aparentemente inofensivas e, de certa forma, verídicas, como a religiosidade e a moralidade conservadoras de Chico Xavier e a "catolicização" do Espiritismo no Brasil, e montou uma teoria sem pé nem cabeça: que o "médium" apoiou a ditadura militar porque "era santo".

Não tem como ver sentido algum nisso. Afinal, havia o radicalismo da repressão ditatorial, contra as ações das esquerdas, sob todos os aspectos. Matava-se até mesmo sindicalistas e camponeses que, mesmo em atuações pacíficas, ameaçavam os poderes oligárquicos de suas respectivas regiões.

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA NÃO HOMENAGEARIA, DURANTE A DITADURA, QUEM NÃO COLABORASSE COM ELA

Com este raciocínio, a Escola Superior de Guerra, "cérebro" da ditadura militar, não iria abrir mão de seu radicalismo e distribuir homenagens à toa. Se havia concessão de homenagens, era SOMENTE para quem COLABOROU com a ditadura militar, até porque a ESG não era uma instituição filantrópica, era militar e, portanto, não se chamava "Escola Superior de Paz".

Além disso, também não existe humanista que preste igual consideração a oprimidos e opressores. Se Chico Xavier aceitou comparecer a homenagens na Escola Superior de Guerra, é porque se identificava com a ditadura militar a ponto de aceitar tais cerimônias.

Paremos para pensar. Se o apoio de Chico Xavier à ditadura militar fosse "só uma estratégia", ele evitaria um envolvimento pleno. Teria se desculpado em não comparecer à cerimônia, agradecido o convite e, com certeza absoluta, a ESG respeitaria sua decisão. O privilégio religioso tem a mesma medida do privilégio financeiro, ainda mais quando prega ideias conservadoras.

Além disso, pensemos. O "pacifista" Chico Xavier teria horror ao nome "guerra" e teria evitado comparecer à homenagem, se seu apoio à ditadura militar fosse mera estratégia. Se ele não mediu escrúpulos em comparecer ao evento, é porque ele teve consciência de que colaborava com a sustentação do regime ditatorial, ele estava a serviço dos generais na construção de um Brasil mais conservador.

Chico Xavier, se tivesse feito "só uma estratégia", teria sido menos escancarado. Sua atuação como "médium de direita" foi visceral e engajada demais para ser uma mera estratégia de sobrevivência. Ele colaborou, sim, com a ditadura militar e sua colaboração pode ter sido ainda mais convicta e radical do que imaginamos, usando as "cartas mediúnicas" como um múltiplo meio de salvar a ditadura militar e até para forçar a conformação com as mortes nos porões da repressão.

As pessoas se assustam quando se fala que Chico Xavier sempre foi um dos maiores baluartes do pensamento conservador brasileiro. Com certeza, não leram seus livros e apenas leem a parte de seus textos e depoimentos que parecem "mais agradáveis". Pensam que ele era um pensador progressista, apenas pela superfície que o cerca, com ideias supostamente associadas à caridade, ao progresso humano e até ao intelectualismo filosófico.

Mas, lendo os livros e prestando atenção nos depoimentos de Chico Xavier, se identificará, nele, um conservadorismo tão ortodoxo quanto os católicos que o haviam excomungado. Um conservadorismo surpreendentemente medieval, fundamentado justamente no que havia de mais radical no Catolicismo da Idade Média, a Teologia do Sofrimento.

Não devemos definir as coisas pela embalagem, mas pelo conteúdo. A "embalagem" de Chico Xavier sugere modernidade, futurismo, intelectualidade, altruísmo etc - e isso apesar do visual cafona do "médium" - , mas seu conteúdo é o contrário. 

Quantas bombas não podem existir sob embalagens de presente de aniversário? Quantos extrumes não podem estar escondidos sob os pacotes de bombons? As ideias de Chico Xavier, lidas com atenção, refletem um conservadorismo que fará qualquer um cair da cadeira.

Fala-se tanto na "caridade" de Chico Xavier, mas ele dizia para os sofredores aguentarem os piores infortúnios em silêncio, sem reclamar e sem atrapalhar a felicidade dos outros. Altruísmo? Não, é puro egoísmo, forçando que o desgraçado, mesmo aguentando piores infortúnios, ainda agradeça a Deus pelo pior que é enfrentado em sua vida, com perdas, tragédias e humilhações, todas pesadíssimas.

E ele ainda tem que fingir felicidade, e Chico Xavier usa como desculpa, sem efeito prático na realidade, de que "ficar feliz no sofrimento atrai boas energias". Então vai a pessoa que está no fundo do poço ficar feliz da vida, cai uma tempestade, ela se afoga, o socorro nunca vem e a pessoa morre. Adiantaram as boas energias?

Quanto ao ultraconservadorismo de Chico Xavier, chiquistas alegam que ele "pode ter agido por impulso" e "aprendeu e mudou". Grande engano. Chico Xavier foi ultraconservador a vida toda, e, como todo conservador ferrenho, acreditava que, dentro desse sistema de valores, a velhice era uma fase em que os valores defendidos se tornam imutáveis, pois se atribui a essa fase da vida a maturidade e a sabedoria.

Chico Xavier tinha 61 anos quando fez as entrevistas para o Pinga Fogo da TV Tupi, o que, no contexto da época, era o começo da velhice. Imagine então o período da redemocratização, em várias etapas: a Campanha das Diretas Já, em 1983-1984, o fim da ditadura militar, em 1985, e a promulgação da Constituição Federal de 1988, hoje ameaçada de extinção pelo golpe pós-2016.

Em 1983, 1984, 1985 e 1988, Chico Xavier teve, respectivamente, as seguintes idades: 73 anos, 74 anos, 75 anos e 78 anos. Como um sujeito conservador e, ainda mais, muito doente, ele não teria disposição nem interesse algum, o menor que fosse, em mudar seus pontos de vista e adotar, em sua mente, um vigor progressista de um jovem de 25 anos. Isso pode ser agradável a todos e faz muita gente dormir tranquila, mas não tem um pingo de sustentação com os fatos reais.

Chico Xavier permaneceu, no fim da vida, o mesmo ultraconservador e reacionário de 1971-1972. Ele colaborou com a ditadura militar, sim, e deve ser responsabilizado por isso. Chico Xavier também nunca defendeu a redemocratização do Brasil, acreditando que este processo "dependia da vontade de Deus", e por isso manteve abstenção quando a ditadura militar, que ele apoiava, teve que caminhar para seu fim, até porque a própria Escola Superior de Guerra preparava o desembarque político dos militares.

Não há como usar a Lógica para negar o conservadorismo extremo de Chico Xavier, comprovado até pelas raízes sociais do "médium". Ele nunca foi um rebelde, sempre defendeu a submissão humana, e era um símbolo de obediência em dimensões subservientes. A imagem de "progressista" não se sustenta por argumentos lógicos nem pelos fatos, enquanto o conservadorismo de Chico Xavier é algo que salta aos olhos de tão evidente, fato que só pode ser negado pela cegueira das paixões religiosas e pela fascinação obsessiva ao "médium".