"Espiritismo" brasileiro defende prevenção contra Covid-19. Mas poderia não fazer

Por questões politicamente corretas e por outros motivos estratégicos, o "movimento espírita", no seu conjunto, reprova que as pessoas fiquem nas ruas e entrem em contatos com outras pessoas contaminadas pelo coronavírus, respaldando o isolamento social como medida de prevenção.
Evidentemente, há questões de sobrevivência humana e o "espiritismo" segue as recomendações que mesmo uma parcela da sociedade conservadora defende. Não é uma atitude que fará alguém um progressista ou um sanitarista libertário - apesar das "prisões" do isolamento dentro do lar - , até porque o isolamento não é, em si, libertário, mas um meio de evitar o contato coletivo e deixar o vírus "morrer" sem se expandir para novas contaminações.
Também o "espiritismo" brasileiro não se tornaria "humanista", "libertário" nem "mais responsável" ao defender o isolamento social. Ele apenas segue o que setores da sociedade seguem, como um ato de prudência geral, que não oferece diferencial algum. É como alguém defender que a água deva ser sempre tratada para ser bebida ou usada para lavar alimentos. É apenas uma questão de sobrevivência, uma qualidade neutra, embora necessária e, ainda assim, não vale um Nobel da Paz.
O "espiritismo" humano diz "defender e valorizar a vida", mas consente com as mortes prematuras, que são glamourizadas, veem o ato do homicídio com reprovação, mas sob atenuantes - atribuindo o crime a um suposto "pagamento" moral da vítima - e tratam as mortes coletivas como um "gado expiatório", atribuindo a pessoas que nem se conhecem direito um suposto destino comum.
A religião, que tem na Teologia do Sofrimento seu princípio maior, mais até do que os postulados espíritas originais - apesar dos "espíritas" nunca assumirem isso no discurso - , poderia muito bem reprovar o isolamento social e aderir à tendência bolsonarista de que a "normalidade" social tem que ser retomada, com aglomerações e comércio totalmente aberto.
MARIA DE MAGDALA
A justificativa poderia estar nas mangas das camisas dos "espíritas". Maria Madalena, conhecida pelo "espiritismo" brasileiro como Maria de Magdala, jovem aristocrática que, dizem rumores, teria sido casada com Jesus de Nazaré, fez voto de pobreza e terminou a vida tratando e convivendo com leprosos, os portadores de lepra - hoje conhecida como hanseníase - , tendo sido contagiada com a doença e morrido prematuramente.
Isso seria suficiente para os "espíritas", que tanto falam para os sofredores aguentarem o sofrimento calados e, com isso, enfrentar, resignados, qualquer tipo de adversidade, por pior que fosse, rejeitarem o isolamento social.
Eles poderiam dizer: "Por que o irmão prefere o ócio em casa, a preguiça no lar, se evita o trabalho intenso, que aprimora o espírito, no contato com outras pessoas?". Poderiam dizer: "Em vez de ter medo da contaminação, encare a barra pesada e cumpra seu dever no trabalho e no auxílio". Imaginamos até como seriam as mensagens de Emmanuel neste sentido.
Poderiam, os "espíritas", dizerem: "Veja o exemplo iluminado de Maria de Magdala. Podendo encerrar seus dias no conforto do seu lar, ela preferiu conviver com uma multidão de doentes, ajudando-os, conversando com eles, sendo amiga deles, e eles estavam contaminados. Ela se contaminou, morreu com eles, e sua missão foi digna".
Daí para dizer para as pessoas irem às ruas, porque o trabalho que lhes espera é "mais suave" do que a "missão batalhadora" de Maria de Magdala é um pulo. O isolamento social poderia ser entendido como uma "fuga" aos "desígnios de Deus" e um "acovardamento ante o imperativo das missões morais da humanidade".
Além disso, a contaminação por coronavírus pode também ser entendida como "reajuste moral", ou, no caso de atingir um grande número de pessoas, como "resgates coletivos". Seria um "pagamento" daqueles que "promoveram" ou "se divertiram" às custas das pestes que dizimaram multidões na Idade Média, conforme a imaginária avaliação dos "espíritas".
Por sorte, o "espiritismo" brasileiro é apenas coadjuvante do contexto inaugurado pelo golpe político de 2016 e precisa se vender como um "diferencial" às seitas evangélicas "neopentecostais", que exercem relação umbilical com o governo Jair Bolsonaro.
Assim, os "espíritas" têm que usar pautas opostas às dos "neopentecostais", daí um verniz "progressista" que se desenvolve para quando surgir uma oportunidade de um protagonismo religioso. Tudo para botar a cabeça para fora, assim que a "tempestade" do bolsonarismo acabar.